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Moradoras do Tremembé precisam se deslocar 22,2 km para registrar denúncia de violência, diz estudo

Mapa das Desigualdades mostra que mulheres do distrito da zona norte são as que enfrentam o maior trajeto para chegar à polícia

São Paulo|Fabíola Perez, do R7

Dificuldade de acesso às delegacias contribui para subnotificação de casos de violência
Dificuldade de acesso às delegacias contribui para subnotificação de casos de violência Dificuldade de acesso às delegacias contribui para subnotificação de casos de violência

Com o corpo coberto de ferimentos e marcas roxas, a filha de Mayara, de 16 anos, tentou se deslocar da casa em que vive no Tremembé, na zona norte de São Paulo, até a delegacia mais próxima para registrar a agressão sofrida após uma briga com o companheiro em setembro. O sangue e os machucados, porém, transformaram o trajeto em uma saga até o distrito policial — não especializado em atender mulheres.

Com a ajuda da mãe, ambas decidiram sair do bairro Vila Nova Galvão e ir até um posto de polícia para pedir ajuda. Mayara e a filha, que prefere não se identificar, fazem parte da parcela de moradoras que percorrem a maior distância para conseguir registrar uma denúncia de violência em São Paulo. De acordo com o Mapa das Desigualdades, realizado pelo Instituto Cidades Sustentáveis e divulgado na última semana, uma moradora do Tremembé precisa se deslocar 22,2 quilômetros para denunciar uma violência sofrida.

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A distância e as dificuldades impostas pelo trajeto fazem com que muitas moradoras do distrito não cheguem às delegacias especializadas no atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica. As DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher) são unidades policiais especializadas no atendimento de mulheres, crianças e adolescentes que enfrentam situações de violência física, moral e sexual. Na prática, a falta de equipamentos públicos e de apoio às mulheres é o principal motivo responsável por desestimular as vítimas — o que contribui para o aumento da subnotificação dos casos.

Moradora do Tremembé há mais de 20 anos, Mayara encontrou a filha machucada em frente à casa em que a adolescente morava com o marido. Desesperada, ela foi até um posto policial para pedir aos agentes que as levassem até a delegacia de carro. “Mas eles me disseram que não tinha viatura disponível. Nos mandaram de volta para a casa do agressor, dizendo que a polícia só poderia nos levar de lá. Então, fiquei com a minha filha toda ensanguentada das 4h às 6h para irmos a uma UPA”, lembra a mãe.

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Somente depois de a filha receber atendimento inicial na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Jaçanã, elas foram ao 39º Distrito Policial da Vila Gustavo, no Tucuruvi, zona norte, para registrar a denúncia.

A pesquisa Mapa das Desigualdades, realizada pelo Instituto Cidades Sustentáveis e divulgada na quarta-feira (23), dimensionou pela primeira vez o deslocamento médio para realização de denúncia contra a mulher entre os distritos da cidade de São Paulo.

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De acordo com o estudo, o distrito com maior quilometragem percorrida é o Tremembé — o que significa dizer que uma moradora dessa região precisa percorrer 22,2 quilômetros para fazer um boletim de ocorrência e ser atendida com dignidade. O distrito com melhor avaliação é o Pari, localizado na região central do município, com uma distância de 1,2 quilômetro.

A saga de Mayara e da filha até o registro da denúncia passou por um posto de polícia, por uma Unidade de Pronto Atendimento, pela volta para a rua em que ocorreu a agressão e, por fim, pela chegada a uma delegacia não especializada — a mais próxima da casa em que vivem. O percurso exigiu das vítimas disposição para enfrentar horas de desgate.

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A distância da casa da filha de Mayara até a 4ª DDM é de aproximadamente 24 quilômetros. O trajeto é feito por, no mínimo, dois ônibus e alguns metros de caminhadas durante 1h e 22 minutos. “Ela reclamou muito e estava chorando muito. Estava com muita dor, principalmente no maxilar”, lembra a mãe.

A assistente social Kátia Chambo Gonçalves, de 56 anos, é moradora do Tremembé há 18 anos e trabalha no acolhimento de mulheres vítimas de violência há três anos e meio. “Todos os serviços de atendimento são extremamente fora de mão, não tem como essas mulheres terem acesso sem pegar dois ou três ônibus”, afirma Kátia.

“É uma região muito grande, com vários bairros pequenos e que carecem de serviço social. Quando uma vítima nos aciona, informamos o serviço mais próximo. Mas muitas têm dificuldade para chegar até mesmo aqui na ONG. Não à toa desistem antes de chegar à delegacia.”

Kátia diz que leva, de carro, em torno de 45 minutos para sair da casa em que vive e chegar à ONG, localizada na Vila Nova Cachoeirinha. Segundo a assistente social, a delegacia da mulher mais próxima é a 4ª DDM. “Pela distância, muitas mulheres não registram boletim de ocorrência, só os casos mais graves são denunciados nas delegacias de bairro.”

Depois de a filha ter sido medicada, Mayara recebeu a orientação de voltar para o local em que ocorreu a agressão. “Eles disseram que eu só poderia chamar a viatura onde ele tinha batido nela. Fiquei sentada na rua com a minha filha.” Mayara afirma que aquela não foi a primeira vez que a filha havia sido agredida pelo companheiro.

“Esse relacionamento já teve empurrão, tapa, humilhação. Ela levou até ponto no maxilar”, afirma. Além disso, Mayara diz que a filha é vítima de violência psicológica. “Ele humilha ela, fala que ela é gorda e que, por isso, não vai conseguir ficar com ninguém.”

O histórico de violência fez com que Mayara conseguisse a guarda do neto, de 1 ano e 11 meses. “Um dia a irmã dele foi à minha casa me avisar que minha filha estava toda cortada. Fiquei desesperada, fui lá e comecei a ajudar ela a levantar da calçada. Chorei, passei mal até.”

Na UPA Jaçanã, a jovem foi medicada com soro e injeção para amenizar a dor. Somente por volta das 12h mãe e filha foram levadas até a delegacia para a elaboração do boletim de ocorrência.

Segundo Mayara, antes de serem atendidas, os agentes estavam registrando dois casos de apreensão de drogas. Quando, finalmente, chegou o momento de registrar a denúncia, outro entrave: os relatos ocorreriam em frente ao agressor.

“Em uma delegacia especializada, tudo seria diferente: a proteção dela, o tempo de espera para o atendimento e os deslocamentos”, diz a mãe. “Perguntaram na frente do ex-companheiro da minha filha se achávamos que ele deveria ir para um CDP (Centro de Detenção Provisória) ou se era para ele ser libertá-lo. Fiquei com medo de represália.”

Dois meses depois, Mayara conseguiu a medida protetiva para afastar o agressor de sua filha. “Mas não esqueço que ela não teve a oportunidade de relatar o que aconteceu na hora de escrever o B.O., quem fez isso foram os policiais”, diz Mayara.

“Hoje, nem sabemos como está a investigação. É um descaso. Depois que ela teve que se locomover toda roxa e ensanguentada, não espero mais nada.” O estudo do Instituto Cidades Sustentáveis demonstra que a média de quilômetros percorridos para a denúncia de uma violência é de 20,2 quilômetros em toda a cidade.

O estudo mostra ainda outros indicadores com maior incidência de violência contra as mulheres. O número de feminicídios, assassinatos de mulheres em razão de violência doméstica e familiar, é seis vezes maior na Barra Funda, na zona oeste da capital paulista, do que em 29 outros distritos da cidade.

A Barra Funda também é o bairro mais violento de São Paulo para mulheres, com uma taxa de 636,2 vítimas por 10 mil mulheres. A violência contra essa parcela da população aumentou 67,9% de 2020 para 2012. O bairro com melhor avaliação é o Alto de Pinheiros, com uma taxa de 116,5 vítimas por 10 mil habitantes.

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