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Desajuste entre relógios biológico e social leva a privação de sono

Especialista explica que consequências disso ao longo do tempo podem ser ansiedade, depressão, impulsividade e falta de atenção

Saúde|Fernando Mellis, do R7

Horários convencionados socialmente nem sempre se enquadram no relógio biológico
Horários convencionados socialmente nem sempre se enquadram no relógio biológico Horários convencionados socialmente nem sempre se enquadram no relógio biológico

A rotina de quem só consegue dormir nas primeiras horas da madrugada, mesmo sabendo que tem que acordar cedo, pode ser extremamente cansativa, tendo em vista que sempre há uma privação de sono com consequências físicas e mentais no dia seguinte.

Essas pessoas fazem parte de um perfil bem-estabelecido para a medicina: os vespertinos. Eles têm um relógio biológico que nem sempre se encaixa no padrão estabelecido pela sociedade.

Esses indivíduos costumam pegar no sono por volta de 1h, 2h, e também acordam um pouco mais tarde. O pico de produtividade deles ocorre, normalmente, no fim da tarde ou início da noite.

São o oposto dos matutinos, que dormem e acordam cedo, além de atingir um pico de produtividade no fim da manhã. Também há o perfil intermediário: pessoas que conseguem ter um meio-termo entre os matutino e o vespertino.

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O biomédico e pesquisador do Instituto do Sono de São Paulo Gabriel Natan Pires destaca que os adolescentes e jovens adultos são os principais exemplos do perfil vespertino, "mas pode acontecer em qualquer faixa etária".

"Não é necessariamente uma doença ser vespertino, não é uma doença querer dormir à 1h, às 2h. O problema é que a pessoa que dorme mais tarde não consegue exercer o seu padrão de sono normal porque a sociedade não deixa, ela tem que estar na reunião às 8h. Se a tua empresa não é flexível o suficiente para te permitir dormir até as 10h e chegar às 11h no trabalho, que te deixe sair mais tarde do trabalho, você vai estar no trabalho às 8h, mas não vai produzir, vai ficar sentado na mesa enrolando, cochilando, completamente improdutivo."

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Além de um baixo desempenho nas atividades profissionais, o especialista lembra que adolescentes e estudantes universitários também podem ser prejudicados com horários que não se encaixam no relógio biológico deles.

"Quanto mais vespertino é o adolescente, mais ele vai chegar sonolento na aula, por chegar sonolento, ele não vai aprender, e isso aumenta as chances de repetir de ano e evasão escolar. E aí acaba que a gente consegue estigmatizar a vida inteira de uma pessoa não porque ela é incapaz intelectualmente, mas porque ela nunca teve a oportunidade no momento em que ela é mais capaz para isso", diz o pesquisador.

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O especialista em cronobiologia alemão Till Roenneberg cunhou há alguns anos um termo para isso: jet lag social. O jet lag tradicional é quando viajamos para um local com um fuso-horário diferente do que estávamos acostumados, criando um descompasso no nosso organismo (especialmente no sono) por alguns dias.

No caso do jet lag social, os indivíduos têm dificuldade em sincronizar o relógio biológico deles ao do contexto social em que estão inseridos. É a pessoa que tem atividades em horários fora do pico de produtividade dela.

Privação de sono e insônia

Falta de sono atrapalha desempenho profissional
Falta de sono atrapalha desempenho profissional Falta de sono atrapalha desempenho profissional

O resultado de viver em um jet lag social é a privação de sono, explica Pires.

"A pessoa que dorme tarde é privada de sono porque tem que acordar cedo para trabalhar. Do ponto de vista de saúde mental, existem várias coisas que podem acontecer. As principais delas são ansiedade e depressão. Mas também são pessoas mais impulsivas, o que no ambiente de trabalho é horrível, ter um profissional cansado que toma decisões erradas. Imagine um controlador de voo em um aeroporto, qualquer erro por impulsividade e falta de atenção, que também é uma consequência da privação de sono, pode ser fatal."

A privação de sono pode se tonar permanente naqueles que não conseguem um ajuste na rotina, como a mudança do horário de trabalho ou das aulas.

"A gente nunca consegue se adaptar 100% a dormir em um horário que é diferente do que a nossa fisiologia pede. E quanto maior for a vespertinidade da pessoa, pior vai ser isso. Sempre vou estar sujeito a um tipo de privação de sono. Por que as pessoas sempre dormem mais no final de semana? É quando eu exerço o meu sono biológico, porque não tenho que acordar às 6h no próximo dia. É como se no final de semana eu tentasse recuperar a privação de sono que essa obrigação do trabalho me cria."

Indivíduos ansiosos também podem desenvolver insônia, que não deve ser confundida com o simples fato de só conseguir pegar no sono mais tarde.

Nem toda pessoa vespertina tem insônia, diz o especialista.

"Eu gosto de dormir às 2h, mas aí eu tenho que acordar cedo durante o dia e fico cansado. Isso não é insônia. Mas se eu deito na cama em um horário qeu eu gostaria de dormir, e o sono não vem. Isso pode ser insônia."

Ela é classificada por três principais queixas: dificuldade para pegar no sono, manter ou despertar muito mais cedo.

Remédios devem ser evitados por longos períodos

Um estudo feito pelo Instituto do Sono do Sono de São Paulo mostrou que oito em cada dez brasileiros relatam problemas para dormir durante a pandemia. Boa parte dos entrevistados disse demorar ao menos meia hora até adormecer. 78% acordam no meio da noite ou muito cedo pela manhã.

Ao procurar um médico, muita gente acaba saindo com receita de remédios para dormir. Mas Pires garante que "m sono induzido nunca vai ser bom, por melhor que seja a medicação". Além disso, os guias internacionais de tratamento contraindicam o uso de drogas para dormir por mais de três meses, segundo ele.

Em muitos casos, médicos tratam os quadros de ansiedade dos pacientes, e o sono melhora ao longo do tratamento. 

De qualquer forma, o mais indicado é tentar ajustar o horário de dormir com a rotina. É a chamada higiene do sono. O pesquisador recomenda "desacelerar" o ritmo das atividades de uma a duas horas antes de ir para a cama.

Isso inclui afastar-se de dispositivos eletrônicos. A luz e os estímulos podem enganar o cérebro e despertá-lo — a ideia é diminuir a atividade cerebral.

Também deve-se evitar o consumo de bebidas com cafeína à noite, além de evitar alimentos pesados. Os exercícios físicos são fundamentais para a saúde, mas não muito próximos da hora de se deitar.

Se essas mudanças não fizerem efeito, há também a terapia cognitivo-comportamental focada em insônia. O tratamento é conduzido por psicólogos durante algumas semanas, com objetivo em mudar hábitos de forma mais focada.

Pires destaca ainda que existem aplicativos que se dispõem a cumprir um papel semelhante ao da terapia, mas com um custo menor.

"A cada semana se passa uma tarefa diferente para que a pessoa reconheça os problemas do seu sono e vá aos poucos readaptando. O grande benefício é que ela é mais barata."

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