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Melatonina, comumente usada para dormir melhor, pode piorar quadros de inflamação intestinal

Pesquisadores alertam para a crença de que o uso do hormônio não faria mal, o que pode ser contestado com o estudo

Saúde|Ricardo Muniz, da Agência FAPESP

Hormônio ajuda a induzir o sono
Hormônio ajuda a induzir o sono Hormônio ajuda a induzir o sono

Um artigo publicado na revista Microorganisms mostra que a melatonina, a despeito de seu efeito antioxidante e regulador do sono, pode piorar inflamações intestinais, a depender do conjunto de bactérias que vivem no corpo do paciente, especialmente no intestino do hospedeiro — ou seja, da microbiota, antigamente chamada de flora intestinal.

A melatonina é conhecida popularmente como “hormônio do sono”. Sem prescrição médica e de forma não diretamente acompanhada, seu uso para melhorar a qualidade do sono tem se tornado corriqueiro. “O ‘x’ da questão é que todo mundo a considera inócua, que um hormônio como a melatonina não faz nada de mau, só melhora o sono, e o que estamos mostrando é que as pessoas têm de ficar atentas e alertas, porque uma suplementação hormonal pode melhorar o sono, mas pode piorar outra coisa”, diz Cristina Ribeiro de Barros Cardoso, professora de imunologia e neuroimunoendocrinologia da FCFRP-USP (Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).

O laboratório de Cristina Ribeiro trabalha com enfermidades inflamatórias intestinais, entre elas a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. São condições imunomediadas, ou seja, dependentes de uma resposta imunológica descontrolada, que acaba causando destruição no trato gastrointestinal e efeitos clínicos muito fortes, como dores abdominais, diarreias constantes, sangramentos e muita fadiga. O tratamento depende da supressão ou inibição da imunidade. É preciso diminuí-la a fim de reduzir a inflamação excessiva, que provoca danos ao intestino.

Além de corticoides e imunossupressores, há tratamentos com medicamentos imunobiológicos mais efetivos para casos moderados e graves; porém, eles têm custo muito elevado e, por isso mesmo, acesso mais difícil para a população, e são fornecidos apenas em condições específicas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) ou por convênios particulares via ação judicial.

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“O que nosso laboratório tem feito é entender melhor essas doenças e propor novos tratamentos, mais acessíveis”, explica Cristina Ribeiro, que é graduada em odontologia pela Universidade Federal de Uberlândia e doutora em imunologia básica e aplicada pela USP, com estágio pós-doutoral no Forsyth Institute, afiliado à Harvard School for Dental Medicine, nos Estados Unidos.

Além da questão do acesso financeiro, a pesquisadora afirma que muitos pacientes não respondem adequadamente nem mesmo aos tratamentos mais modernos e dispendiosos, sendo necessárias cirurgias para a remoção de partes do intestino. Esses são procedimentos bastante invasivos, com consequências diretas na qualidade de vida dos pacientes. “Então temos buscado, nos últimos anos, novas opções terapêuticas, principalmente com base na modulação ou regulação de respostas imunológicas.”

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Com anos de experiência na pesquisa de hormônios, a melatonina entrou no foco de investigação do grupo de Cristina Ribeiro. “Veja, de forma nenhuma estou falando que a melatonina não tem efeitos benéficos — muito pelo contrário —, e há poucos estudos ou relatos de efeitos colaterais adversos”, explica. A melatonina pode atuar como antioxidante e melhorar diversas condições fisiológicas ou patológicas. “Então começamos esse trabalho imaginando que teríamos um potencial novo tratamento para a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, mas, para nossa surpresa, o que vimos foi exatamente o contrário. E esse alerta precisa ser feito.”

Após a doença intestinal ter sido induzida de forma experimental em camundongos, ao serem tratados com melatonina, ao invés de melhorar, eles pioraram. “Por esse trabalho com animais de laboratório — é importante ressaltar que não foi com pacientes humanos, foi com camundongos —, verificamos que a inflamação intestinal piora, e piora muito.”

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“A partir daí, começamos a tentar entender os porquês da piora. E o que vimos é que, se tirarmos a microbiota do contexto, se fizermos um tratamento de amplo espectro com antibióticos nesses camundongos, eliminando todas essas bactérias, a melatonina passa a ter um efeito positivo na doença.”

Ou seja, o efeito negativo da melatonina depende das bactérias que vivem no intestino e que também estão relacionadas às doenças inflamatórias intestinais. Certas configurações da microbiota fazem com que o tratamento com melatonina aumente os parâmetros inflamatórios e leve o sistema imunológico por um caminho ainda mais desregulado, o que intensifica os danos ao trato gastrointestinal.

“Qual é a mensagem disso tudo? Eu diria: nem tudo o que reluz é ouro. A gente tem de tomar muito cuidado com medicamentos, suplementações hormonais ou hormônios que são administrados com capa de suplemento alimentar. Ou seja, você vai à farmácia, compra um ‘suplemento alimentar’ achando que não é medicamento, que não vai alterar em nada o seu corpo, que só vai fazer bem, porque, afinal de contas, é vendido como suplemento alimentar, quando na verdade não é bem isso”, adverte Cristina Ribeiro. “É um hormônio e, assim como outros hormônios no nosso corpo, existe uma regulação muito fina da interação entre eles e a imunidade.”

Regulamentação

Há pouco tempo, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) atualizou as informações e regras sobre o uso de melatonina como suplemento alimentar, mas, ainda assim, o controle não é o mesmo daquele realizado para medicamentos, que é mais rígido. “É importante avisar isso, porque a gente fala que tem de ficar atenta, mas aí as pessoas talvez pensem: ‘Ah, mas eu vou ali na farmácia e compro livremente, a Anvisa autorizou’. Sim, mas autorizou sob o nome de suplemento alimentar, e aí o questionamento que estamos levantando com esse trabalho agora é: será que é mesmo só um suplemento alimentar? Será que realmente não tem riscos?”

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