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Perigo invisível: pouco divulgada, poluição em SP mata 4.000 ao ano

Falsa impressão de que a qualidade do ar melhorou é parte do problema

Saúde|Ana Luísa Vieira, do R7

Quanto menor a partícula de poluição, maior o estrago para saúde (imagem ilustrativa)
Quanto menor a partícula de poluição, maior o estrago para saúde (imagem ilustrativa) Quanto menor a partícula de poluição, maior o estrago para saúde (imagem ilustrativa)

Não é novidade para ninguém que o ar respirado pela população de São Paulo não é dos melhores — ainda que alguns avanços tenham ocorrido nos últimos anos. O que pouca gente sabe é que, se o governo adotasse os mesmos padrões de qualidade do ar que a França, somente em 2015 teriam sido emitidos pelo menos 480 alertas de poluição no Estado de São Paulo. Os dados são do Instituto Saúde e Sustentabilidade, que trabalha com soluções para combater os efeitos da urbanização na saúde pública*.

Em intervalos de 24 horas, a OMS (Organização Mundial da Saúde) considera aceitáveis os níveis de até 50 microgramas de poluentes por metro cúbico de ar (50 µg/m³). O padrão adotado pela CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), entretanto, tolera índices de até 120 µg/m³— mais que o dobro da recomendação da entidade (veja tabela abaixo). E ainda que a média na região metropolitana tenha ficado abaixo desse número em 2016, 4.000 pessoas continuam morrendo anualmente na capital paulista em decorrência da poluição atmosférica; no Brasil, foram pelo menos 26.241 óbitos em 2012, segundo o último levantamento da OMS.

Se a qualidade do ar não for revisada, a poluição deve causar ainda 250 mil mortes precoces até 2030 no Estado de São Paulo, com um milhão de internações hospitalares e dispêndio público de mais de R$ 1,5 bilhão — segundo estimativa do Instituto Saúde e Sustentabilidade. 

"Viver em uma cidade onde os índices de poluição do ar não são os melhores contribui para a ocorrência de AVCs e ataques cardíacos."

(Nick Watts, médico e consultor da OMS para a mudança do clima)

“É importante lembrar que São Paulo não está sozinha. Algo entre 73% e 87% das cidades ao redor do mundo não seguem as recomendações da OMS. O que as pessoas não entendem é que, entre fatores como sedentarismo, obesidade, alcoolismo, tabagismo e má alimentação, viver em uma cidade onde os índices de poluição do ar não são os melhores também contribui diretamente para os AVCs e ataques cardíacos”, aponta Nick Watts, médico especialista em Políticas Públicas de Saúde pela University College, de Londres, e consultor da OMS para a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre mudança do clima.

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Conscientização a respeito de doenças

Segundo Vital Ribeiro, presidente do Conselho da ONG Hospitais Saudáveis — que luta pela redução dos impactos ambientais resultantes da assistência à saúde —, a pouca consciência a respeito dos problemas de saúde causados pelos poluentes vem de uma falsa impressão de que a qualidade do ar melhorou nos últimos anos.

— Houve um período em que a poluição do ar em São Paulo — nas décadas de 70, 80 — era terrível. Para quem viveu nessa época, hoje em dia, há uma percepção de que ‘o céu está mais claro’, de que melhorou alguma coisa. Mas, na verdade, o que mudou foi a característica da poluição. Diminuiu a poluição industrial, que era a massa preta, diminuiu poeira, diminuiu a frota a diesel, etc. Mas agora nós temos substâncias invisíveis, muito pequenas e extremamente nocivas.

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As substâncias invisíveis de que Ribeiro fala são as chamadas de MP10 e MP2,5, geradas pela fumaça dos automóveis, sistemas de aquecimento e processos de combustão nas indústrias. São fragmentos de sujeira com tamanho inferior ou igual a 10 e 2,5 micrômetros de diâmetro — medida quase 20 vezes menor que a de um grão de areia. Nelson Gouveia, epidemiologista e médico do departamento de Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), ressalta que quanto menor a partícula, maior o estrago para saúde da população.

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— Essas partículas minúsculas já entram direto na corrente sanguínea. Para o organismo como um todo, isso vai ter várias consequências. As principais, na verdade, são doenças da parte circulatória, do coração. Respirando continuamente essa poluição, você vai ter reações químicas acontecendo no seu corpo. Isso propicia, por exemplo, a formação de aterosclerose — que é o acúmulo de placas nas paredes das artérias e dentro delas —, que leva ao infarto e às doenças cardíacas de modo geral. Fora o próprio câncer, de pulmão e de outros órgãos.

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As partículas maiores, por sua vez, ficam presas no sistema respiratório e provocam efeitos irritativos nos alvéolos pulmonares. “O indivíduo pode tanto sofrer efeitos de efeito local, como uma dificuldade respiratória, como até a instalação de uma infecção. Se houver uma bactéria, ela pode aproveitar esse momento de vulnerabilidade do sistema para se instalar e propiciar, por exemplo uma pneumonia”, diz o especialista.

"O impacto do ponto de vista da saúde pública é grande%2C inclusive do ponto de vista econômico. Cada internação e morte relacionadas à poluição geram um custo para o sistema."

(Nelson Gouveia, médico do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP)

Mais que os materiais particulados (MP10 E MP2,5), a poluição em todos os casos engloba ainda substâncias como ozônio e monóxido de carbono — que também geram impacto na saúde.

— Se você mantiver os índices de poluição que existem agora, você vai ter um excesso de adoecimentos e mortes que poderiam ser evitados se essa poluição fosse diminuída. Então, o impacto do ponto de vista da saúde pública é grande, inclusive do ponto de vista econômico. Cada internação e morte relacionadas a essa questão geram um custo para o sistema.

Falta de transparência

Para Ademilson Zamboni, doutor em Engenharia Ambiental e coordenador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, de São Paulo, as pessoas procurariam saber mais a respeito das doenças decorrentes da poluição se fossem melhor informadas pelo governo paulista a respeito da baixa qualidade do ar.

— A questão é que hoje as informações são fornecidas com base em dados técnicos, métricas e médias aritméticas, mas dificilmente a sociedade compreende o que esses elementos significam. Fica difícil relacionar esses valores a efeitos práticos no dia a dia e tomada de decisões. Falta uma vontade política de traduzir esses números. Precisamos acordar uma lógica de informação que as pessoas compreendam.

"Quando a poluição atinge níveis críticos%2C informamos e divulgamos qual risco a população corre diante daquela concentração de poluentes."

(Lúcia Guardani, química e gerente da divisão de qualidade de ar na CETESB)

Hoje, o principal meio de consultar as informações é pelo site da CETESB, que atualiza os números a cada hora, conforme explica Maria Lúcia Guardani, química e gerente da divisão de qualidade de ar na companhia.

— Na região metropolitana de São Paulo, também mostramos a qualidade do ar e a temperatura nos relógios de rua. Há uma tarja que indica se a qualidade do ar está boa, moderada, ruim, muito ruim ou péssima. Quando a poluição atinge níveis críticos, informamos por meio da imprensa e dos órgãos de comunicação e divulgamos qual risco a população corre diante daquela concentração de poluentes.

Em Paris, quando os poluentes na atmosfera atingem níveis preocupantes, a prefeitura anuncia medidas como a proibição da circulação de veículos no centro da cidade, a gratuidade do transporte público e feriado escolar. “Isso acontece porque, na França e em outros países, o poder local, as prefeituras, têm muita autonomia para tomar esse tipo de decisão. Aqui no Brasil, os órgãos que fazem a medição da qualidade do ar — CETESB e outras — não têm poder de implementar medidas como a restrição para a circulação de carros, não está no âmbito deles. Eles podem gerenciar, provar que a qualidade do ar não está favorável para a saúde da população, mas não têm a atribuição de tomar uma medida nesse sentido”, pondera Zamboni.

Revisão dos padrões de qualidade

Vale lembrar que, desde 2013, a CETESB estabeleceu índices de qualidade do ar mais criteriosos que aqueles recomendados no restante do País pelo CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente). O objetivo seria atingir, em três etapas, o padrão recomendado pela OMS. Os prazos para o alcance dessas etapas, entretanto, não chegaram a ser deliberados, conforme explica Maria Lúcia Guardani. 

— O estabelecimento dessas metas depende de estudos — são eles é que vão determinar a viabilidade dos prazos. Hoje, temos que ajustar os pátios industriais para que todos estejam dentro dos padrões da M1 (como é chamada a primeira etapa das três metas estabelecidas pela CETESB). Se, por exemplo, uma cidade ultrapassa constantemente a M1, não vai haver licenças para o funcionamento das fábricas ou mesmo a instalação de novas unidades. Além disso, os municípios que já atingiram a M2 ou a M3 são fiscalizados para que não regridam em nenhuma etapa.

"Sem um prazo estabelecido%2C a indústria não começa a investir em tecnologias que lancem menos poluentes e contribuam para a qualidade do ar."

(Vital Ribeiro, presidente do Conselho da ONG Hospitais Saudáveis)

Na opinião de Vital Ribeiro, entretanto, o não estabelecimento dos prazos dificulta qualquer comprometimento da indústria: “O sentido de ser gradual é que você sinaliza, principalmente para a indústria, e ela passa a investir em tecnologias que lancem menos poluentes e contribuam para a qualidade do ar em função de um prazo. Se esse prazo não é estabelecido, a indústria — cerâmica, de cimento, siderúrgica, etc — nunca começa. Nesse meio tempo, a OMS já estuda revisar novamente os padrões”, diz o especialista.

Ademilson Zamboni, que também já foi gerente de Qualidade do Ar e Gestão Costeira e Marinha do Ministério do Meio Ambiente, engrossa o coro. Para ele, existe um problema de entendimento quanto ao que significa o padrão de qualidade do ar.

— O padrão de qualidade do ar é uma meta. E uma meta é um lugar onde você deseja estar em algum momento. Só que não basta você botar isso em um papel sem colocar nada em prática. E a prática vai desde o licenciamento de uma empresa até a inspeção veicular, passando pelo monitoramento e a transmissão de informações claras para a população. Até porque, com conhecimento da causa, as pessoas poderiam se posicionar melhor e cobrar as medidas cabíveis de quem tem a obrigação de tomá-las.

O Portal R7 entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo para que a pasta comentasse o que tem feito para conscientizar a população a respeito da poluição, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. 

*com base em análises do relatório Qualidade do Ar no Estado de São Paulo, publicado pela CETESB — Companhia Ambiental do Estado de São Paulo.

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