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Nova descoberta sobre a energia escura pode mudar como entendemos o Universo

Análise de milhões de galáxias sugere que matéria misteriosa pode ser variável e mutável, ao contrário da compreensão atual

Tecnologia e Ciência|Dennis Overbye, do The New York Times

Ao longo de toda história da cosmologia até a atualidade, a energia escura foi considerada uma força constante no universo (Reprodução/NASA, ESA, M. J. Jee and H. Ford et al.)

Na quinta-feira passada, quatro de abril, astrônomos envolvidos com o que descrevem ser o maior e mais preciso levantamento da história do universo até agora anunciaram que podem ter descoberto uma grande falha na compreensão da energia escura, a força misteriosa que está acelerando a expansão do cosmos.

Ao longo de toda história da cosmologia até a atualidade, a energia escura foi considerada uma força constante no universo. Novos dados, entretanto, sugerem que essa força é mutável, tornando-se mais forte ou mais fraca ao longo do tempo, revertendo-se ou mesmo tendendo a desaparecer.

“Como diria o presidente Joe Biden, é um BFD” [gíria que significa ‘big fucking deal’, algo como ‘sem importância’]. Mas pode ser a primeira pista real que obtivemos sobre a natureza da energia escura em 25 anos”, disse Adam Riess, astrônomo da Universidade Johns Hopkins e do Instituto de Ciências do Telescópio Espacial, em Baltimore. Ele dividiu o Prêmio Nobel de Física de 2011 com outros dois astrônomos pela descoberta da energia escura, mas não participou desse novo estudo.

Essa conclusão, se confirmada, poderá libertar os astrônomos – e todos nós – de uma previsão sombria de longa data sobre qual será o destino final do universo. Se o trabalho da energia escura fosse constante ao longo do tempo, acabaria por afastar todas as estrelas e galáxias. Ficariam tão distantes umas das outras que até os átomos seriam despedaçados, privando o universo de vida, luz, energia e pensamento, e condenando-o a uma eternidade de tristeza cósmica. Mas os novos estudos parecem afirmar que, em vez disso, a energia escura é capaz de mudar de rumo e apontar o cosmos para um futuro melhor.

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As palavras-chave são “deveria” e “poderia”. A nova descoberta tem cerca de uma chance em 400 de ser um acaso estatístico, um grau de incerteza chamado três sigma, que está muito aquém do padrão ouro para uma descoberta, chamado cinco sigma: uma chance em 1,7 milhão. Na história da física, até mesmo os eventos cinco sigma evaporaram quando surgiram mais dados ou melhores interpretações dos dados.

Essa notícia surge no primeiro relatório que apresenta o avanço das pesquisas, publicado em uma série de artigos, por um grande time de colaboradores internacionais chamado Dark Energy Spectroscopic Instrument (Instrumento Espectroscópico de Energia Escura), ou Desi. O grupo acaba de iniciar um esforço de cinco anos para criar um mapa 3D das posições e velocidades de 40 milhões de galáxias ao longo de 11 bilhões de anos de tempo cósmico. O mapa inicial, baseado no primeiro ano de observações, inclui apenas seis milhões de galáxias. Os resultados foram divulgados em uma reunião da Sociedade Americana de Física, em Sacramento, na Califórnia, e na conferência Rencontres de Moriond, na Itália.

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Michael Levi, diretor do Desi, declarou em um comunicado emitido pelo Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, que administra o projeto: “Até aqui estamos vendo que há uma concordância básica com nosso melhor modelo do universo, mas também estamos vendo algumas diferenças potencialmente interessantes que podem indicar que a energia escura evolui com o tempo.”

A equipe do Desi não esperava obter resultados tão depressa, afirmou em uma entrevista Nathalie Palanque-Delabrouille, astrofísica do laboratório Lawrence Berkeley e porta-voz do projeto. Os resultados do primeiro ano foram concebidos para simplesmente confirmar o que já era conhecido. “Pensávamos que só validaríamos o modelo padrão.”

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Mas o desconhecido pulou sobre eles.

Quando os cientistas combinaram o mapa com outros dados cosmológicos, ficaram surpresos ao descobrir que ele não estava de acordo com o modelo padrão do universo, que, de resto, é confiável e pressupõe que a energia escura é constante e imutável. Uma energia escura variável se ajustava melhor aos dados. “É, certamente, mais do que uma curiosidade. Eu diria que é uma dica. Sim, ainda não é uma prova, mas causa interesse”, disse Palanque-Delabrouille.

E os cosmólogos estão levando essa dica muito a sério.

Wendy Freedman, astrofísica da Universidade de Chicago que liderou os esforços para medir a expansão do universo, elogiou a nova pesquisa: “Ela trouxe dados excelentes. Os resultados abrem a possibilidade de uma nova janela para a compreensão da energia escura, o componente dominante do universo, que continua sendo o maior mistério da cosmologia. É muito empolgante.”

Michael Turner, professor emérito da Universidade de Chicago que cunhou o termo “energia escura”, escreveu em um e-mail: “Embora a combinação do conjuntos de dados seja complicada e esses sejam os primeiros resultados do Desi, a possível prova de que a energia escura não é constante é a melhor notícia que ouvi desde que a aceleração cósmica foi firmemente estabelecida há mais de 20 anos.”

A energia escura entrou na conversa em 1998, quando dois grupos concorrentes de astrônomos, entre eles Riess, descobriram que a expansão do universo estava se acelerando em vez de desacelerar, como a maioria dos astrônomos esperava. As observações iniciais sugeriam que essa energia escura estava agindo exatamente como o famoso fator de confusão – denotado pela letra grega Lambda – que Albert Einstein havia inserido em suas equações para explicar por que o universo não entrava em colapso devido à própria gravidade. Posteriormente, ele chamou isso de seu pior erro.

Mas, talvez, ele tenha falado cedo demais. Conforme formulado por Einstein, Lambda era uma propriedade do próprio espaço: quanto mais espaço havia, à medida que o universo se expandia, mais energia escura existia, pressionando cada vez mais e, finalmente, levando a um futuro descontrolado e sem luz.

A energia escura tomou lugar no modelo padrão do universo conhecida como LCDM (ou Lambda-CDM, sendo CDM a sigla para Cold Dark Matter: matéria escura fria), composto de 70% de energia escura (Lambda), 25% de matéria escura fria (uma variedade de partículas exóticas de movimento lento) e 5% de matéria atômica. Até o momento, esse modelo foi prejudicado, mas não quebrado, pelo novo Telescópio Espacial James Webb. Mas e se a energia escura não fosse constante como o modelo cosmológico supunha?

O que está em questão é um parâmetro chamado w, que é uma medida da densidade, ou veemência, da energia escura. Na versão einsteiniana da energia escura, esse número permanece constante, com um valor de -1, durante toda a vida do universo. Os cosmólogos têm usado esse valor em seus modelos nos últimos 25 anos.

Mas essa versão da energia escura é apenas a mais simples. “Com o Desi, conseguimos agora uma precisão que nos permite ir além desse modelo simplista para ver se a densidade da energia escura é constante ao longo do tempo ou se apresenta algumas flutuações e uma evolução com o tempo”, disse Palanque-Delabrouille.

O projeto Desi, que está em elaboração há 14 anos, foi concebido para testar a constância da energia escura, medindo a rapidez com que o universo se expandiu em vários momentos do passado. Para fazer isso, cientistas equiparam um telescópio no Observatório Nacional de Kitt Peak, no Arizona, com cinco mil detectores de fibra óptica. Assim, podem fazer espectroscopia em muitas galáxias simultaneamente e descobrir com que velocidade estão se afastando da Terra.

Como medida de distância, os pesquisadores usaram saliências na distribuição cósmica das galáxias, conhecidas como oscilações acústicas bariônicas. Essas saliências foram impressas no cosmos por ondas sonoras no plasma quente que encheu o universo quando ele tinha apenas 380 mil anos de existência. Naquela época, as saliências tinham meio milhão de anos-luz de diâmetro. Agora, 13.500 bilhões de anos depois, o universo se expandiu mil vezes, e as saliências – que têm agora 500 milhões de anos-luz de diâmetro – servem como convenientes medidas cósmicas.

Os cientistas do Desi dividiram os últimos 11 bilhões de anos de história cósmica em sete períodos de tempo. (O universo tem 13.800 bilhões de anos.) Para cada um deles, mediram o tamanho dessas saliências e a rapidez com que as galáxias contidas nelas se afastavam da Terra e umas das outras.

Quando juntaram tudo, descobriram que a suposição mais comum – da energia escura constante – não funcionava para descrever a expansão do universo. As galáxias, nas três épocas mais recentes, pareciam mais próximas do que deveriam, sugerindo que a energia escura poderia estar evoluindo com o tempo.

“Vemos, de fato, indicações de que as propriedades da energia escura não corresponderiam exatamente a uma simples constante cosmológica, mas, em vez disso, poderiam ter alguns desvios. É a primeira vez que temos um dado como esse. Eu não chamaria isso de prova ainda. É muito, muito fraco”, enfatizou Palanque-Delabrouille.

O tempo e a obtenção de mais dados nos dirão qual é o destino da energia escura e do modelo do universo que vem sendo testado nos diferentes embates entre cosmólogos.

“O LCDM está sendo avaliado em testes de precisão vindos de muitas direções. E está indo bem. Mas, quando tudo é considerado em conjunto, começa a parecer que algo não está certo ou que está faltando alguma coisa. As coisas não se encaixam perfeitamente. E o Desi é a indicação mais recente”, disse Turner, da Universidade de Chicago.

Riess, da Johns Hopkins, que analisou antecipadamente os resultados do Desi, observou que a “dica”, se validada, poderia puxar o tapete de outras medições cosmológicas, como a idade ou o tamanho do universo. Ele escreveu em um e-mail: “Esse resultado é muito interessante e devemos levá-lo a sério. Caso contrário, por que razão faríamos esses experimentos?”

c. 2024 The New York Times Company

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