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O que um RPG online pode ensinar sobre bitcoin e economia digital?

A mão invisível do mercado de EVE Online é a própria desenvolvedora

Tecnologia e Ciência|Victor Fermino, do R7

Economia em videogames é algo que pode muito bem ser examinada a fundo, especialmente quando se trata de algo dominado por trocas entre múltiplos jogadores: World of Warcraft e Diablo III possuem um mercado tão competitivo. Em Diablo III, principalmente, a casa de leilões fazia com que cada item tivesse valores para diferentes jogadores, e o mercado de baboseiras estéticas se regulava de forma autônoma. Isso é comum em outros games atuais com apetrechos visuais, como Team Fortress 2, onde chapéus e enfeites para armas justificam a existência do jogo financeiramente.

Felipe Nunes (direita) e seu fiel piloto, Vinícius
Felipe Nunes (direita) e seu fiel piloto, Vinícius Felipe Nunes (direita) e seu fiel piloto, Vinícius

EVE Online é um desses exemplos. O jogo online foi desenvolvido pela islandesa CCP Games e lançado em 2003 e não é um simulador de naves nem um jogo de tiro, mas sim um MMORPG.

Entrevistamos Felipe Nunes, CEO da Supernova Society, uma corporação brasileira de EVE Online. Em EVE, há um sistema similar a guildas, mas elas se chamam corporações, e realmente funcionam como empresas, com presidentes eleitos pelo corpo de acionistas, lucros, projeções e até um rudimentar sistema de recursos humanos, onde você tem acesso aos dados de tudo que seu funcionário fizer enquanto for afiliado.

Nunes diz que EVE não é, entretanto, tão fácil de pegar e jogar como muitos outros games, e que para ter acesso à parte “divertida”, é preciso investir tempo e dedicação.

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Muitos novatos entram achando que vão conseguir fazer tudo sozinhos: ‘eu vou ser um herói igual em Overwatch e League of Legends’, mas o EVE faz você se sentir pequeno”, diz Nunes. “Em EVE, você praticamente não existe. Se você quiser ser o herói, você tem que ser o herói. E nós temos relatos e momentos de pessoas que foram heróis — gente que é lembrada a ponto de ter monumentos dentro do jogo, [ter] velórios dentro do jogo.”

A economia de EVE não é necessariamente regulada pelos jogadores. “O problema que temos no EVE é que é muito fácil deixar muita coisa acumular nas mãos de poucos”, explica. “EVE tem pouquíssima interferência dos desenvolvedores na economia, mas às vezes [a companhia] muda algumas coisas para deixar o jogo mais dinâmico, como um banco central”.

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A CCP Games faz diversas alterações nos valores dos itens e nos métodos de mineração — assim como na vida real, conseguir itens por meios naturais e depois vendê-los é uma atividade comum em EVE. Tem gente que se dedica só a minerar e vender. As alterações sutis possuem consequências poderosas: uma simples mudança na fórmula de construção de uma nave pode tornar um item caríssimo em um lixo que todo mundo tem, graças ao velho conceito de oferta e demanda.

A Supernova Society em si não está mal das pernas. Nunes diz que, quando tem um novato na corporação, o que importa é ver serviço. Ele diz que cede quantas naves forem necessárias para o novato trabalhar, seja minerando, lutando ou transportando materiais.

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“Tem um piloto bem novo que está virando comandante de frota da nossa aliança”, afirma ele. “Ele chegou lá com força de vontade. E o legal é que ele não tem domínio da língua inglesa, mas muitos de nossos membros são gringos e ele está melhorando muito. Está usando isso para melhorar pessoalmente. ”

"Se você tem problemas para gerir seu tempo na vida real%2C você vai ter sérias dificuldades para jogar EVE"

(Felipe Nunes, jogador de EVE Online)

“Se você tem problemas para gerir seu tempo na vida real, você vai ter sérias dificuldades para jogar EVE. Às vezes você pode logar por só 10 minutos por dia, ou uma hora por semana, e conseguir fazer muita coisa”, conta Felipe Nunes, jogador.

Outro aspecto muito presente no mundo dos jogadores de EVE é a arte do combate: declarar guerra a qualquer aliança é extremamente barato e, no caso da Supernova Society, uma corporação grande, várias batalhas estão sendo travadas paralelamente contra várias facções.

ISK e Bitcoin

A economia virtual de EVE pode ser comparada, também, a algo sobre o qual ouvimos falar com muita frequência: o mercado de Bitcoins (ou melhor, qualquer tipo de criptomoeda).

Bernardo Faria, vice-presidente da FOXBIT, empresa brasileira de câmbio de Bitcoins, diz que, se extrapolarmos alguns conceitos, o mundo real em si é um jogo, tanto quanto EVE.

O dinheiro de EVE usa princípios parecidos com Bitcoin
O dinheiro de EVE usa princípios parecidos com Bitcoin O dinheiro de EVE usa princípios parecidos com Bitcoin

“O Brasil é um jogo, e nossa moeda é o Real, assim como EVE tem o ISK. É a mesma coisa com dólar, com peso, com iene. O que nos interessa nas moedas virtuais é que o dinheiro é uma das últimas barreiras entre os países: pegar dinheiro brasileiro e levar para a Venezuela, por exemplo, é difícil porque os bancos complicam tudo”, diz ele. “Mas quando você transforma dinheiro em dados, tudo fica mais tranquilo; mais barato.”

Para Bernardo, dinheiro é um meio de comunicação: quando você paga alguém por uma palestra, por exemplo, você está sinalizando o valor que atribui a ela, e faz essa troca usando dinheiro, ou informação. “Para essa nova geração, as coisas precisam ser simples: ficar indo ao banco, no horário deles, passando por porta giratória e esperando atendimento já é algo obsoleto. ”

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Rodrigo Batista, sócio da Mercado Bitcoin, diz que a estrutura da popular criptomoeda é similar à de EVE Online, mas que há certas diferenças-chave: “A economia em EVE é centralizada, mesmo sendo virtual e formada por dados — com Bitcoin, nunca há um órgão regulando nada. A moeda é um meio de comunicação assimétrico e descentralizado que segue o modelo de dados ponto-a-ponto. Isso quer dizer que o valor existe entre quem paga e entre quem recebe.”

Para Rodrigo, não faz sentido que uma moeda virtual seja centralizada como dinheiro no mundo real. Ele também explica que um dos maiores problemas econômicos, que é a especulação de bens, só acontece quando o público ativo não têm acesso a informações essenciais. No caso das Bitcoins, o público sempre pode se informar: a natureza aberta da moeda desencoraja certas práticas predatórias baseadas em ignorância.

Uma criptomoeda regulamentada não faz sentido, segundo Rodrigo, mas é importante que não exista um monopólio: "Se uma pessoa só concentra a moeda, ela acaba desabando", diz ele. "Quem tiver poder para fazer isso vai fazer isso".

Alianças e corporações muito poderosas já existiram em EVE Online, mas segundo Felipe Nunes, a CCP Games faz um ótimo trabalho ao responder a esses "monópolios", e mesmo quando isso não acontece, os próprios jogadores já conseguem se unir para redistribuir os bens alheios.

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