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Número de professores que atuam fora da sala nas escolas de SP aumenta 24% em quatro anos 

Para especialistas, condições desfavoráveis de trabalho levam ao adoecimento dos docentes 

Educação|Mariana Queen Nwabasili, do R7

Após dificuldades, Rosimari diz estar satisfeita em novo posto conquistado neste ano sob nova direção da escola
Após dificuldades, Rosimari diz estar satisfeita em novo posto conquistado neste ano sob nova direção da escola Após dificuldades, Rosimari diz estar satisfeita em novo posto conquistado neste ano sob nova direção da escola

Há 12 anos, a professora Rosimari Tomura, de 48 anos, não entra em uma sala de aula. Ela precisou ser readaptada para realizar atividades que exigissem pouco contato com estudantes, após passar por uma severa depressão.

Nos últimos anos, continuou a trabalhar na Escola Estadual Zenaide Pereto Ribeiro Rocha, na cidade de Mococa, interior de São Paulo. Porém, passou a atuar nos postos de coordenadora da biblioteca, auxiliar administrativa e até mesmo como responsável pelo almoxarifado.

— Fiquei nessa função jogada, sem fazer nada. Por meses, meu trabalho foi entregar cartolina para os professores. Considero que foi praticamente uma punição devido à minha doença.

Dados da subseção da Apoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo) no Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostram que entre os anos de 2011 e 2014 o número de docentes readaptados nas escolas públicas do Estado aumentou 24%, passando de 11.872 para 14.772 professores.

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O levantamento aponta que, no ano passado, 6% dos cerca de 250.000 docentes das escolas públicas paulistas estavam readaptados. O R7 pediu os números oficiais de professores readaptados à Secretaria da Educação do Estado, mas nenhum dado foi fornecido.

Depressão

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Rosimari Tomura afirma que sempre adorou lecionar. Mas o prazer pelo ofício se transformou, quando engravidou de sua primeira filha, Maria Júlia, em 1998. 

— Comecei a ter sintomas de depressão e fobia social. Eu tinha muito medo de tudo e chorava muito [...] Tive a minha filha em 1999 e voltei a dar aulas. Quando cheguei na escola, me deparei com uma comunidade extremamente carente, agressiva e perigosa. No ano de 2001, um dos meus alunos da sétima série assassinou um colega de classe, na rua da escola. Fiquei muito assustada e meu quadro piorou.

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A professora ficou afastada das salas durante os anos 2000 e 2001, lutando contra a depressão com o auxílio de remédios e de consultas ao psiquiatra e ao psicólogo. Só em 2002, seguindo orientações da terapeuta, resolveu voltar ao trabalho, mas por meio da readaptação, condição que garante a sua atuação na escola até hoje.

Os dados da Apoesp e o contexto de trabalho dos professores foram tema da pesquisa de mestrado de Sandra Noveletto Antunes na Universidade Metodista. Seu estudo conclui que a taxa de crescimento de professores readaptados é de aproximadamente 0,89% ao mês. “Esse número representa, em média que 3,3, professores adoecem por dia”, escreve.

Em entrevista, a pesquisadora afirma que a readaptação se dá após longo período de adoecimento, com acompanhamento médico.

— O número de adoecimento é muito maior, mas esses dados não são contabilizados, pois são mascarados pelos afastamentos temporários.

Sandra diz que a mudança desse "gravíssimo fenômeno” depende da melhoria da própria estrutura do sistema social e escolar vigente.

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Maria de Lourdes Pezzuol, ex-readaptada que também estudou o assunto no mestrado e escreveu artigos a respeito no Observatório da Educação, acredita que o aumento de professores readaptados tem relação com as condições do trabalho docente.

— Em muitas escolas, há um ambiente insalubre para dar aulas. Muitas salas estão superlotadas e, muitas vezes, sem ventilação. São salas readaptadas, mas sem planejamento. Dentro dessas condições, a tendência é ter mais professores readaptados do que na sala de aula a longo prazo.

Esquecidos

A pesquisadora voltou a dar aulas de educação física recentemente, após ter ficado sete anos readaptada devido a um desgaste nas cordas vocais que se desenvolveu por conta das aulas.

Ela afirma ter sido esquecida pelo Estado na condição de readapta e que só conseguiu voltar a dar aulas após fazer pedido por meio de um mandado de segurança.

— A Secretaria de Educação deveria ter uma outra abordagem sobre a situação, porque quem a provoca é o sistema e não o professor, que não quer ficar doente [...] Todas as Secretarias Estaduais têm um CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes], com uma equipe que cuida da qualidade de vida no trabalho, menos a educação, área em que tudo é mais jogado. Só interessa o aluno estar dentro da sala de aula, independentemente do bem-estar do professor.

Algo parecido com o “esquecimento” da readaptação de Maria de Lourdes ocorreu com a professora Ana Maria Ribeiro da Silva, 55 anos. Em 2005, ela quebrou o tornozelo ao cair, durante uma feira cultural na escola estadual onde lecionava, na Baixada Santista. O piso era liso, revestido com resina e, consequentemente, escorregadio.

O machucado exigiu duas cirurgias no tornozelo. Porém, a lesão se desenvolveu em uma artrose por conta do trabalho em pé nas salas de aula e do sobe e desce de escadas na escola.

O problema de saúde fez com que a docente entrasse com um pedido de readaptação, que foi concedido em 2013. Ela passou a atuar como responsável pela biblioteca de uma escola estadual em Cubatão.

Hoje, afirma que a perícia pela qual deveria ter passado após dois anos da readaptação nunca foi anunciada.

— A nova perícia deveria ter acontecido entre dezembro e fevereiro. Estou trabalhando sem saber se haverá continuidade ou cessação da readaptação. Isso ocasiona uma pressão psicológica no profissional e é um desrespeito por parte do órgão responsável.

Secretaria de Educação

Questionada sobre as perícias “esquecidas”, sobre como é estabelecida a área de atuação dos professores readaptados, sobre os principais motivos da solicitação de readaptação entre os docentes e sobre a existência de mecanismos de prevenção e de acompanhamento do adoecimento dos professores, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo diz que “os docentes readaptados na rede estadual desfrutam de atendimento diferenciado”.

Segundo o órgão, também é concedido aos readaptados “flexibilidade para o acompanhamento e tratamento de saúde, além da transferência da sede de exercício para melhorar a qualidade de vida e vida funcional. Estes docentes podem, entre outras funções, atuar nas Salas de Leitura da rede, espaço de extrema importância para a ampliação do repertório intelectual e cultural dos estudantes”.

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