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Adolescente que imobilizou suspeito em Franca agiu dentro da lei

Para especialistas, ineficácia do Estado e descrédito nas instituições gera reação da população

São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7

Adolescente deu uma "gravata" em suspeito de roubar celular
Adolescente deu uma "gravata" em suspeito de roubar celular Adolescente deu uma "gravata" em suspeito de roubar celular

A ação do adolescente que imobilizou um suspeito de roubo em Franca, no interior de São Paulo, embora arriscada, em princípio, pode ser considerada dentro da lei. Quem explica é o jurista e professor Luiz Flávio Gomes. Em entrevista ao R7, ele enfatizou que, neste caso concreto, é preciso verificar se a força empregada pelo garoto foi apenas para a contenção do assaltante.

Depois de roubar uma mulher que carregava um bebê, o ladrão foi perseguido e imobilizado pelo adolescente. O homem, que levou uma "gravata", teve parada cardiorrespiratória. Ele chegou a ser encaminhado para o hospital, onde morreu.

De acordo com o professor, juridicamente, uma pessoa pode defender a si própria ou a um terceiro que está sendo atacado. Ele acrescenta que qualquer cidadão também pode dar voz de prisão ao flagrar a prática de um crime.

— Qualquer pessoa do povo pode prender quem está cometendo o crime. Portanto, o menor, tanto podia agir em legítima defesa da mulher como podia prender em flagrante. Em princípio, ele agiu dentro da lei. É preciso examinar bem de que forma ele agiu. Se ele abusou ou não abusou. Uma coisa é prender e outra coisa é massacrar. Este limite é que tem que ser analisado no caso concreto.

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Um exame feito pelo Instituto Médico Legal irá determinar se a morte do assaltante tem relação com o golpe dado pelo adolescente. Caso seja comprovada, ele poderá responder por ato infracional análogo ao crime de lesão corporal seguida de morte, segundo a polícia.

Na hipótese de não se constatar a ligação, não há motivos para responsabilizar o garoto, conforme explica o jurista.

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— Que relação existe entre o ataque do menor e o infarto dele? Em princípio, nenhuma. O menor certamente não conhecia esse sujeito. Não era previsível que ele fosse ter um infarto. Portanto, por esta morte, o menor não responderia.

Descrédito da Justiça

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Se for comprovado que não houve excesso por parte do jovem que imobilizou o assaltante, o caso de Franca não pode ser, por exemplo, comparado ao episódio que aconteceu recentemente no Rio de Janeiro, onde um adolescente de 15 anos, suspeito de roubo, foi despido, espancado e preso pelo pescoço com uma trava de bicicleta em um poste.

Na avaliação do professor Luiz Flávio Gomes, a "ineficácia do Estado" faz com que alguns recorram à "justiça com as próprias mãos".

— Os justiçamentos no Brasil estão ficando cada vez mais frequentes. Isso decorre do desespero da população. Ela não confia mais nas instituições jurídicas nem nas políticas. População desesperada parte para a justiça com as próprias mãos.

O jurista destaca o caráter ilícito desse tipo de conduta.

— Essas ações incrementam o caos, porque aí vai virar a guerra de todos contra todos. A lei da selva é a lei do mais forte.

Violência individualizada

A coordenadora do Departamento de Psicologia Social da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Maria da Graça Gonçalves, destaca a falta de espaços onde "as reais necessidades, demandas de todos possam ser pensadas e vistas por todo mundo". Na análise dela, muitas vezes, o problema da violência acaba sendo individualizado.

— Se a gente for ver, há violências cotidianas que estão banalizadas, naturalizadas como a forma como as pessoas são tratadas, às vezes, nos lugares públicos, a falta de condições que elas têm em uma série de aspectos da vida delas. Em geral, as pessoas não se abalam com isso. E aí você pontua em situações críticas, trágicas e dá um colorido a isso que, no meu modo de ver, boa parte disso acontece porque se individualiza o problema. "Esse indivíduo ou esses indivíduos violentos". Claro, temos indivíduos que cometem atos de violência, mas a gente acaba pensando só no indivíduo sem perceber todo um outro contexto que favorece o aparecimento dele, o fortalecimento dele.

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Na avaliação de Maria da Graça, isso abre espaço para soluções também individuais.

— Paralelamente, há um outro problema, que é o descrédito nas instituições, que têm que ser criticadas — a polícia, a Justiça etc —, mas que devem ser, ao mesmo tempo, reconhecidas como quem de direito deve tomar as providências. Estamos a um nível de crítica que é a negação da importância das instituições, o que abre espaço para o "salva-se quem puder".

A psicóloga acrescenta que este comportamento "é um retrocesso".

— Acho que é um conjunto de coisas que vai criando esse caos. A violência não é uma coisa genérica, por um lado. Ela tem situações muito específicas. Ao mesmo tempo, ela tem características gerais, de formas como a gente tolera certas coisas que são indignas para a vida das pessoas e acha isso natural. Tudo isso forma um caldo de violência em que você começa a ver esse tipo de coisa, essa certa banalização, esse nível extremo de agressividade em situações em que não precisaria.

Para Maria da Graça, é preciso "trabalhar os espaços de sociabilidade".

— Que tipo de espaços estão sendo produzidos, que possibilidade de convivência real as pessoas estão tendo [...] Acho que a desigualdade na cidade é algo sério e a gente faz de conta que ela não é um fator que opõe as pessoas, que aumenta o nível de desconfiança.

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