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Leis garantem proteção a quem testemunha violência doméstica

Escuta protegida e programa de proteção são algumas das garantias oferecidas a quem presencia agressões contra mulheres

São Paulo|Fabíola Perez, do R7

Vídeo mostra homem que presencia agressão de Ivis à mulher sem reagir
Vídeo mostra homem que presencia agressão de Ivis à mulher sem reagir Vídeo mostra homem que presencia agressão de Ivis à mulher sem reagir

As cenas de agressão física contra Pamella Holanda, ex-companheira do DJ Ivis, que vieram a público na noite na noite do domingo (11) geraram revolta em todo o país. Mais do que isso, suscitaram nas redes sociais uma campanha com o lema “em briga de marido e mulher, a gente salva a mulher” em alusão ao pensamento que por muito tempo se perpetuou de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Presenciada por um amigo, a violência do DJ contra Pamella jogou luz na responsabilidade das testemunhas no acolhimento das vítimas, sejam elas pessoas conhecidas das partes envolvidas ou não. Essas ações podem evitar agressões físicas e até mesmo feminicídios.

Em muitos casos ameaças, represálias e medo impedem quem testemunhou uma ação violenta a denunciar ou depor. Mas, segundo especialistas, existem mecanismos de proteção previstos na lei Maria da Penha e em outras legislações que ajudam a transpor essa barreira.

De acordo com a lei, no artigo que se refere ao atendimento pela autoridade policial (tanto para os questionamentos em relação à vítima quanto para as testemunhas), a abordagem deve ser realizada em locais adequados à idade da mulher em situação de violência ou da testemunha, ao tipo e à gravidade do ato sofrido. A lei Maria da Penha estabelece que tanto a vítima de violência quanto a testemunha devem ser atendidas em locais adequados à sua idade, ao tipo e à gravidade do ato sofrido.

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A abordagem também será intermediada por profissionais especializados no assunto. Em situações de extrema gravidade, as autoridades policiais e judiciais poderão pedir a inclusão das testemunhas no programa de proteção específico.

O amparo à vítima

A vice-presidente da Comissão da Comissão Estadual da Mulher Advogada (OAB-SP), Myrian Ravanelli, explica que existem canais específicos da polícia para relatar um caso de violência doméstica.

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“Se for uma emergência, a recomendação é ligar para o 190. Nesses casos a polícia pode fazer o atendimento imediato”, diz. A central de atendimento do 180 é mais apropriada quando a vítima não tem forças ou coragem para denunciar.

Nos casos em que a testemunha presencia o flagrante, a advogada ressalta que é preciso ter cuidado, já que o agressor pode estar com armas de fogo ou brancas, como paus, pedras e facas. “A pessoa não deve se colocar em risco. Contudo, havendo a possibilidade de auxílio é preciso agir”, orienta.

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Para além da esfera policial, Myrian afirma que o acolhimento da vítima é fundamental para evitar o sentimento de culpa. “É recorrente que a mulher não tenha contado para ninguém as agressões que está enfrentando”, afirma.

Por isso, a advogada afirma que antes mesmo de acompanhar a vítima a delegacia, ela deve ser levada a um hospital ou pronto socorro. “Ela carrega as provas no próprio corpo, é necessário dar apoio de ordem física, perguntar se ela sente confortável em denunciar”, detalha.

No momento de conversar com a vítima, a advogada sugere que a abordagem seja a partir de exemplos, e de indicações de locais de acolhimentos. “Precisamos evitar abordagens que acuem mais ainda.”

Omissão é crime

De acordo com o Código Penal, a omissão de socorro é crime quanto há possibilidade de intervir sem que a situação imponha algum tipo de risco pessoal. Nessa situação, a pena prevista é de detenção de um a seis meses ou multa.

Em casos de lesão corporal grave ou morte, a pena pode ser ampliada. “Normalmente, essas testemunhas são pessoas do núcleo de convivência da vítima. Os casos de violência doméstica estão nesses âmbitos mais fechados, ambiente doméstico e familiar."

Ao contrário do que aconteceu no caso de Charles Barbosa de Oliveira, funcionário de Ivis, que prestou depoimento na quarta-feira (14), após ter presenciado as agressões sem interferir, crescem os casos de pessoas que de alguma forma tentam ajudar as vítimas.

As pessoas ainda entendem que não devem se meter%2C elas sentem medo de se envolver judicialmente

(Mariana Tripode, fundadora da Escola Brasileira de Direito para Mulheres)

“Os avanços foram grandes até pelas campanha de ordem pública iniciadas pela sociedade civil organizada, e depois por uma adesão do poder público, no sentido de provocar um levante da sociedade de que não vai mais tolerar casos como esses”, diz a advogada. “Temos de avançar nessa questão de ordem histórica e cultural que coloca a mulher sob subjugo de pais e maridos e de que eles poderiam controlar nossos corpos.”

A advogada do 1º escritório de advocacia para mulheres do Distrito Federal e fundadora da Escola Brasileira de Direito para Mulheres, Mariana Tripode, ressalta que, no caso de Pamella, é preciso considerar que ela vivia o puerpério, fase pós-parto em que a mulher apresenta maior vulnerabilidade por enfrentar mudanças físicas e psicológicas. “É muito chocante porque ele vê tudo acontecer e abre mão de, ao menos, apaziguar a situação”, afirma. “As pessoas ainda entendem que não devem se meter, elas sentem medo de se envolver judicialmente.”

Mecanismos de proteção

Mariana lembra que além da Lei Maria da Penha existem outras legislações que garantem proteção e sigilo às testemunhas. No caso de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, a lei 13.431 de 2017 estabelece proteção a essa parcela da população quando vivenciam agressões e às testemunhas que presenciam os atos. “Essas pessoas podem salvar a vida, ajudar a gerar provas no processo. Já basta o medo da vítima de enfrentar todo o aparato judicial”, diz Mariana.

Há casos em que até mesmo a advogada ou advogado da vítima pode pedir proteção, se estiver sob ameaça. “Isso acontece bastante e chega a limitar o exercício profissional”, diz Myrian, da OAB-SP.

Além de chamar atenção para as leis e garantias que oferecem segurança às testemunhas, a advogada afirma que o medo de se envolver ainda prevalece em função da falta de capacitação de pessoas que estão na porta de entrada de serviços de acolhimento. “As possíveis testemunhas temem que, se não há seguranças para as vítimas, tampouco haverá para terceiros. Isso perpetua o medo da retaliação.”

Essas pessoas podem salvar a vida%2C ajudar a gerar provas no processo. Já basta o medo da vítima de enfrentar todo o aparato judicia

(Mariana Tripode, fundadora da Escola Brasileira de Direito para Mulheres)

Segundo ela, os órgãos públicos e a redes de acolhimentos vem se capacitando para melhorar o acolhimento não somente às vítimas. “Não por acaso existem as delegacias para mulheres, o Centro de Referência de Atendimento à Mulher e as defensorias públicas. Mas ainda é necessário investir em capacitação e fomentar políticas públicas porque a violência institucional se reflete no acolhimento dessas pessoas que acabam se omitindo com medo de expor sua integridade física”, explica.

A ajuda que salva

De acordo com o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na quinta-feira (15) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 1.350 feminicídios em todo o país em 2020. O número representa um aumento de 0,7% em relação ao ano anterior. Entre outros fatores, uma maior participação da sociedade tanto para denunciar casos quanto para participar ativamente como testemunhas poderia ajudar a reverter esses números.

Em junho de 2019, em Belo Horizonte, em Minas Gerais, Carolina* vivia um relacionamento abusivo com o namorado há dois anos. “Era marcado por muito abuso psicológico, que se manifestava principalmente por meio de ciúmes. Ele implicava com a faculdade dela, as roupas que usava, se ia maquiada”, afirma Melissa de Carvalho Santana, advogada do Não Era Amor, projeto que ajuda mulheres que estão ou saíram de relacionamentos abusivos. “Questionava quando ela precisava fazer trabalhos com as colegas de sala, coisas assim.”

Apesar de o depoimento da vítima ser mais relevante em casos de violência doméstica%2C na prática%2C muitas vezes%2C não é assim que acontece. Por isso%2C as testemunhas são muito importante

(Melissa Santana, advogada do projeto Não Era Amor)

As brigas pioraram até que Carolina chegou a ser acusada de traição pelo ex-companheiro. “Um dia, após terem terminado, combinaram de se encontrar para conversar em um local público”, conta a advogada. “A conversa virou uma briga, ele chegou a agredi-la no pescoço, apertando-a até tomar seu celular.”

Nesse momento, Melissa afirma que um casal se aproximou e impediu que a briga continuasse. “O agressor subiu na moto e foi embora, levando o celular da vítima.” O casal acompanhou Carolina até uma delegacia da mulher para realizar o boletim de ocorrência.

Segundo a advogada, o casal percebeu que a rua estava deserta e então decidiram se aproximar para inibir o agressor. “Funcionou, ele foi embora e eles foram com ela até a delegacia e prestaram depoimento como testemunhas. No dia da audiência, a mulher também compareceu para prestar depoimento”, diz Melissa. “Certamente deu mais credibilidade para a palavra da vítima. Apesar de o depoimento da vítima ser mais relevante em casos de violência doméstica, na prática, muitas vezes, não é assim que acontece. Por isso, as testemunhas são muito importante.”

Colheres de ouro

Após ter sido agredida fisicamente e mantida em cárcere privado pelo ex-marido, a médica Paula Veloso, de 33 anos, criou o projeto Colheres de Ouro que reúne depoimentos de vítimas de violência doméstica.

Paula Veloso criou o projeto Colheres de Ouro para incentivar testemunhas
Paula Veloso criou o projeto Colheres de Ouro para incentivar testemunhas Paula Veloso criou o projeto Colheres de Ouro para incentivar testemunhas

Além da trajetória pessoal, o que motivou Paula a montar o projeto foi o caso da advogada Tatiane Sptizner, agredida e jogada de uma sacada pelo marido, no Paraná. “Vi que a mesma coisa poderia ter acontecido comigo” diz. “Eu sairia como a louca que pulei e ele como o viúvo.”

Paula viveu um relacionamento de nove anos, dos quais, os últimos três, passou casada. Ela e o marido se conheceram na faculdade de medicina. “Por ser mais velho, ele tinha um discurso de que costumava dar conselhos para o meu bem”, diz. “Mas eram coisas impositivas, ele sempre estipulava onde eu deveria trabalhar, queria que eu estivesse nos mesmos lugares que ele e sempre diminuiu minha autoestima.”

Apesar de existir aquela frase de que em briga de marido e mulher não se mete a colher%2C eu tive algumas colheres que me ajudaram. Caso contrário%2C não teria saído viva de lá

(Paula Veloso, médica e criadora do Colheres de Ouro)

Na madrugada do dia 4 de março de 2018, Paula voltava de um congresso, quando o então marido estava em uma comemoração familiar no salão de festas do prédio em que viviam. “Subi para dormir porque daria plantão no dia seguinte. Ele subiu, acendeu a luz, começou a me xingar, me espancar até dizer que queria me matar. Machuquei o olho, meu rosto ficou inchado e fiquei com diversos hematomas no corpo todo”, lembra. “A verdade é que não tinha motivo, ele estava muito bêbado. Quanto mais eu gritava, pior ele ficava. Só umas 6h da manhã engatinhei até onde estava o celular, liguei para minha irmã e pedi para ela chamar a polícia.”

Paula soube depois que graças aos vizinhos, que ouviram gritos, a polícia chegou. Nesse momento, com ajuda da família, ela foi para o hospital e ele para a delegacia. “Apesar de existir aquela frase de que em briga de marido e mulher não se mete a colher, eu tive algumas colheres que me ajudaram. Caso contrário, não teria saído viva de lá.”

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