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Reforma política: voto em lista fechada dará mais poder a caciques partidários, diz professor americano

Matthew Shugart avalia que apadrinhados políticos seriam beneficiados em lista de legendas

Brasil|Fernando Mellis, do R7


Shugart (foto) estuda sistemas eleitorais em todo o mundo há mais de duas décadas
Shugart (foto) estuda sistemas eleitorais em todo o mundo há mais de duas décadas

Tema central da proposta de Reforma Política em tramitação na Câmara dos Deputados, a eleição de parlamentares por lista fechada — hoje a lista é aberta — é vista com cautela por um dos principais estudiosos de sistemas eleitorais do mundo, o professor norte-americano Matthew Shugart.

PhD em ciência política e docente da Universidade da Califórnia em Davis, ele falou ao R7 sobre a incerteza que a mudança para um sistema de lista fechada gera, uma vez que o Brasil seria um dos poucos países a fazer uma reforma nesse sentido.

Shugart avalia que caciques partidários poderão se fortalecer com a lista fechada, em que o eleitor vota apenas no partido e não em candidatos individuais.

Na visão dele, o apadrinhamento na composição dessas listas pesaria mais do que ideias políticas.

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Para o professor, assim como é em países com governos autoritários, como na Turquia e Rússia, onde há lista fechada, o presidente tenderia a ser fortalecido também.

Por outro lado, em um Congresso com maioria contrária, ele poderia não conseguir governar.

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Leia a seguir os principais pontos da entrevista

R7: Na sua opinião, qual seria o impacto da mudança do sistema, de lista aberta para fechada?

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Matthew Shugart: Essa é uma questão difícil para afirmar com certeza, porque quase nenhum país já fez isso. A Grécia fez, mas eles voltaram para o modelo de lista aberta depois de um curto período. Agora, o sistema lá é de lista aberta, exceto se uma segunda eleição for marcada logo após a outra, na qual essa segunda é por lista fechada.

Geralmente, uma lista fechada significa que quem controla o aparato partidário decide os candidatos. Isso é óbvio. Mas é difícil prever efeitos sistêmicos maiores. Certamente, você veria realinhamentos partidários de vários tipos. Seria uma mudança muito fundamental.

R7: Países com governos autoritários (como Rússia e Turquia) têm sistema de votação em lista fechada. Existe alguma relação com governos autoritários e esse modelo? É mais fácil ser um presidente com grandes poderes com um Congresso eleito por lista fechada?

Shugart: Em geral, provavelmente sim. Ou seja, centralizando o poder no Congresso, em um número menor de pessoas (líderes partidários), e dando a esses líderes mais controle sobre os membros de suas próprias bancadas, é um ambiente de negociação menos complexo para o presidente lidar.

Devo destacar que isso poderia funcionar de outra maneira — se os eleitores escolherem um Congresso com uma maioria oposta ao presidente, seria mais fácil para essa maioria se organizar contra o presidente.

Mas isso é uma ocorrência incomum, e seria especialmente improvável se o Brasil continuasse a eleger o Congresso juntamente com o primeiro turno presidencial. E eleições separadas teriam seus próprios problemas, como ter um Congresso de oposição ao presidente.

No balanço, se eu fosse presidente, eu acho que preferiria negociar com um Congresso cujos membros foram eleitos em listas fechadas ao invés de membros eleitos por listas abertas.

Voto em lista fechada é alvo de críticas ao redor do mundo

R7: No Brasil, nós temos muitos caciques políticos, que estão em posições influentes há mais de três décadas. A lista fechada poderia facilitar esse establishment (elite social e política do País)?

Shugart: Considerando que esses "caciques" são pessoas com posição econômica e social para influenciar o voto, significa que, sim, listas fechadas poderiam ser boas para eles. 

Se conseguirem dar forma aos candidatos que entram nas listas e com boas posições nessas listas, sim, eles se tornam mais poderosos com listas fechadas.

Em contrapartida, existe a possibilidade — mas é apenas uma possibilidade — de que a concorrência entre rótulos partidários (em vez de rótulos e candidatos individuais) torne mais fácil para os mais novos partidos políticos se destacarem e ganharem representação.

Isso é o que a teoria pode prever — as listas fechadas ajudam os partidos baseados em rótulos. No entanto, suspeito que os "padrinhos" seriam tão importantes para estabelecer a ordem das listas e obter a votação que, em resumo, ajudaria mais do que ajudaria concorrentes baseados em [ideias] políticas.

R7: Como você avalia o sistema de lista fechada em um País com 35 partidos diferentes?

Shugart: Há uma característica específica da cena política brasileira que me leva a pensar que o número de partidos ficaria mais baixo sob listas fechadas. Seria devido às alianças [A atual proposta da Reforma Política proíbe alianças partidárias].

Meu palpite é que relativamente poucas listas conteriam candidatos de vários partidos, se as listas forem fechadas. Assim, alguns dos pequenos partidos iriam sair do negócio.

No entanto, outros correram por conta própria. Você tem uma magnitude de distrito tão alta na maioria dos Estados (mesmo nos menores, com 8 cadeiras na Câmara, é bastante amigável para partidos pequenos) que muitos deles ainda poderiam esperar para ganhar por conta própria.

R7: Quais partidos ganhariam e quais perderiam? Grandes partidos poderiam ficar mais poderosos, por exemplo?

Shugart: Os únicos perdedores claros seriam os partidos que ganham agora somente porque têm candidatos bem-sucedidos nas listas da aliança. Tais partidos não prosperariam sob listas fechadas.

Mas muitos partidos pequenos provavelmente continuarão a executar suas próprias listas e tentar sua sorte. E dado que os distritos elegem de 30 a 70 deputados em grandes Estados, muitos desses partidos seriam bem-sucedidos.

Em outras palavras, eu não vejo grandes partidos ficando com mais poder, porque os pequenos partidos dos quais estamos falando que seriam prejudicados são muito pequenos.

R7: Qual mudança no sistema eleitoral faria uma diferença positiva no Brasil?

Shugart: Eu diria que diminuir o número de grandes distritos eleitorais (Estados) em distritos menores. Eu sei que isso não é fácil de fazer, politicamente, mas a ideia seria que São Paulo, por exemplo, em vez de ser um distrito enorme, com 70 assentos [na Câmara], teria, talvez, dez distritos com sete cadeiras. Com a magnitude distrital mais moderada, as listas abertas ou fechadas podem ser bem-sucedidas.

Há muitas outras possibilidades, é claro, mas mudar apenas o tipo de lista, mantendo outras coisas no lugar pode ter consequências não intencionais e algumas dessas consequências podem ser prejudiciais.

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