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ONG lança projeto-modelo para 'eliminar' pobreza em favelas 

Favela Marte, em São José do Rio Preto, será refeita em um ano e meio. Meta da organização Gerando Falcões é usar exemplo para mudar a vida de 16 milhões de favelados

Cidades|Eduardo Marini, do R7


A favela Marte atual, com suas 240 casas e 673 moradores
A favela Marte atual, com suas 240 casas e 673 moradores

O avião está pronto para decolar do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para São José do Rio Preto, no interior paulista, com 150 pessoas, no início da manhã de sábado (19). Pouco antes, no embarque, teve até Allan, o astronauta — ou pelo menos assim ele se identificava —, empacotado em macacão, capacete e mochilão de sobrevivência pendurado nas costas. O empreendedor social paulista Eduardo Edu Lyra, 33 anos, fundador da ONG Gerando Falcões, pula de uma cadeira da primeira fila, agarra o microfone interno, cumprimenta a turma e faz uma rápida introdução, encerrada com uma promessa otimista, mas ambiciosa:

— Vamos acabar com a pobreza nas favelas brasileiras antes do Elon Musk (um dos homens mais ricos do mundo, fundador da empresa de transporte espacial SpaceX e da fabricante de veículos elétricos Tesla) colonizar Marte. Encerra o recado com um par de frases do cotidiano popular adotado por ele como marca: "Tâmu junto. Vâmu que dá". Nas cadeiras, parte dos embarcados, de patrocinadores, empresários, diretores de grandes grupos a gestores sociais, influenciadores digitais, jornalistas e apresentadores de tevê, passando por convidados e profissionais de várias áreas, espanta a sobra de sono com aplausos e uhus.

E a Marte 3D do projeto piloto, com energia solar, saneamento, água e internet
E a Marte 3D do projeto piloto, com energia solar, saneamento, água e internet

A relação com a Marte sonhada por Musk não é acaso nem coincidência. O voo fazia parte da Missão Marte, jornada para apresentar o projeto de transformação de uma favela daquela cidade de 470 mil habitantes com 240 residências precárias equilibradas num espaço de 43 mil m². Nessas residências vivem 673 moradores: 97 meninas até 12 anos, 94 meninos na mesma faixa etária, 69 adolescentes dos 13 aos 18 anos, 14 pessoas acima de 60 anos e o restante de adultos dos 19 aos 59. O detalhamento desses números é mais um trabalho do líder comunitário Benvindo Neri, uma das figuras mais admiradas na comunidade. O nome da favela? Marte.

Edu Lyra e a Gerando Falcões pretendem concluir, em um ano e meio, a partir de agora, a transformação da Marte na primeira favela 3D do país — Digna, Digital e Desenvolvida. O projeto tem orçamento de R$ 58 milhões. Desse total, R$ 16 milhões foram captados pela ONG entre patrocinadores e novos parceiros para projetos sociais, educacionais, profissionalizantes e de inclusão e trabalho digital para os moradores.

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O restante será investido pela prefeitura de São José do Rio Preto, na legalização do terreno e em outros serviços, e pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), responsável pela construção das casas. "A Marte 3D terá água, esgoto, praças e espaços públicos com acesso à internet e será a primeira favela brasileira com 100% de energia própria, de painéis solares", empolga-se Edu. "Além do grande talento para gerir, formar parcerias, escolher boas causas e captar recursos, ele tem um carisma violento", resume um dos participantes da missão, o empresário e apresentador Álvaro Garnero, titular do quadro 50 por 1, do programa Domingo Espetacular, da Record TV. "Sou fã desse cara."

A meta da ONG é utilizar a Marte 3D como protótipo e modelo para a implantação de projetos semelhantes no maior número possível de favelas do país. "Se possível em todas", empolga-se Edu (leia entrevista com ele aqui). “Moço, isso parece ser um sonho tão profundo que vou dizer uma coisa para você: se tudo isso se tornar mesmo realidade em um ano e meio, eu nem vou saber mais no que sonhar”, disse ao R7 a moradora Rubiana Alvarenga, enquanto convidados compravam os brigadeiros vendidos por ela na feirinha dos fins de semana por R$ 10 a caixinha com quatro unidades. Um pouco à frente, Jailson Sales faturava com sanduíches e um saboroso caldo de mandioca na loja improvisada na frente de sua casa. “Rapaz, todo esse movimento me incentivou a estudar. Vou cursar administração à distância.”

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Maitê (com a empresária Milla Gomes e Amanda, das Valquírias) se encantou com o projeto
Maitê (com a empresária Milla Gomes e Amanda, das Valquírias) se encantou com o projeto

A Gerando Falcões incentiva líderes de favelas e lhes oferece capacitação e tecnologia social e, atualmente, a 309 ONGs (um “ecossistema de desenvolvimento social”, como eles preferem) comprometidas em colocar a pobreza das favelas “no museu”. Os projetos da rede geram impacto em 188 mil pessoas em 1.700 favelas de 23 estados brasileiros.

Há três anos, tornou-se parceira da Valquírias World. Fundada em São José do Rio Preto pela empreendedora social Amanda Oliveira, essa ONG é direcionada à educação, capacitação profissional e reconhecimento de direitos e cidadania de crianças, adolescentes e adultos do sexo feminino de famílias carentes. A maior parte dos atendidos veio de famílias com integrantes envolvidos no passado ou no presente com tráfico de drogas e prostituição.

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Amanda aceitou o desafio de colaborar também no projeto da Favela Marte 3D.

A região onde fica a sede da Valquírias World, Jardim Paraíso, é mais um exemplo cristalino de uma ironia comum na geografia brasileira: regiões marcadas por rotinas pesadas batizadas com nomes leves como pena. O bairro é o epicentro da prostituição e do tráfico de drogas da cidade. Enquanto Amanda e seu time realizam seu trabalho heroico, prostitutas e travestis fazem ponto na calçada de um motel em frente às instalações da ONG. "Aqui sempre foi a 'zona' tradicional da cidade. É comum você encontrar por aqui residências com a placa: 'casa de família'. Para não serem incomodados por alguém à procura de locais de prestação de serviços sexuais", revela ao R7 um jornalista local.

Edu Lyra, da ONG Gerando Falcões
Edu Lyra, da ONG Gerando Falcões

O admirável trabalho das Valquírias gerou resultados como os vivenciados pelas jovens Bianca Franco e Michele Maurity. Hoje com 20 anos, Bianca, aos 11, na favela Marte, já não tinha pai, irmão e padrasto — os três morreram fuzilados por traficantes, o padrasto com sete balas na cabeça.

A mãe encarava cadeia pela terceira vez por tráfico de drogas. Nas Valquírias, fez vários cursos, aprendeu a produzir e a tocar instrumentos, entrou na faculdade de pedagogia e hoje, além de se dedicar à música, administra setores da ONG, entre eles a grande horta da sede. De tanto ouvir seus pedidos, a mãe conseguiu largar o tráfico. Hoje, é uma das agentes sociais das Valquírias.

Michele, 21, outra ex-favelada, administra a contabilidade com pulso firme e acredita ser "a única preta" a cursar arquitetura em sua faculdade "ou talvez até na cidade". Durante a entrevista, a reportagem do R7 foi surpreendida com uma brincadeira leve de Marcelo Junqueira Franco, diretor de operações (COO) da Tarraf, uma das maiores construtoras da região. "Está concorrendo comigo?", perguntou ao repórter. Diante da negativa, puxou um cartão e o entregou a Michele. "Me procure para um estágio."

O sorriso iluminado da jovem tomou conta do pedaço. "Quem cuida da vida na favela é a mulher", diz Amanda. "É comum homem morrer no crime, no tráfico, cair no alcoolismo ou abandonar a companheira, que muitas vezes fica com três, quatro filhos de pais diferentes. Então, ainda que se traga a estrutura física, não há solução social para favela se não empoderarmos a mulher favelada", acrescenta. O projeto está atraindo gente graúda. Dias antes da chegada do grupo, Amanda recebeu na favela a visita da atriz Maitê Proença, acompanhada da empresária de moda e influenciadora digital Milla Gomes.

Edu e Amanda, ambos ex-favelados, e Benvindo Neri, morador e atual líder comunitário da Marte, se entenderam como se fossem apaixonados uns pelos outros desde criança. Estão juntos. Acreditam que devem ir porque acham que vai dar.

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