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Clovis de Barros Filho: 'Não sou o mais famoso dos filósofos do país, mas o de linguagem mais popular'

Com ironia, descontração e facilidade de comunicação habituais, filósofo dá detalhes de seu novo livro, com episódios concorridos de seu podcast, e analisa o sucesso em todas as faixas de público 

Entrevista|Eduardo Marini, do R7


Barros Filho com seu gato Epaminondas: Filosofia que todo mundo entende
Barros Filho com seu gato Epaminondas: Filosofia que todo mundo entende

Ao lado de Mario Sergio Cortella, Luiz Felipe Pondé e do historiador Leandro Karnal, o filósofo, jornalista e professor Clovis de Barros Filho forma o quadrado mágico responsável pela popularização da Filosofia no Brasil nos últimos anos.

Barros Filho é craque, como pouquíssimo, na tarefa de construir linguagem acessível a todo tipo de público. Seu pensamento chega ao intelectual e ao universitário, mas também é recebido e compreendido pelo estudante de Ensino Médio, a dona de casa, o porteiro, o garçom, o aposentado, o chapeiro da padaria, o motorista de táxi e por aí vai.

A energia, encenação e dramatização adotadas em suas falas, somadas ao refinamento dos raros capazes de transformar conversa cabeça em papo fácil, no improviso, sem qualquer anotação, às vezes até com alguns palavrões, lançados com naturalidade, fazem dele o dono do discurso mais acessível, leve e divertido entre os filósofos brasileiros.

Ele parte quase sempre de uma história, fábula ou exemplo, que poderia ser - e muitas vezes é - real, cotidiano, e a partir daí incorpora seu raciocínio elaborado. A fórmula facilita absurdamente a compreensão. Tem sido assim, publicamente, desde 2002, quando encantou o saudoso Jô Soares e quem os assistia no Programa do Jô. Um papo de sucesso repetido outras vezes pelo apresentador.

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Paulista de Ribeirão Preto, 56 anos, Barros Filho é doutor e livre-docente pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Palestrante e autor de vários livros sobre ética, felicidade, autoconhecimento e valores, acaba de lançar Inédita Pamonha - Por Instantes Felizes, Virginais e Irrepetíveis (Editora Citadel, 204 págs, R$ 49,90 a edição impressa).

O novo livro traz adaptações de dez dos mais de 150 episódios registrados no podcast do autor, de mesmo da obra, nos últimos 30 meses, desde o início da pandemia. Alguns deles tiveram mais de um milhão de acessos. “A Inédita Pamonha corresponde à inédita experiência de vida, vivida na irrepetibilidade discreta dos instantes. Vida sem volta, inclinada para um devir desconhecido”, registra no livro.

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Atualmente, o filósofo alterna três meses em Portugal com três meses no Brasil. Está alegremente surpreso com o número de portugueses que o perguntam se ele é “aquele filósofo brasileiro sucesso na internet com uma aula sobre brio”. A apresentação em que ele aconselha estudantes sobre o tema, apoiado em ensinamentos do filósofo prussiano Immanuel Kant, explodiu na rede. 

Além da Filosofia, dos livros, Barros Filho é apaixonado por Epaminondas, seu gato de estimação, homenageado por ele em outro de seus livros saborosos: Epaminondas, o Gato Explicador. Nele, o filósofo, na “pele e na voz” de seu bichano, analisa vicissitudes e idiossincrasias “destes seres humanos”.

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Nessa conversa com o R7 ENTREVISTA de Portugal, Barros Filho relembra episódios concorridos do podcast que foram para o livro, faz comentários sobre a popularização da Filosofia entre os brasileiros e analisa os motivos de sua penetração em públicos de todos os níveis educacionais e classes sociais. Aula magna. Acompanhe:

A frase Os Piores Episódios Selecionados no Podcast é uma brincadeira. Constatei que meus episódios prediletos%2C os que considero mais elaborados sob o ponto de vista filosófico%2C eram%2C matematicamente%2C os menos assistidos. E os que eu fazia deitado no sofá%2C gravados nas tardes de sábado%2C depois da feijoada%2C entre o primeiro e o segundo tempo do jogo de futebol%2C eram%2C disparados%2C os mais prestigiados. Dei prioridade a dez desses últimos%2C daí a ironia

(CLOVIS DE BARROS FILHO)

Como foi iniciado o processo que terminou no livro Inédita Pamonha?

Clóvis de Barros Filho – O processo que culminou neste livro foi iniciado com o podcast Inédita Pamonha, lançado no início da pandemia. Nele, desde então venho fazendo uma reflexão sobre a vida, sempre às quintas-feiras. Fiz até agora cerca de 150 episódios. A ideia do podcast surgiu de forma despretensiosa. Dois amigos se ofereceram para assumir os custos. Um trabalha em um banco e o outro em uma grande empresa americana. Cada um entrou com R$ 3 mil por mês e isso pagava os custos de plataforma e edição. Para minha surpresa, a audiência se tornou significativa. Vários desses episódios tiveram mais de um milhão de acessos. Ficamos em primeiro lugar no Ibest no quesito Apoio Popular. Como não é uma coisa de atualidade, jornalística, as pessoas vão consumindo aos poucos, de acordo com a conveniência. O podcast começou a ganhar corpo, sobretudo no ambiente da educação, nas escolas e em algumas secretarias de estado ligadas ao tema. Resolveram encaminhar os episódios para ajudar professores nas aulas e atividades, essas coisas.

E o livro?

À medida que o podcast ganhou corpo, surgiu a ideia de selecionar alguns episódios para publicar em forma de livro. A Citadel, uma editora cem por cento brasileira, nova, mas forte no mercado, entre outros motivos porque publicou o livro Mais Esperto Que o Diabo, o mais vendido no país por vários anos, se ofereceu para publicar.

Selecionamos dez episódios do podcast entre os mais ouvidos. Na adaptação%2C a linguagem foi aprimorada%2C como convém à escrita%2C mas sem alterar o conteúdo. Isso porque quem acompanha minhas aulas%2C palestras e cometários sabe que faço tudo de improviso%2C não leio nada. Assim surgiu o livro Inédita Pamonha – Por Instantes Felizes%2C Virginais e Irrepetíveis

(CLOVIS DE BARROS FILHO)

Qual foi o critério para compor o livro?

Selecionamos dez episódios do podcast entre os mais ouvidos. Na adaptação, a linguagem foi aprimorada, como convém à escrita, mas sem alterar o conteúdo. Isso porque quem acompanha minhas aulas, palestras e cometários sabe que faço tudo de improviso, não leio nada. Assim surgiu o livro Inédita Pamonha – Por Instantes Felizes, Virginais e Irrepetíveis.

Há na capa, abaixo do subtítulo, o aviso: Os Piores Episódios Selecionados no Podcast. Por que?

É uma brincadeira, porque constatei que meus episódios prediletos, os que considero mais elaborados sob o ponto de vista filosófico, eram, matematicamente, os menos assistidos. E os que eu fazia deitado no sofá, gravados nas tardes de sábado, depois da feijoada, entre o primeiro e o segundo tempo do jogo de futebol, eram, disparados, os mais prestigiados. Dei prioridade a dez desses últimos, daí a ironia (risos).

O livro é envolvente e saboroso, dos que se lê, muitas vezes, numa única tacada. Vamos ao episódio Inédita Pamonha, que dá nome à coletânea e também ao podcast. Dê detalhes.

Todos os episódios partem da ideia de valorizar a vida onde ela está. Uma ode ao instante, ao presente imediato. Inédita Pamonha parte de uma história retirada de uma de minhas palestras. O cara estava com fome. Parou em um restaurante de estrada, comeu uma pamonha e disse, encantado: “isso aqui bom para c...”. Em seguida, diz o seguinte a si mesmo: “se essa pamonha estava tão boa, se alegrou-me tanto, então eu devo ser um comedor de pamonhas. Vou pegar essa experiência e converter numa espécie de regra, um protocolo”.

E aí?

Para dar vazão àquele protocolo, decidiu pedir a segunda pamonha imediatamente. A segunda alegrou menos. A terceira, menos ainda. A quarta começou a trazer tristeza. A quinta, foi obrigado a empurrar para dentro sentado no vaso sanitário. Na sexta, percebeu que sua taxa glicêmica, de açúcar no sangue, subia absurdamente e o olho embaçava. Após a sétima, o risco de óbito era real.

o sujeito que come sete pamonhas na história%2C esperando que todas criem o prazer da degustação da primeira%2C aprende que fazer da vida uma regra não dá certo. Ele pegou um instante alegrador da vida%2C a primeira pamonha%2C e quis fazer dele um protocolo. Isso quase o matou. Daí a frase Por Instantes Inéditos%2C Virginais e Irrepetíveis do subtítulo. Não pense que%2C pelo fato de ter vivido uma experiência geradora de prazer em determinado instante%2C a repetição de objetos%2C ferramentas%2C cenários e circunstâncias daquele momento poderá ser positiva

(CLOVIS DE BARROS FILHO)

O livro: versão escrita de episódios com mais de um milhão de acessos no podcast
O livro: versão escrita de episódios com mais de um milhão de acessos no podcast

Mas, felizmente, nosso devorador de pamonha se salva. O que a Filosofia o ajudou a concluir?

Basicamente, que a regra, a tentativa de transformar um instante em protocolo, não dá certo. Ele pegou um instante alegrador da vida e desejou fazer dele um protocolo que quase o matou. Daí a frase Por Instantes Inéditos, Virginais e Irrepetíveis do subtítulo. Não pense que, pelo fato de ter vivido uma experiência geradora de prazer num determinado instante, a simples repetição dos objetos, ferramentas, situações e circunstâncias daquele momento poderá ser positiva.

Por que?

Como nosso corpo e a nossa vida estão em trânsito, e o mundo também, o encontro deles é será sempre inédito. Assim como o podcast, todo o livro é um ataque à ideia da repetição. E também uma apologia a uma filosofia existencial baseada no trânsito e no ineditismo. Com tudo que isso tem de inseguro de um lado, e fascinante do outro, porque cada instante é singular a ser vivido.

A ideia parece até ingênua.

Sim, mas se você observar a vida, as pessoas valorizam a repetição, se não de algo absolutamente fascinante, mas pelo menos das coisas conhecidas e que não sejam catastróficas. As pessoas se vangloriam de trabalhar no mesmo lugar a 200 anos, de ter rigorosamente os mesmos amigos a outros cinco mil, a preservação de certas condições de vida garantidoras de segurança e estabilidade afetiva. Só que nem sempre é assim, e isso impede a descoberta de novas situações que podem ser igualmente encantadoras.

A história da pamonha me fez lembrar de uma frase célebre do poeta Vinicius de Moraes. Ele costumava dizer que, no calor abrasivo do Brasil, “a melhor bebida do mundo era o primeiro chope, e a pior, o sexto chope”, pois, para ele, pesava no corpo.

A ideia do Vinicius é a mesma da pamonha. Darei outro exemplo nobre. Em certo ponto de um dos sete volumes do clássico Em Busca do Tempo Perdido, para muitos o maior livro de todos os tempos, o escritor francês Marcel Proust, lembrando das madeleines, ou madalenas, o famoso confeito francês, diz que “por mais que uma madeleine seja espetacular, fora da média, o prazer da última mordida jamais será igual ao da primeira, que é uma experiência irrepetível”.

Em outro capítulo do livro, você recorda um episódio real, dramático, que o envolveu, no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Fale sobre ele.

Eu voltava de Porto Alegre para São Paulo, um bate-e-volta sofrido para uma palestra, último voo lotado, no mesmo dia. Embarque concluído, os passageiros das primeiras filas, eu entre eles, começamos a ouvir uma voz forte, com choro, vinda de uma das portas do avião. O comandante liga o som interno e diz o seguinte: “Estamos com um problema. Um senhor precisa embarcar hoje neste último voo. É uma situação absolutamente inadiável, de extrema gravidade. Qualquer outro voo amanhã não resolverá o problema. Como estamos lotados, pergunto: quem pode ceder o lugar a este senhor e embarcar no primeiro voo de amanhã, às cinco da madrugada, ou no horário que desejar? Naturalmente a empresa reservará o melhor lugar, hospedagens, alimentação e todos os demais custos”.

O comandante detalhou qual era o problema de quem implorava pela vaga no avião?

Não. Talvez por não ter sido autorizado pela pessoa a entrar em detalhes.

Em um período glorioso do Corinthians%2C o meio de campo do time era Biro-Biro%2C Zenon e Sócrates. Zenon era craque com nome de filósofo%2C Sócrates idem%2C e o Biro-Biro era o carregador de piano%2C que corria pelos três para os dois craques brilharem. Orgulho-me de ser o Biro-Biro desse quadrado mágico (que mais ajudou a popularizar a filosofia no país%2C formado por ele%2C os filósofos Mario Sergio Cortella e Luiz Felipe Pondé e o historiador Leandro Karnal)%2C que hoje tem três craques%2C e pouco importa qual desses três tenha entrado por último para formar esse novo meio de campo

(CLOVIS DE BARROS FILHO)

Então?

Os passageiros começaram a simular afazeres no avião. Um acionava o tablet, outro o notebook, um terceiro colava o celular no rosto ao lado de outro que encaixava o fone no ouvido. Uns quatro ou cinco faziam filha na entrada do banheiro. Vários, sentados, olhavam para trás procurando alguém...e o clamor passou em branco. O comandante repetiu o apelo, deixando claro que o primeiro havia sido ignorado.

E aí...

Levantei-me, disse “cedo o meu lugar” e deixei o avião. Na porta, encontrei a pessoa que iria em meu lugar, um cidadão chamado Eleutério. Aos prantos, ele me segurou pelos dois braços e disse: “o senhor foi solidário e jamais me esquecerei dessa solidariedade”. Eu disse: “não, imagine, é só uma questão de voo e tenho tempo para pegar o primeiro amanhã”.

E o senhor Eleutério?

Disse: “mas o senhor tem família, que o espera...”. Respondi: “sim, mas não será problema aguardarem mais um pouco”. E aí ele mandou o que eu e o outros passageiros não sabíamos: “é que o senhor poderá estar com sua família completa, mas eu estou indo velar meu filho. Ou embarco agora ou amanhã, quando chegar, ele estará enterrado”. Perguntei do que o filho dele havia morrido. Ele disse: “assassinado. Em uma briga”. Despedi-me dele e disse, enfaticamente, para que ele não tomasse meu gesto como de grandeza. Ele respondeu: “é, mas apenas o senhor se levantou...”.

Solidariedade é uma espécie de parceria - por vezes%2C ironicamente%2C até mesmo egoísta - entre pessoas ou grupos%2C com o objetivo de atingir um objetivo comum a todos%2C inclusive a quem foi solidário. Generosidade%2C para além disso%2C é o ato de abrir mão de algo bom e importante para si na tentativa ou com o objetivo de contribuir com o outro

(CLOVIS DE BARROS FILHO)

Ele de fato necessitava de uma atitude como a sua. Mas em que ponto a Filosofia entra nessa história?

Se lembra que ele usou os termos “solidário” e “solidariedade”. Pois bem: a discussão filosófica, no episódio do podcast e no texto do livro, é feita sobre isso. Sem a mais remota intenção de autoelogio, verdadeiramente, a rigor não fui solidário com o senhor Eleutério, e sim generoso. Solidariedade é uma espécie de parceria - por vezes, ironicamente, até mesmo egoísta - entre pessoas ou grupos, com o objetivo de atingir um objetivo comum a todos, inclusive a quem foi solidário. Generosidade, para além disso, é o ato de abrir mão de algo bom e importante para si na tentativa ou com o objetivo de contribuir com o outro. Coisa que, pelo visto, ninguém no voo tinha intenção de fazer. É possível que, se o comandante revelasse o motivo do pedido do senhor Eleutério, provavelmente mais alguns se oferecessem para sair. Mas isso não ocorreu.

Ao lado dos filósofos Mario Sergio Cortella e Luiz Felipe Pondé, e do historiador Leandro Karnal, você tem parte considerável de responsabilidade pela popularização da Filosofia entre os brasileiros nos últimos anos. Você acha que consegue ser consumido e entendido por muitos, de todas as classes sociais e níveis de conhecimento, pelo conteúdo filosófico ou pela ênfase, linguagem acessível e postura cênica adotadas em suas comunicações?

Fico honrado de ser incluído por você nesse quadrado mágico com outros três. São pessoas espetaculares, merecedoras de aplauso, professores testados e aprovados em universidades respeitadas e, cada um a seu jeito e estilo, com capacidades didáticas e de comunicação raras. Em um período glorioso do Corinthians, o meio de campo do time era Biro-Biro, Zenon e Sócrates. Zenon era craque com nome de filósofo, Sócrates idem, e o Biro-Biro era o carregador de piano, que corria pelos três para os dois craques brilharem. Sou o Biro-Biro desse quadrado mágico, que hoje tem três craques, e pouco importa qual desses três tenha entrado por último para formar esse novo meio de campo. Sou o mais popular dos quatro. Não o mais conhecido, mas, penso, aquele com linguagem mais facilmente absorvida pelas camadas menos escolarizadas e favorecidas. Garçom, cozinheiro de restaurante, porteiro, gente da faxina, zelador, esse público, para minha alegria, tem revelado grande apreço por mim. Até aqui, em Portugal, frequentemente um garçom ou alguém me pergunta: “o senhor não é aquele filósofo da aula sobre brio para os jovens que está na internet?”. Isso, claro, me deixa honrado.

E o que chega do seu trabalho a esse público?

A energia e a ênfase adotadas por mim, que são unânimes, os jargões, as frases feitas, como “para trás nem para pegar impulso”, a linguagem sincera, inclusive com um palavrão ou outro, ditos com naturalidade. E, claro, também parte do conteúdo, porque nada disso separado, nem tudo isso junto, seria capaz de transportar o vazio.

Muito obrigado.

O agradecimento é meu.

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