'Objetivo é conseguir um recorde ainda melhor', afirma atleta mais rápido do Brasil
Erik Cardoso, de 23 anos, contou ao R7 como é ser o primeiro brasileiro a correr os 100 metros rasos abaixo de 10 segundos
Entrevista|Yasmim Santos*, do R7
Depois de 35 anos, o Brasil escreveu um novo nome na história do atletismo: Erik Cardoso. O velocista, de apenas 23 anos, foi o primeiro brasileiro a correr abaixo dos 10 segundos e é o novo recordista nacional dos 100 metros rasos, com o tempo de 9s97. O recorde anterior na modlidade era de 10 segundos e pertencia ao lendário Robson Caetano, medalhista olímpico nos 200 metros, em Seul 1988, e no revezamento 4x100 metros, em Atlanta 1996.
Cardoso não conseguiu repetir o feito no Mundial de Atletismo de Budapeste neste fim de semana: nas eliminatórias, o atleta fez 10,37 segundos nos 100 metros e não avançou para as próximas fases da competição. Mas isso não o impede de sonhar com as próximas competições. A seguir, entenda como o atleta conseguiu superar seus recordes pessoais e o que ele planeja para o futuro.
R7 — Quando decidiu ser velocista?
Erik Cardoso — Comecei a treinar com 12 anos no Sesi São Paulo, em Piracicaba, minha família toda é de lá. Fiquei lá até o fim de 2016. No começo de 2017, o pessoal do Sesi me transferiu para Santo André. Quando comecei não me dedicava apenas à corrida. Meus professores sempre pregavam o "correr, saltar e lançar". Então, eu corria, fazia salto em distância, fazia arremesso de peso, lançamento de disco e de dardo. Fazia de tudo.
Mas, com 14 anos, quebrei o dedão e ficou um pouco complicado para correr. Aí me dediquei mais às provas de arremesso e lançamento, nas quais também tive alguns bons resultados. Aos 15 anos, voltei a correr. Todo esse repertório motor que ganhei, de todas as provas que fiz quando era novo, toda a força e a potência que ganhei no peso e no disco, consegui transferir ainda mais para velocidade quando voltei, me ajudou bastante.
Você imaginava que, com 23 anos, seria o homem mais rápido do Brasil?
Olha, não. Há dez anos, não imaginava que eu poderia bater esse recorde dos 100 metros. Eu tive o primeiro pensamento de "nossa, acho que dá para correr nos 9 segundos" em 2021, quando corri 10s01, lá em Bragança Paulista. Naquele momento falei: "Agora, quando eu melhorar minha marca, acredito que já possa entrar na casa dos 9 [segundos]".
Receber uma medalha do Robson Caetano foi incrível
Qual foi a primeira sensação que teve quando viu que abaixou os 10 segundos?
Só sabia agradecer. Eu me lembro que a pista estava cheia, tinha muita gente e, antes da final, sempre bate aquela coisa de "nossa, está cheio de gente. Como vai ser? Se eu for bem, beleza, mas e se, por acaso, eu não acertar?". Esses pensamentos passam pela cabeça, infelizmente.
Foquei em quem realmente estava me vendo. Quando terminei a corrida falei: "Graças a Deus, deu certo! Uma hora dessa o pessoal deve estar em festa lá [no céu]". Esse foi o primeiro pensamento, principalmente quando olhei para o céu agradecendo e peguei a bandeira do Brasil. Deu aquela sensação de que conquistamos mais um objetivo.
Como foi receber a medalha do próprio Robson Caetano?
Receber essa medalha dele, do detentor do recorde do sul-americano por mais de 30 anos, um campeão Pan-Americano, medalhista em campeonatos de nível altíssimo, foi incrível. Ele sempre acompanha os garotos dos 100 metros, dando aquela fortalecida para todos os atletas, nos potencializando e falando: "Vamos pessoal. Vocês podem bater esse recorde". Então foi muito bom receber a medalha de um herói olímpico.
Quais são os seus ídolos no esporte? Quem inspira você?
Tem muitos atletas bons, mas o Bolt [Usain Bolt, velocista jamaicano] é muito bom. Ele fez uma enorme diferença no nosso esporte, principalmente por ser um velocista de 100 e 200 metros rasos. As medalhas que ele conquistou e [o fato] de ter mantido uma performance tão alta por muito tempo, conseguindo três medalhas de ouro olímpicas, foi um atleta diferenciado.
Hoje em dia, se um atleta ganha em um ano, no outro já não se sabe se vai ser ele de novo, porque é muito acirrado. Ele conseguiu se manter por uns 12 anos ganhando medalhas de ouro olímpicas.
Também tenho contato com atletas brasileiros e eles me inspiram bastante. O Vicente Lenílson, que mora em Cuiabá e tem um projeto lá. Ele já me aconselhou várias vezes. Ele fazia uma boa saída de bloco, então também me inspirou bastante com os conselhos que me dava, com as histórias que contava sobre antigamente, das necessidades que ele passou.
O [Usain] Bolt.. fez uma enorme diferença no nosso esporte. Ele manteve um alto desempenho por muitos anos
Qual o próximo passo, agora que você já bateu os 10 segundos?
O objetivo é melhorar ainda mais minha marca. Nem sempre a gente consegue chegar à competição, às vezes, não acontece como a gente queria, mas foi treinando forte, treinando bem, diariamente, que deu certo. O próximo objetivo é melhorar, cada vez mais, meu recorde pessoal — a minha a marca. Abaixo de 9s97 é bem-vindo, mas, lógico, quero correr 9s8, 9s7, mas tudo no tempo de Deus, tenho paciência. Se eu for abaixando um pouquinho, já vou ficar feliz.
O que os brasileiros que chegaram antes e conquistaram medalhas no revezamento 4x100 metros significam para você? O Brasil tem três medalhas olímpicas na modalidade — bronze em Atlanta 1996, prata em Sidney 2000 e bronze em Pequim 2008.
Sem dúvida eles abriram essa tradição, falando do revezamento, no Brasil. Você vê os resultados, as medalhas olímpicas, e, com certeza, eles significam bastante e nos inspiram. Sempre, quando estamos nos campos de revezamento, como estamos aqui em Portugal, pensamos: "Foram tantas medalhas olímpicas que eles conquistaram, né?". Quando a gente encontra algum outro medalhista, eles lembram também da trajetória deles até chegar à medalha olímpica. Então, sem dúvida, essas histórias, esses conselhos, nos ajudam e nos inspiram ainda mais a querer voltar o revezamento do Brasil ao pódio olímpico.
Qual é a sua expectativa para as próximas competições?
O Pan-Americano vai ser o meu primeiro no adulto. Sempre é diferente, porque há várias modalidades, vários atletas. É muito bom quando você tem a oportunidade de disputar, ainda mais agora, vai ser incrível. O objetivo é estar bem física, mental e espiritualmente, para brigar por uma medalha para o Brasil nos 100 metros e no revezamento.
Em Paris%2C o objetivo é chegar na melhor forma possível%2C brigar por um recorde brasileiro e%2C com esse resultado%2C brigar pela medalha olímpica
O que espera dos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024?
Nunca fui aos Jogos Olímpicos, fiz o índice, mas há muitas coisas para acontecer. Outros atletas também farão o índice, tem muitos brasileiros bons correndo na casa dos 10 segundos, alguns já correram na casa dos 9 segundos, como o Felipe Bardi e o Paulo André, mas ainda não foram validados. Se der tudo certo e eu estiver nos Jogos Olímpicos, com certeza quero brigar por um recorde pessoal ainda melhor.
Espero avançar nas fases, que vai ser o primeiro objetivo. Depois a gente briga por medalha, mas, primeiro, tenho que chegar à final. No revezamento 4x100 metros, onde temos mais chances reais de medalhas, o objetivo é esse: chegar lá na melhor forma possível, brigar por um recorde brasileiro e, com esse resultado, brigar pela medalha olímpica.
Hoje, você consegue viver do atletismo?
Sim, graças a Deus. Hoje, tenho muitos bons patrocinadores. Sou patrocinado pela Asics, de marca esportiva, e tem o Clube Sesi São Paulo que, desde criancinha, sou aluno e foi onde me desenvolvi como pessoa e como atleta, com o treinador Darci e com a Rosana. Sou atleta do Exército brasileiro também, além de todo o apoio da Confederação Brasileira de Atletismo, em questão de bolsa.
Então, falando por mim, pode ser que não seja a situação de outros atletas, estou bem. Só tenho a agradecer e continuar trabalhando duro.
Falando em trabalho duro, como é a sua rotina de treino?
Acordo, faço minhas coisas e começo a treinar às 8 horas da manhã — chego ao Sesi. Treino até 11h30, aí tem uma janela de almoço até 13h ou 13h30. Depois que almoço, vou para São Paulo, para a avenida Brigadeiro Faria Lima, onde faço fisioterapia, que começa, normalmente, as 14h30 e vai até umas 16h30.
Depois volto de São Paulo e chego em casa, por volta das 18h. Às vezes, de quarta-feira, vou para a igreja, no centro de Santo André, depois volto para casa. Chegando em casa, faço janta, estudo um pouco de inglês e sobre a igreja. Estou tentando terminar minha faculdade de educação física. Eu já acabei a grade há uns dois ou três anos, mas preciso tomar vergonha e fazer minhas DPs — faço em casa, online mesmo.
E como fica o contato com a família e com os amigos nessa rotina?
Minha família, claro, sempre me apoiou. Quando me mudei para Santo André, eles vinham me visitar, ou eu ia para Piracicaba também. Era mais frequente. Agora, sempre que posso vou para Piracicaba ver minha família. Eles sempre me apoiaram com torcida, mesmo de longe, e com orações. Eles ficam muito orgulhosos de mim e valorizam ainda mais minha evolução, como pessoa, como um atleta e como cristão — isso, com certeza, deixa eles ainda mais felizes.
*Sob supervisão de Pedro Marques
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