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Acusação de corrupção abala imagem de humildade de um congressista

O deputado Henry Cuellar começou com origens humildes, mas acolheu armadilhas de poder proporcionadas por sua posição

Internacional|Kenneth P. Vogel e Kitty Bennett, do The New York Times

Deputado americano Henry Cuellar, que enfrenta denúncias (Kenny Holston/The New York Times)

Por muitos anos, o deputado Henry Cuellar recordou a modesta casa em que viveu em Laredo, no Texas. Foi nela que seus pais, trabalhadores migrantes ocasionais, que não falavam inglês, o criaram com mais sete irmãos. Ensinaram os filhos a valorizar o trabalho árduo e a ter cuidado com o perigo de contrair dívidas.

As referências às origens, feitas em discursos, anúncios de campanha e entrevistas tinham o propósito de criar uma ligação com os muitos residentes hispânicos de sua cidade natal. Serviam para demonstrar que era verdadeiro o que afirmava seu slogan postado no website da campanha de 2004. Ele venceu pela primeira vez as eleições para o Congresso pelo Partido Democrata, representando Laredo, uma das cidades mais pobres do país, dizendo: “Sou um de vocês.”

Em 2013, quase dez anos depois, aquele início difícil tinha se perdido na memória. Cuellar se tornou o centro de convergência de uma pequena empresa bastante operativa, que confundiu os limites entre sua atividade política, seus negócios e sua família. Passou a viver em um ambiente de riqueza, mesmo quando, muitas vezes, se esforçava para pagar as contas.

Recentemente, havia adquirido um apartamento de cobertura no movimentado bairro de Navy Yard, em Washington, perto do Parque Nacional, e duas propriedades em Laredo, incluindo uma casa de 560 metros quadrados, com piscina e chalé, em um condomínio fechado, na Rua Estate Drive. Contraiu dívidas cada vez maiores até que seu patrimônio líquido diminuiu.

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Condado de Webb, cidade fronteiriça de Laredo (SERGIO FLORES/THE NEW YORK TIMES)

Uma nova fonte de dinheiro apareceu, é o que dizem os promotores federais.

Desde 2014, durante sete anos, Cuellar e sua esposa, Imelda, receberam pelo menos US$ 598 mil de um banco mexicano e de uma empresa petrolífera de propriedade do governo do Azerbaijão, afirmam os promotores.

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Os Cuellar foram acusados este mês de aceitar subornos, lavar dinheiro e violar as leis de lobby para países estrangeiros ao tentar influenciar o governo em nome de financiadores de fora. Declararam-se inocentes e foram libertados depois que cada um pagou uma fiança de US$ 100 mil.

Em uma declaração feita antes da acusação, Henry Cuellar afirmou sua inocência. Um dos democratas mais conservadores do Congresso – e o único que se opõe publicamente ao direito ao aborto –, Cuellar prometeu continuar com a campanha para a reeleição. Mas a acusação tornou sua cadeira uma atraente posição a ser conquistada por republicanos preocupados em manter a estreita maioria que possuem na casa.

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Dois consultores políticos que, segundo os promotores, colaboraram no esquema de Cuellar concordaram em se declarar culpados de conspirar com o político para lavar mais de US$ 200 mil do banco mexicano. Uma terceira pessoa que trabalhava para uma subsidiária da petrolífera estatal do Azerbaijão se declarou culpada de atuar como agente não oficial do país. Os três concordaram em cooperar com a promotoria.

Em entrevista, Eric Reed, advogado do político, rejeitou qualquer sugestão de que haveria um fator de desespero financeiro que o motivaria a aceitar suborno. “Isso não existe. Cuellar vive dentro de suas posses e, como qualquer pessoa, seu patrimônio líquido oscila. O fato de ter tido sucesso não muda suas origens. Ele nunca se esqueceu de onde veio. Este é o sonho americano e Cuellar está no serviço público para torná-lo real para muitos outros.”

Para o advogado, Cuellar seguiu as regras da ética e do financiamento de campanha: “Não houve acordo nem contrapartida. Suas atitudes nessa matéria foram legais, transparentes e inteiramente coerentes com as ações de muitos dos seus colegas. Foram também coerentes com seus princípios e com os interesses do país.”

A acusação contra Cuellar foi a segunda vez na história moderna em que um membro titular do Congresso Americano foi acusado de agir como agente estrangeiro. O primeiro, o senador Bob Menendez, do estado de Nova Jersey, também se declarou inocente e será julgado esta semana.

De certa forma, contudo, a história de Cuellar – tal como detalhada na acusação, nos registros de financiamento de campanha, nos registros de propriedade e nos ofícios de divulgação do Congresso – traça uma trajetória familiar em Washington. Com frequência, os recém-chegados ao Congresso são seduzidos pelos benefícios do cargo e rapidamente descobrem que suas finanças pessoais e sua vida política estão interligadas.

Interesses particulares de pessoas e empresas com muito dinheiro no bolso geram contribuições para comitês de ação política e patrocínio de viagens, além de pagamentos para membros da família. Em Washington, doadores, colegas ricos e lobistas convidam os membros do Congresso para clubes exclusivos e eventos de gala. Em seus distritos, são cortejados por empresários que buscam favores.

A tentação pode ser mais difícil de resistir para o grupo relativamente pequeno de políticos de origem humilde que, durante grande parte do ano, lutam para pagar as contas e tentam equilibrar as despesas da família no país de onde vieram com o elevado custo de vida de Washington.

Em sua declaração, Cuellar sugeriu que o Comitê de Ética da Câmara e um “escritório de advocacia nacional” não identificado haviam exposto sua atividade financeira.

A declaração pública e os comentários de seu advogado sugerem uma possível linha de defesa. Classificaram o comportamento de Cuellar no Congresso como sendo de formulação de políticas locais, sem relação com qualquer interesse de outros países. A declaração de Cuellar insinua que os pagamentos feitos à sua esposa foram devidos ao trabalho de consultoria que ela tinha o direito de fazer com base nas habilidades que possui e que foram usadas para que ganhasse a vida.

Embora existam páginas e mais páginas de regras que restringem receitas externas, presentes e gastos de campanha, os membros do Congresso, muitas vezes, se cercam de funcionários bajuladores e pouco inclinados a se opor, bem como de advogados que oferecem conselhos sobre como transitar pelas leis que restringem o gasto do dinheiro do contribuinte e dos doadores.

Para Jackie Speier, que deixou o cargo no ano passado, depois de 15 anos como representante democrata pela Califórnia, “é uma história antiga que acontece com as pessoas. Você vê quando a luz delas fica muito brilhante e a bússola moral que carregam não mede o que é certo e o que é errado”. No Congresso, Speier foi uma das principais apoiadoras da Armênia, rival regional do Azerbaijão.

A acusação não identificou a congressista Speier pelo nome, mas se refere a mensagens de texto nas quais Cuellar e seus contatos no Azerbaijão procuravam neutralizar os esforços dela para fornecer financiamento à Armênia, o que o Azerbaijão considerava uma bofetada na cara. Ela se recusou a comentar as acusações contra Cuellar, dizendo apenas que “o Congresso pode ser um ambiente inebriante”.

Os gastos detalhados na acusação incluem o uso de dinheiro estrangeiro para pagar US$ 58 mil em despesas com cartão de crédito e outras dívidas, financiar a subsistência e fazer compras, incluindo um vestido personalizado de US$ 12 mil para Imelda Cuellar e uma entrada de US$ 7 mil para um carro novo. A peça de acusação mostra uma imagem de Henry Cuellar muito diferente daquela que ele projetou em Laredo.

Alguns constituintes, no entanto, disseram que o casal nunca exibiu sua riqueza, mesmo quando se mudou para o condomínio fechado. Melissa R. Cigarroa, vereadora de Laredo que apoiou o congressista em suas recentes disputas nas primárias, afirmou que os Cuellar, e especificamente Imelda Cuellar, não eram ostentadores.

Em um anúncio de campanha, Cuellar disse: “Lavei pratos enquanto trabalhava duro no caminho do Laredo College para a Universidade de Georgetown.” Também mencionou que, depois de se formar em administração e direito, “recusei empregos nas grandes cidades e voltei para Laredo para fazer coisas importantes”. Abriu o próprio escritório de advocacia e foi eleito para a Câmara dos Representantes do Texas em 1986, aos 30 anos, servindo ali durante 14 anos. Em 2001, foi escolhido por Rick Perry, republicano que governou o Texas, para ocupar uma secretaria de Estado.

Ao longo do caminho, montou um pequeno portfólio de imóveis para alugar em Laredo. Criou uma empresa chamada HC Rentals para administrar os imóveis, incluindo a casa de sua infância, que é de sua irmã, e a casa ao lado, de sua propriedade. Em outra empresa que controlava, a HC Air, operava com um pequeno avião particular que comprou antes de ser eleito para o Congresso.

Sua atividade política começou a se sobrepor aos negócios e à família.

Durante as primeiras campanhas para o Congresso, seu comitê informou à Comissão Eleitoral Federal (FEC, em inglês) que pagou US$ 11.500 em aluguel para seu escritório de advocacia e para sua empresa imobiliária, a HC Rentals. Os registros, entretanto, também mostram que Cuellar doou cerca de US$ 159 mil em aluguel, móveis e equipamentos de escritório para sua campanha. Cerca de US$ 92 mil foram pagos pela campanha à HC Air por viagens aéreas, antes que ele vendesse seu avião, em 2011, por US$ 100 mil, como mostram os registros da FEC e as declarações financeiras pessoais.

Mais tarde, sua campanha pagaria mais de US$ 15 mil a seus familiares, de acordo com os registros da FEC, incluindo sua esposa, as duas filhas e a irmã Rosie Cuellar, ex-funcionária do condado de Webb que concorre agora à Câmara do Estado do Texas. O irmão de Cuellar, Martin, é o xerife do condado de Webb.

Em 2013, Henry Cuellar revelou que havia contraído dívidas totalizando US$ 1.150.000, incluindo um empréstimo que inicialmente variava de US$ 50 mil a US$ 100 mil de um doador para comprar outra propriedade em Laredo. O doador, Rasoul Khaledi, é dono de uma cadeia de lojas duty-free ao longo da fronteira mexicana, inclusive em Laredo, e de duas em outros locais do México. Ele e sua família doaram dezenas de milhares de dólares para as campanhas de Cuellar, e quatro dos filhos de Khaledi conseguiram um estágio não remunerado no gabinete do congressista, conforme relatado pelo Centro de Integridade Pública. Khaledi não respondeu aos pedidos de comentários para este artigo.

Quando os empréstimos começaram a aparecer nas demonstrações financeiras pessoais de Cuellar, ele culpou a crise econômica.

Não está claro por que razão os interesses do Azerbaijão e do México inicialmente foram direcionados a Cuellar, embora a indústria petrolífera do Azerbaijão, incluindo a empresa estatal que os procuradores dizem ter financiado os pagamentos aos Cuellar, mantenha forte presença no Texas.

Sylvia Bruní, líder do partido Democrata em Webb County (Sergio Flores for The New York Times)



Sylvia Bruni, presidente do Partido Democrata do condado de Webb, em uma mensagem aos democratas locais, chamou de “angustiantes” as alegações da acusação. “Elas lançaram uma nuvem negra sobre nossos sinceros esforços em nome de nossa comunidade.” Escreveu também que “o partido permanecerá em silêncio com relação às alegações, presumindo inocência e confiando em que o sistema judiciário funcionará de forma justa”.

À medida que a notícia da acusação de Cuellar se espalhava, na semana passada, os constituintes se mostraram chocados com as alegações, que diziam estar em desacordo com o homem que conheciam. Em entrevistas com mais de duas dezenas de eleitores em seu distrito, Cuellar foi descrito como humilde, trabalhador ou, simplesmente, “un buen hombre” (um homem bom).




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