Um mês após o fim dos protestos que levaram milhares de pessoas às ruas do Equador, a população está mais unida e pronta para reconstruir as vias e prédios atingidos durante os 11 dias de manifestações. É essa a impressão do brasileiro David Melo, que tem 28 anos e trabalha em Quito há oito meses como missionário.
“Eu percebo que, depois dessa paralisação, os equatorianos estão mais unidos. O que se vê nas ruas é o esforço de reconstrução. Onde moro, no centro histórico, parte dos edifícios foi danificada e algumas praças e vias públicas foram destruídas, mas há uma grande mobilização de pessoas que querem se voluntariar para reerguer o que foi comprometido”, aponta, em entrevista ao R7.
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Protestos contra pacote de Moreno
Entre os dias 2 e 13 de outubro, as passeatas e bloqueios — liderados por movimentos indígenas — aconteceram em diferentes cidades do Equador contra um polêmico decreto do presidente Lenín Moreno que poria fim aos subsídios a combustíveis no país.
Em resposta à revolta popular, o governo chegou a decretar um toque de recolher e transferiu sua sede de Quito para a cidade de Guayaquil. A Defensoria do Povo calcula que, em conflito com as forças policiais, dez pessoas morreram e centenas ficaram feridas.
“Por 11 dias, não conseguíamos sair para a rua. Inclusive, trabalho em um albergue e fomos obrigados a fechar as portas porque parte dos venezuelanos que atendemos estavam recebendo ameaças de morte”, conta o brasileiro.
Apoio da população
Na opinião de Melo, ainda que uma onda de violência tenha sido desencadeada pelos protestos, a população da capital equatoriana, de forma geral, apoiou as manifestações.
“Eu presenciei a chegada dos indígenas que vieram de suas comunidades para Quito e notei que o pessoal da cidade, mesmo que não tenha saído para protestar, aprovou o movimento.”
Os atos só se encerraram depois que o presidente Lenín Moreno se reuniu com as lideranças indígenas e decidiu, em 13 de outubro, derrubar o decreto que acabava com o subsídio sobre o preço dos combustíveis. No dia 14, os manifestantes voltaram às ruas — mas para festejar a vitória do povo.
“O acordo foi firmado num domingo e, na quarta-feira, quase tudo já estava normalizado.O mais bonito, para mim, é que os próprios indígenas, antes de voltarem para suas comunidades, fizeram uma limpeza geral nos pontos onde houve confrontos e nos locais onde estavam abrigados”, acrescenta David Melo.
Em Latacunga
O jovem Marco Dutra, que é do Brasil mas estuda jornalismo na província de Cotopaxi, que fica a 89 km da capital equatoriana, viveu dias parecidos com os de Melo.
“A maioria da população é indígena em Latacunga, onde moro, e a primeira coisa que eles fizeram foi bloquear a estrada que leva até Quito. Ninguém podia entrar e nem sair da cidade”, explica.
O estudante aponta que, em Latacunga, alguns grupos ainda saíam às ruas exigindo que comerciantes fechassem seus estabelecimentos.
“Algumas vezes, eles foram violentos. Foi possível sair de casa, mas só a pé, para ir até minimercados próximos. Mas como as estradas foram fechadas, os produtos começaram a faltar”, diz Dutra.
Tranquilidade e expectativa
Passados 30 dias desde o fim dos atos, o jovem conta que o clima na cidade é de tranquilidade.
“Há uma certa expectativa, porém, porque o governo prometeu que anunciaria medidas em relação à dívida externa do Equador e até agora não se viu nada. A população quer explicações”, completa.
Depois de revogar o decreto, o presidente Moreno propôs uma mesa de diálogo com representantes de povos indígenas e outros setores sociais para avaliar mecanismos de direcionamento para os subsídios aos combustíveis.
A imprensa local aponta que os indígenas querem incluir ainda outros temas no debate, como uma revisão do acordo do Equador com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Na última semana, entretanto, o novo comandante das Forças Armadas do país, Luis Lara, elevou o tom: disse que não permitirá a repetição de "motins" que afetem a paz e a segurança dos equatorianos.