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Como os manguezais protegem a biodiversidade e reduzem os impactos das mudanças climáticas

Em Curaçao, visitantes podem explorar o habitat das árvores e pequenos caminhos através da vegetação

Internacional|Elisabeth Goodridge, do The New York Times

Parque de Manguezais Curaçao Rif (Frank Meyer/The New York Times)

Era uma tarde ensolarada de fevereiro, no auge da alta temporada na ilha caribenha de Curaçao, mas eu e meu parceiro, Aaren, não estávamos relaxando em uma praia de areia branca, mergulhando sobre recifes de coral ou passeando entre os prédios coloridos, semelhantes a ovos de Páscoa, de Willemstad, capital de Curaçao e Patrimônio Mundial da Unesco – atividades típicas para viajantes nessa antiga colônia holandesa.

Em vez disso, em um passeio de caiaque com Serlon St Jago, guia do Parque de Manguezais Curaçao Rif, estávamos aprendendo sobre a restauração dos manguezais do país e o papel vital que desempenham na resiliência costeira, na proteção que fornecem às espécies marinhas e às aves, e sua importância no combate aos efeitos das mudanças climáticas.

Não existem cobras venenosas, jacarés ou grandes predadores em Curaçao, disse St Jago – informação tranquilizadora enquanto remávamos em direção a uma parede de mangues ameaçadora que margeava a Baía de Piscadera. De perto, as árvores eram magníficas e alegres. Pássaros coloridos pousavam em galhos e troncos emaranhados, e pequenos caminhos sob as folhas verdes e ocasionalmente amarelas nos convidavam para explorar o lugar. Com nossos caiaques atracados, St Jago apontou para os caranguejos-violinistas e os mexilhões, descrevendo as diferenças das espécies nos mangues locais – o vermelho, o branco e o preto – e como se adaptaram para viver e se propagar onde a água encontra a terra. “Tem muita vida aqui”, comentou ele com um entusiasmo contagiante.

Éramos os únicos turistas na água, mas atrair mais visitantes como nós, interessados nos manguezais, e talvez até convencê-los a replantar algumas das árvores vitais, tem sido uma prioridade dos cientistas, ativistas, guardas-florestais e operadores de turismo em Curaçao nos últimos anos.

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A ilha não está sozinha em seus esforços: ações semelhantes voltadas para manguezais começaram ao redor do mundo, em lugares como a Indonésia, a Austrália, Belize e a Flórida, à medida que destinos frágeis equilibram o crescimento do turismo com a conservação – e a restauração – dos recursos naturais que cativam os visitantes.

“Os recifes de coral recebem toda a atenção. Mas os manguezais são, provavelmente, muito mais importantes. Em relação a esse ecossistema, minha analogia favorita é que ele é como um canivete suíço, porque fornece muitos benefícios distintos e pode fazer muitas coisas diferentes”, afirmou Gabby Ahmadia, vice-presidente do programa de oceanos do Fundo Mundial para a Natureza (WWF, em inglês), que supervisiona os projetos de ciência e restauração de manguezais da instituição.

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Recuperação de manguezais (Frank Meyer/The New York Times)

Embora essas florestas estejam próximas das atrações e das atividades que tradicionalmente atraem os visitantes para o oceano, mudar as percepções pode ser difícil. Para proteger o ambiente, os passeios de caiaque pelos manguezais podem ter – assim como a maioria dos passeios de snorkel, pesca e observação de pássaros oferecidos em outros destinos – um número limitado de visitantes que precisam demonstrar um interesse prévio na atividade. Considerando as leituras de verão, os brinquedos de praia, as tradições familiares e os dias de férias contados, a maioria dos turistas pode facilmente concordar com o velho ditado: “A vida é melhor na praia.”

A base para a vida

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Os galhos tortuosos, os troncos e as raízes distintas acima do solo dos manguezais contradizem a representação comum de uma árvore retratada por uma criança. As raízes podem arquear para cima, surgir como espinhos da água ou formar pilares acima e abaixo da superfície. Adaptadas a solos pobres em oxigênio, à alta salinidade e ao fluxo constante da zona entremarés, os mangues costeiros prosperam onde outras árvores e arbustos pereceriam. A menos que já estejam amarelas, as folhas são verdes, e algumas, se lambidas, têm sabor salgado.

As florestas de mangue podem parecer impenetráveis, lamacentas, fedorentas e pantanosas. Ao longo de séculos, foram desmatadas para a extração de lenha, a agricultura, o desenvolvimento urbano, a aquicultura e sim, o turismo. Em Curaçao, os manguezais atualmente são encontrados em apenas 0,012 por cento da ilha. Em âmbito mundial, mais da metade das florestas de mangue foram derrubadas ou destruídas nos últimos 50 anos. O desmatamento diminuiu – mas não foi interrompido – nos últimos anos, e o aumento do nível do mar e da incidência de chuvas causaram ainda mais danos.

Mas os mangues costeiros – existem cerca de 60 espécies no mundo inteiro – são a base para a vida acima e abaixo da água. Com sistemas radiculares intrincados, atuam como berçários ecológicos para alevinos e outras formas de vida marinha. Os galhos e troncos oferecem locais seguros para alimentação e nidificação de pássaros como a mariquita-amarela, a garça-tricolor e outras espécies de aves, répteis – como as iguanas – e diversos insetos.

Essas raízes fortemente ancoradas também protegem contra inundações, erosão e marés, reduzindo a velocidade da água do mar e aprisionando a sujeira e os detritos. Ainda mais importante: as florestas de mangue são extraordinárias para diminuir os efeitos do aquecimento global, absorvendo e armazenando carbono anualmente a uma taxa dez vezes maior do que as florestas tropicais. Os manguezais, bem como outros pântanos costeiros, “sequestram carbono suficiente a cada ano para compensar a queima de mais de um bilhão de barris de petróleo”, de acordo com a organização não governamental The Nature Conservancy.

Ryan de Jongh cresceu em Curaçao (Frank Meyer/The New York Times)

Começo sorrateiro

Ryan de Jongh, de 53 anos, nativo de Curaçao, ativista e guia turístico, é a personificação viva do turismo regenerativo. Desempenhou um papel significativo na manutenção de um ecossistema exuberante e próspero na Baía de Piscadera, sendo um exemplo de como uma pessoa pode fazer a diferença.

De Jongh cresceu nadando na baía e viu os manguezais da área sendo desmatados por causa de combustível e da construção civil. Em 2006, plantou sorrateiramente a primeira árvore de mangue – uma única muda pode amadurecer em cerca de 15 anos e originar várias outras – e, atualmente, segundo ele, mais de cem mil árvores estão crescendo. Fez plantios igualmente discretos em outros estuários e baías, tornando-se um herói local nesse processo. Além de oferecer passeios de caiaque, agora trabalha em projetos de restauração sancionados pelo governo. Seu objetivo é chegar a um 1,3 milhão de árvores plantadas na ilha: “Tenho de, literalmente, fazer um deserto voltar a ser verde.”

O interior de Curaçao certamente parece um deserto, com uma paisagem seca e empoeirada de cactos e outras suculentas. Com as ilhas vizinhas mais próximas, Aruba e Bonaire, Curaçao está fora do cinturão de furacões do Caribe e recebe uma quantidade mínima de chuva. As pessoas na ilha consomem água do mar dessalinizada.

Os ventos alísios trazem temperaturas mais amenas. No século XVI, também trouxeram europeus que escravizaram e deportaram a população indígena e transformaram Curaçao em um porto de escravos. Os colonizadores também plantaram laranja, cana-de-açúcar e outras espécies não nativas, com diferentes graus de sucesso, e desenvolveram salinas imensas para exportação, mas foi a construção de uma refinaria de petróleo, em 1918, e o turismo crescente que geraram empregos em grande escala. A refinaria fechou em 2019 – nove anos depois de Curaçao votar para que se tornasse uma nação semiautônoma dos Países Baixos –, evento que enfatizou ainda mais a importância do turismo para a economia local. No ano passado, a ilha, que tem só 65 quilômetros de comprimento, recebeu 1,3 milhão de visitantes.

Plasa Bieu, o Mercado Velho, onde pequenos produtores cozinham e vendem comida local (Frank Meyer/The New York Times)

Aaren e eu fizemos nossa parte para apoiar a economia: em Willemstad, isso significa comer na Plasa Bieu, o Mercado Velho, onde pequenos produtores cozinham e vendem comida local. Brigamos pela cavala frita e por uma arepa di pampuna – panqueca de abóbora –, mas fomos alertados sobre a sopa de cacto: “Moro aqui, mas não como isso”, disse outro cliente. Também tiramos fotos, como tantos outros visitantes, enquanto atravessávamos a ponte flutuante Rainha Emma, e a observamos abrindo e fechando para o tráfego marinho.

Esperamos em uma fila de uma hora, cheia de locais, no restaurante de frutos do mar De Visserij Piscadera (“abatendo e filetando” desde 2017), no qual os clientes escolhem e compram seus filés de peixe antes de sentar; bebemos ponche de orégano pela primeira vez (pense em chá gelado de menta, mas com orégano, e deliciosamente refrescante); e devoramos camarões grelhados e atum fresco cru.

Mais ao norte, comemos “williburgers” – hambúrgueres de cabra – no Marfa’s GoodHangout, em Sint Willibrordus, que tem vista para uma antiga salina na qual, infelizmente, não havia flamingos residentes naquele dia, e nos encantamos ao encontrar um viveiro de corais enquanto praticávamos mergulho em frente à lotada Praia de Kokomo.

Os recifes de coral, cruciais para o turismo e a indústria pesqueira de Curaçao, são avaliados em mais de US$ 445 milhões anualmente, de acordo com uma análise econômica de 2016 publicada pelo Instituto Waitt, entidade sem fins lucrativos. E eles, que suportam cerca de 25 por cento de toda a vida marinha, estão sofrendo branqueamento cataclísmico e doenças causadas ou agravadas pelas mudanças climáticas. Nos últimos dez anos, os cientistas entenderam melhor a simbiose entre esses ecossistemas e os manguezais: eles não precisam um do outro para existir, mas a proximidade traz benefícios para os dois.

“Trabalhando nesse campo da conservação, você começa de determinada perspectiva e depois percebe que tudo está conectado. Podemos trabalhar em recifes de coral, mas devemos pensar em pradarias marinhas e manguezais, porque todos estão verdadeiramente associados. E, é claro, eles também se interligam ao ambiente humano”, disse Ahmadia, do WWF.

Certa manhã, Aaren e eu caminhamos pelo Parque de Manguezais Curaçao Rif, com aproximadamente 12 hectares, a uma curta distância do centro de Willemstad e ainda mais perto do terminal de navios de cruzeiro da ilha. Aberto desde 2022, o parque oferece passeios guiados e excursões com dispositivos de áudio, passarelas elevadas, programas para escolas locais e um sistema de taxa de entrada escalonada (o florim das Antilhas Neerlandesas e o dólar americano são aceitos) para residentes e visitantes estrangeiros. Em 2023, aproximadamente 17.766 pessoas visitaram o parque, aumento de 14.687 em relação a 2022.

Manfred van Veghel é o novo diretor da Fundação para Pesquisa e Gestão da Biodiversidade do Caribe, que supervisiona o parque de manguezais e outros cinco parques nacionais. Trabalhando com o governo de Curaçao, operadores turísticos locais e ativistas como de Jongh, van Veghel visa expandir o acesso ao parque, construir uma ponte elevada e adicionar um centro de visitantes, entre outros objetivos. Os esforços fazem parte de seu desejo de transformar Curaçao em um destino turístico mais voltado para a natureza. “Tivemos um recorde no ano passado, e está havendo um esforço para ultrapassá-lo”, disse ele sobre o número de visitantes anuais de Curaçao, afirmando também que as praias estão ficando lotadas. “Por isso precisamos oferecer outras atividades, e o parque de manguezais é uma excelente opção.”

Mark Spalding, cientista sênior de ciências marinhas da Nature Conservancy e cientista líder da iniciativa Mapping Ocean Wealth, ferramenta on-line que aplica valor econômico aos ecossistemas costeiros, afirmou que um dos atrativos das atividades nos manguezais, como passeios de barco e caminhadas, é que, “sem ter de atravessar a Amazônia durante horas e horas, você pode ter com muita rapidez e facilidade a sensação e a experiência da natureza selvagem, além da paz e da tranquilidade. Podem ser só duas horas de suas férias inteiras, mas o que você leva para casa é a história que vai contar”.


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