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Contra a China, os Estados Unidos jogam perigosamente na Ásia

Risco é fragmentar ainda mais a região Ásia-Pacífico, dominada por uma corrida armamentista cada vez mais intensa

Internacional|Mike M. Mochizuki e Michael D. Swaine, do The New York Times

Governo norte-americano tenta criar pactos de segurança similares à Otan na região do Pacífico (Adam Schultz/Flickr/The White House - 14.12.2023)

Neste mês, o presidente Biden organizou um dos jantares oficiais mais luxuosos que se tem notícia na memória recente de Washington. Celebridades e bilionários se reuniram na Casa Branca para a ceia em homenagem ao primeiro-ministro japonês Fumio Kishida, que posou para fotos ao lado de uma bem escolhida coleção de fãs do Japão. Jeff Bezos apareceu; Paul Simon forneceu o entretenimento.

O espetáculo fez parte de uma série de eventos cuidadosamente orquestrados para mostrar a renovada relação Estados Unidos-Japão – e a notável transformação das alianças no campo da segurança, que o primeiro país está implantando na Ásia. No dia seguinte, o presidente filipino Ferdinand Marcos Jr. também esteve em Washington para uma cúpula histórica Estados Unidos-Japão-Filipinas, durante a qual foi anunciada uma nova parceria em estratégias de segurança trilateral.

Os dois eventos foram direcionados ao mesmo espectador: a China.

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Ao longo dos últimos anos, Washington construiu uma série de acordos de segurança multilaterais parecidos com esses na região da Ásia-Pacífico. Embora autoridades norte-americanas afirmem que a recente mobilização de aliados e parceiros não visa a China, não acreditem nisso. Em um discurso ao Congresso, em 11 de abril, Kishida enfatizou que a China representa “o maior desafio estratégico” tanto para o Japão como para a comunidade internacional.

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A atividade recente da China é obviamente preocupante. Suas forças armadas se mostram cada vez mais potentes para confrontar os EUA e os aliados no Pacífico Ocidental. Há pouco tempo, comportaram-se de forma agressiva no Mar da China Meridional, no Estreito de Taiwan e em outros locais, deixando seus vizinhos alarmados.

Entretanto, as tentativas de Washington de montar uma rede cada vez mais complexa de laços de segurança vem se tornando um jogo perigoso. Esses laços incluem melhorias nas capacidades de defesa, mais exercícios militares conjuntos, uma troca mais profunda de informações, novas iniciativas na produção de defesa, cooperação tecnológica e reforço do planejamento de contingência e de coordenação militar. Tudo isso pode fazer com que Pequim fique mais cautelosa quanto ao uso flagrante da força militar na região. Mas a nova estrutura de alianças, por si só, não garante em longo prazo a paz e a estabilidade regional – e pode até aumentar o risco de tropeçar em um conflito.

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A parceria de segurança lançada este mês em Washington é apenas a mais recente de uma série de novas configurações de defesa que abrangem toda a Ásia e o Pacífico. Em 2017, o Diálogo Quadrilateral de Segurança, conhecido como Quad, foi relançado, promovendo a colaboração entre os Estados Unidos, o Japão, a Austrália e a Índia. Em setembro de 2021, a Austrália, o Reino Unido e os Estados Unidos iniciaram sua parceria, conhecida como Aukus, e os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do Sul, em uma cúpula promovida na residência oficial de Camp David, em agosto passado, comprometeram-se a promover uma cooperação mais estreita.

Todos esses movimentos foram motivados, principalmente, pela preocupação com Pequim. Os EUA forçaram os países da região a criar uma versão asiática da Otan, destinada a conter a China, mas sem a equivalência a um pacto de defesa militar compartilhado – como é a Otan, cujo Artigo Cinco considera que um ataque armado a um membro é “um ataque a todos os países do Tratado”. Mas Pequim, certamente, considerará o último acordo firmado entre os Estados Unidos, o Japão e as Filipinas – nação com a qual tem uma disputa territorial no Mar do Sul da China – como mais uma confirmação das tentativas lideradas por Washington de ameaçar seus interesses.

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Ainda não está claro como Pequim responderá. Mas poderá redobrar sua aposta na expansão das capacidades militares e intensificar o uso da força militar e paramilitar para fazer valer suas reivindicações territoriais na região, especialmente no que diz respeito à delicada questão de Taiwan. Pequim também poderá promover uma maior cooperação militar com a Rússia, sob a forma de exercícios militares ampliados e movimentação de tropas.

O resultado pode ser a eclosão de uma região Ásia-Pacífico ainda mais dividida e perigosa do que é hoje, dominada por uma corrida armamentista cada vez mais intensa. Nesse ambiente controverso e militarizado, é provável que algum incidente político ou acidente militar desencadeie uma guerra regional devastadora, dada a ausência de canais significativos de comunicação para a solução de crises e para evitar que qualquer incidente entre os EUA, e seus aliados, com a China saia do controle.

Diplomacia pode ser a solução

Para evitar esse pesadelo, os EUA e seus aliados e parceiros devem investir muito mais na diplomacia com a China, além de reforçar a dissuasão militar.

Para começar, os Estados Unidos e aliados importantes, como o Japão, deveriam fazer um esforço sustentado para estabelecer um diálogo duradouro sobre prevenção e gestão de crises com a China, envolvendo a política externa e as agências de segurança de cada nação. Até agora, esses diálogos têm se limitado, principalmente, a assuntos militares. É fundamental que tanto os responsáveis civis como os militares compreendam que existem muitas fontes possíveis de crises inesperadas. Eles precisam desenvolver formas de preveni-las ou de administrá-las, caso ocorram. Esse processo deve incluir o estabelecimento de um conjunto comum de melhores práticas entre os líderes para que a gestão de crises tenha um canal confiável, mas não oficial, por meio do qual as partes relevantes possam discutir entendimentos e evitar problemas.

O foco imediato dos Estados Unidos e do Japão deveria ser a tentativa de evitar ações que aumentem as tensões na região do Estreito de Taiwan. O deslocamento de instrutores militares americanos para Taiwan, em um fluxo que parece ser permanente, e a sugestão dada por alguns funcionários graduados e por analistas políticos americanos de que Taiwan seja tratada como um elemento importante de segurança dentro do estado geral de defesa dos EUA na Ásia são desnecessariamente provocativos e contradizem abertamente a antiga política norte-americana chamada “uma só China”, sob a qual os Estados Unidos pararam de enviar forças militares para Taiwan e deixaram de encarar a ilha como um local-chave para sua segurança, passando a se preocupar somente com o fato de que Taiwan seja tratada pacificamente e sem coerção.

O Japão, por seu lado, também se tornou mais cauteloso em relação à sua visão da política de “uma só China”. Relutou em reafirmar explicitamente que Tóquio não apoia a independência de Taiwan. As recentes declarações de alguns líderes políticos em Tóquio sobre colocar forças militares japonesas prontas para ajudar a defender Taiwan têm potencial para inflamar os líderes chineses. Historicamente, todos se lembram de que o Japão tomou Taiwan depois da Guerra Sino-Japonesa, de 1894 a 1895.

Washington e Tóquio deveriam ratificar de forma clara os compromissos firmados anteriormente com relação à disputa China-Taiwan. O Japão também deveria confirmar que não apoia nenhum movimento unilateral de Taiwan em direção à independência. E deveria também resistir aos esforços contínuos dos EUA para obrigar o Japão a se comprometer com a defesa de Taiwan. Embora as autoridades americanas tenham instigado o Japão a participar do planejamento militar visando um conflito em Taiwan, a maioria dos residentes japoneses não é a favor de lutar para defender Taiwan. Tóquio pode contribuir melhor para dissuadir a China, concentrando-se no reforço de sua capacidade de defender as próprias ilhas.

Washington e seus aliados deveriam adotar uma abordagem mais positiva em relação à China, com o objetivo de promover a acomodação e a contenção. Trabalhar para preservar garantias mútuas, impor barreiras aos deslocamentos militares chineses, tais como os das forças anfíbias, e limitar o alcance dos mísseis chineses apontados para Taiwan. Em troca, os EUA respeitariam limites nos níveis e tipos de armas que fornecem à ilha. Poderiam também explorar o aumento da cooperação com a China no que se refere à segurança contra ciberataques, à defesa das rotas marítimas e à proliferação de armas de destruição em massa, além de colaborar mais intensamente para combater as alterações climáticas e o surto de outra pandemia.

A China, é claro, tem seu papel a desempenhar. Afinal, Pequim, tal como Washington, quer evitar uma crise e um conflito na região. A contrapartida deveria vir na forma de uma abordagem mais cooperativa por parte dos EUA e de seus aliados, moderando o comportamento coercivo em relação às disputas marítimas.

Nada disso será fácil, dada a intensa desconfiança que agora existe entre Pequim e Washington e seus aliados. Mas novas ideias e novos esforços diplomáticos poderão incentivar a China a retribuir de forma significativa. No mínimo, é necessário tentar. Concentrar-se apenas na dissuasão militar não vai funcionar. Tentar encontrar uma maneira de cooperar com a China é a melhor forma – talvez a única – de manter o mundo longe de um desastre.

c. 2024 The New York Times Company

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