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‘Iluminação de nuvens’: cientistas testam método controverso para reverter o calor intenso

Tecnologia testada pela primeira vez ao ar livre tem como objetivo refletir uma parte dos raios solares de volta ao espaço

Tecnologia e Ciência|Christopher Flavelle, do The New York Times

Pesquisadores testam tecnologias que refletem a luz do Sol e podem resfriar o planeta (Ian C. Bates/The New York Times - 02.04.2024)

Pouco antes das nove da manhã de terça-feira, 23 de abril, um engenheiro chamado Matthew Gallelli se agachou no convés de um porta-aviões desativado na Baía de San Francisco, colocou um par de protetores de ouvido e apertou um botão.

Alguns segundos depois, um dispositivo parecido com uma máquina de neve começou a roncar e depois produziu um silvo grande e ensurdecedor. Uma névoa fina, de minúsculas partículas de aerossol, saiu da boca do equipamento, subindo a centenas de metros no ar.

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Foi o primeiro teste ao ar livre, nos Estados Unidos, de uma tecnologia projetada para iluminar as nuvens e refletir uma parte dos raios solares de volta ao espaço. É uma forma de resfriar temporariamente o planeta que está perigosamente superaquecido. Os cientistas envolvidos queriam testar se a máquina – que levou anos para ser desenvolvida e construída – poderia pulverizar efetivamente a atmosfera com aerossóis de sal do tamanho certo. O teste foi feito em uma estrutura fora do laboratório.

Se o teste funcionar, a próxima etapa será tentar mudar a composição das nuvens acima dos oceanos da Terra.

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À medida que os humanos continuam a queimar combustíveis fósseis e a despejar quantidades crescentes de dióxido de carbono na atmosfera, o objetivo de manter o aquecimento global em um nível relativamente seguro parece desaparecer a cada dia. Isso impeliu a busca pela intervenção proposital nos sistemas climáticos.

Uma equipe de pesquisadores usa lasers para detectar partículas no ar no laboratório (Ian C. Bates/The New York Times - 29.03.2024)

Universidades, fundações, investidores privados e o governo federal norte-americano começaram a financiar uma série de tentativas, desde a sucção de dióxido de carbono da atmosfera até a adição de ferro ao oceano, em um esforço para armazenar dióxido de carbono no fundo do mar.

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“A cada ano, temos novos registros de alterações climáticas, temperaturas recordes e ondas de calor, o que nos leva a procurar mais alternativas”, disse Robert Wood, cientista-chefe da equipe da Universidade de Washington, que gerencia o projeto de iluminação de nuvens no mar.

A iluminação de nuvens é uma das várias ideias para refletir a energia solar de volta ao espaço – às vezes chamada de modificação da radiação solar, geoengenharia solar ou intervenção climática. Em comparação com outras opções, como a injeção de aerossóis na estratosfera, a iluminação de nuvens marinhas seria localizada e utilizaria aerossóis de sal marinho relativamente benignos, em oposição a outros produtos químicos.

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Mas a ideia de interferir na natureza é tão controversa que os organizadores do teste de terça-feira mantiveram os detalhes em segredo, preocupados com a possibilidade de que críticos tentassem impedi-los. Embora a administração Biden esteja financiando pesquisas sobre diferentes intervenções climáticas, a Casa Branca se distanciou do estudo da Califórnia, enviando uma declaração ao “The New York Times”: “O governo dos EUA não está envolvido no experimento de Modificação da Radiação Solar que está sendo feito em Alameda, na Califórnia, ou em qualquer outro lugar.”

Em 1990, um físico britânico chamado John Latham publicou uma carta na revista “Nature”, sob o título “Controle do Aquecimento Global?”, na qual apresentava a ideia de que a dispersão de pequenas partículas nas nuvens poderia compensar o aumento das temperaturas.

Em uma imagem de satélite fornecida pelo Observatório da Terra da NASA, um navio rastreia o nordeste do Oceano Pacífico, perto do Alasca (NASA Earth Observatory via The New York Times)

Latham tinha uma proposta que pode ter parecido bizarra na época: criar uma frota de mil embarcações não tripuladas e movidas a vela para atravessar os oceanos do mundo, pulverizando continuamente pequenas gotas de água do mar em direção ao ar, para desviar o calor solar da Terra. A ideia se baseia em um conceito científico denominado efeito Twomey, no qual um grande número de pequenas gotículas reflete mais luz solar do que um pequeno número de gotículas grandes. A injeção de quantidades maiores de aerossóis minúsculos, que por sua vez formam muitas gotículas pequenas, poderia alterar a composição das nuvens. “Se conseguirmos aumentar a refletividade em cerca de três por cento, o resfriamento vai equilibrar o aquecimento global causado pelo aumento de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Nosso esquema oferece a possibilidade de ganhar tempo”, disse Latham, falecido em 2021, à BBC.

Iluminar nuvens não é tarefa fácil. Para ser bem-sucedida, é preciso acertar o tamanho dos aerossóis: partículas muito pequenas não fariam efeito, disse Jessica Medrado, cientista pesquisadora que trabalha no projeto. Se forem muito grandes, o tiro pode sair pela culatra, tornando as nuvens menos refletivas do que antes. O tamanho ideal são partículas submicrométricas com cerca de 1/700 da espessura de um fio de cabelo humano, acrescentou ela.

Em seguida, é necessário poder expelir muitos desses aerossóis de tamanho correto no ar: um quatrilhão de partículas, mais ou menos, a cada segundo. “Mas, no momento, não existe nenhuma solução pronta para uso”, informou Medrado.

Nomes importantes

A resposta para esse problema veio de algumas das figuras mais proeminentes da indústria tecnológica dos Estados Unidos.

Em 2006, o fundador da Microsoft, Bill Gates, recebeu uma breve comunicação de David Keith, um dos principais pesquisadores em geoengenharia solar, apresentando a ideia de tentar refletir com maior intensidade os raios solares. Gates começou a financiar Keith e Ken Caldeira, outro cientista climático, que já fora desenvolvedor de software, para que aprofundem a investigação.

Armand Neukermans, engenheiro do laboratório Aqua Metrology Systems, onde sua equipe começou a trabalhar em um dispositivo de pulverização de aerossol de sal marinho, na Califórnia (Ian C. Bates/The New York Times - 02.04.2024)

Ambos consideraram a ideia de iluminar as nuvens marinhas, mas antes se perguntaram se seria viável. Procuraram Armand Neukermans, engenheiro do Vale do Silício, dono de 74 patentes. Um de seus primeiros empregos foi na Xerox, onde desenvolveu um sistema para produzir e pulverizar partículas de tinta para copiadoras. Caldeira perguntou a Neukermans se poderia desenvolver um bico que pulverizasse aerossóis de sal marinho, em vez de tinta.

Intrigado, Neukermans, que hoje tem 83 anos, juntou alguns antigos colegas também aposentados e começou a pesquisar em um laboratório emprestado, em 2009, com US$ 300 mil de Gates. Eles se autodenominavam os Velhos Sais.

Posteriormente, o trabalho deles foi transferido para um laboratório maior. Medrado se tornou engenheiro-chefe do projeto há dois anos. No fim do ano passado, o pulverizador estava montado e depositado em um armazém perto de San Francisco.

A máquina estava pronta, mas a equipe precisava de um lugar para testá-la.

A cabine de comando do porta-aviões Hornet se eleva 15 metros acima da costa de Alameda, no lado leste da Baía de San Francisco. Na terça-feira, a nave continha uma série de sensores cuidadosamente calibrados, posicionados no topo de uma fileira de elevadores pantográficos que os erguiam no ar.

Mas a ideia de interferir na natureza é tão controversa que os organizadores do teste de terça-feira mantiveram os detalhes em segredo (Ian C. Bates/The New York Times - 28.03.2024)

Debaixo de uma bandeira dos EUA, na extremidade da cabine de comando, estava o pulverizador pintado de azul brilhante, mais ou menos com o mesmo formato e o tamanho de um holofote, com um anel de minúsculos bicos de aço ao redor de sua boca de um metro de largura. Os pesquisadores o chamam de Cari, que significa Cloud Aerosol Research Instrument (Instrumento de pesquisa de aerossol em nuvem).

De um lado do pulverizador, havia uma caixa do tamanho de um contêiner de transporte que abrigava um par de compressores que forneciam ar altamente pressurizado ao pulverizador através de uma mangueira. Do outro lado, havia um tanque de água. Uma série de interruptores, que foram acionados de acordo com uma criteriosa sequência, alimentavam o dispositivo com água e ar. Ao funcionar, a máquina lançava uma névoa fina em direção aos sensores.

O objetivo era determinar se os aerossóis que saíam do pulverizador, que fora cuidadosamente ajustado para atingir um tamanho específico, permaneciam nesse tamanho enquanto corriam pelo ar em diferentes condições de vento e umidade. Na prática, meses serão necessários para analisar os resultados. Mas as respostas podem determinar se a iluminação de nuvens marinhas funcionará tal como previu Wood.

Kelly Wanser, ex-executiva de tecnologia, ajudou a estabelecer o projeto de iluminação de nuvens marinhas na Universidade de Washington. Em 2018 ela criou a SilverLining, organização sem fins lucrativos para promover pesquisas sobre o que ela chama de “intervenções climáticas de curto prazo”, como a iluminação de nuvens. O grupo de Wanser está contribuindo com parte do financiamento da pesquisa que inclui o estudo a bordo do Hornet.

Os testes poderão continuar por meses ou mais. Wanser declarou que espera que desmistifiquem o conceito de tecnologias de intervenção climática. Ela já está pensando na próxima fase da pesquisa. “O próximo passo é ir para o oceano, apontar o jato um pouco mais alto e tocar as nuvens.”

c. 2024 The New York Times Company

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