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O que mudou no regime Talibã da década de 1990 para o atual?

Grupo extremista governa pela segunda vez o Afeganistão, com um enorme hiato de 20 anos sobrevivendo como insurgência no país

Internacional|Lucas Ferreira, do R7

Soldados do Talibã em 1995 (à esq.) e 2021 (à dir.)
Soldados do Talibã em 1995 (à esq.) e 2021 (à dir.) Soldados do Talibã em 1995 (à esq.) e 2021 (à dir.)

O Talibã assumiu o governo do Afeganistão em 1996 e manteve o controle do regime até 2001, quando os laços próximos do grupo com células terroristas, como a Al-Qaeda, foram usados como pretexto para a invasão dos Estados Unidos, que perdurou por 20 anos.

A retirada das tropas norte-americanas coincidiu com a fuga do ex-presidente do Afeganistão Ashraf Ghani, que viu o Talibã tomar o controle da capital do país, Cabul, em 15 de agosto do ano passado.

Os 20 anos fora do poder fizeram com que o grupo caminhasse com certas realidades do mundo contemporâneo, mas ainda mantivesse fortes laços conservadores, em especial contra o direito das mulheres — duramente atingidas durante o primeiro e o segundo regime talibã.

O professor de relações internacionais da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) Aureo Toledo destaca também a perseguição aos civis do país que colaboraram com as tropas dos Estados Unidos durante os 20 anos de ocupação.

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“Houve inicialmente alguns afegãos e afegãs que contribuíram com os Estados Unidos durante os anos de ocupação. O Talibã foi atrás dessas pessoas para prender, para interrogar. Infelizmente a gente não consegue apurar junto à mídia o que aconteceu com essas pessoas”, conta Toledo ao R7.

Segundo o professor da UFU, os comportamentos do atual Talibã repetem as atitudes daquele primeiro regime da década de 1990, apesar de um discurso focado no mundo internacional em que prega uma maior integralidade entre gêneros.

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“O Talibã disse que ia manter as mulheres estudando, em cargos públicos e respeitar os direitos humanos”, porém, “quando o Talibã faz atrocidades sistemáticas contra os direitos humanos, contra as mulheres em particular, a pauta política parece ser muito semelhante”.

O economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena também destaca essa retórica talibã voltada ao Ocidente, mas que na realidade repete as ações do regime da década de 1990.

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“O que a gente assiste hoje são as mesmas práticas e isso deve continuar porque os líderes que estão no comando também estiveram no regime passado do Talibã”, comenta Lucena ao R7.

Para se manter no poder, o Talibã precisará da ajuda institucional e financeira de outras nações. Segundo o economista, o apoio deve vir de nações que se preocupam menos com as questões de direitos humanos.

“O apoio financeiro para esse novo regime do Talibã pode vir de atores em países liberais onde não há essa preocupação com direitos humanos. Claramente, as nações democráticas reprovam e continuarão a reprovar todo esse novo aparato do Talibã e que de novo não tem nada. Basicamente é uma continuação do que a gente assistiu na época do 11 de setembro.”

Antes isolado, regime Talibã agora busca o mundo

Representantes do Talibã em reunião com integrantes da União Europeia e EUA
Representantes do Talibã em reunião com integrantes da União Europeia e EUA Representantes do Talibã em reunião com integrantes da União Europeia e EUA

Entre 2001 e 2021, as tecnologias de comunicação fizeram grandes avanços. A facilidade para interagir com amigos e familiares do outro lado da Terra é muito maior, e essa questão não é diferente para governos e, em especial, para o Talibã.

O atual regime afegão tenta vender uma imagem menos extremista e mais disposta a interagir com outras culturas. E diferentemente dos anos 1990, outras potências globais surgiram para fazer frente aos Estados Unidos, que lideravam a política internacional a passos largos na época. Para Toledo, o Talibã está voltado neste momento à geopolítica da Ásia Central.

“No mundo do primeiro emirado lá nos anos 1990 você tinha uma grande superpotência, que era os Estados Unidos. A ONU tinha um destaque muito grande também. A interlocução com o Talibã naquela época era tentar barganhar com os EUA, com a ONU. O mundo agora é muito diferente: a gente tem China, Irã e Rússia.”

Até países que agora figuram como potências no Oriente Médio, como o Catar, são procurados pelas relações exteriores do Afeganistão para diálogos envolvendo segurança.

“O Talibã tem como um dos grandes inimigos o Paquistão, que é uma potência regional. Dentro desse contexto, o que nós assistimos é à tentativa hoje do Talibã de fazer acordos de segurança, principalmente com nações árabes já estabelecidas, como o Catar”, conta Lucena.

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O que pesa contra essa nova vertente internacionalista do grupo radical que governa o Afeganistão é a conjuntura mundial. Enquanto europeus se preocupam com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, as outras duas grandes potências globais, China e Estados Unidos, trocam farpas sobre a legitimidade de Taiwan.

Esses assuntos fazem com que as pautas do Talibã sejam esquecidas, tanto em relação aos pedidos de ajuda do Afeganistão a outros países, quanto às questões internas de direitos humanos.

“Há uma necessidade do Talibã de tentar integrar mais. A grande questão agora é se há margem para essa integração porque a gente tem uma série de eventos geopolíticos que estão chamando atenção e que, inclusive, impedem o Talibã de ser prioridade nas agendas [globais]”, conclui Toledo.

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