Para quem viveu o cenário eleitoral dos Estados Unidos em 2016, aquela eleição parecia saída de filme: um candidato Republicano em quem ninguém botava fé para chegar até o final da corrida e uma candidata Democrata que parecia quase certeza de que seguiria o legado de Barack Obama.
Porém, tudo mudou em novembro, quando Hillary Clinton, que despontava como a preferida por meses nas pesquisas, perdeu para Donald Trump, empresário polêmico e excêntrico, que conquistou uma massa conservadora nos Estados Unidos, em uma eleição em que boa parte dos americanos decidiram não participar e que ainda enseja investigações sobre manipulação via redes sociais, inclusive com participação russa.
Quatro anos depois, o cenário de eleições nos Estados Unidos volta a parecer saído de um filme: um presidente, ainda polêmico e com um histórico de rivalidades e brigas no poder, buscando uma reeleição em tempos de pandemia do novo coronavírus e de manifestações antirracistas, e um candidato Democrata que disputa sozinho, sob o legado de Obama (de quem foi vice), que ainda não tem o voto dos jovens e de parte de sua própria base eleitoral.
Em campanhas não muito definidas, Donald Trump e Joe Biden tentam aproveitar o momento atual para se consolidarem entre os seus. Trump com seu discurso confrontador encontra inimigos e culpados por uma pandemia e ameaça manifestantes, enquanto Biden tenta provar para Democratas que ele é a opção correta para o momento.
A chance de Biden
Oficialmente, os Democratas ainda não tem um candidato para a corrida. Joe Biden, que foi vice-presidente de Barack Obama, é o único pré-candidato que restou, mas sua nomeação oficial só acontece na convenção do partido, quando ele ganhar a maioria necessária dos votos nas primárias e for aclamado pelo partido.
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Apesar de uma longa carreira política e ter sido vice de um presidente popular entre os Democratas, Biden ainda não tem maioria dentro do partido e ainda não conquistou os votos de jovens que tinham Bernie Sanders e Elizabeth Warren como primeira opção.
Dentre os candidatos mais expressivos nas prévias, Biden era visto como o mais moderado e conservador. Enquanto Bernie Sanders tinha uma visão mais socialista para os Estados Unidos e Elizabeth Warren é mais progressista, Biden tem ideias mais liberais para a economia e uma plataforma próxima ao governo Obama, explica a professora de Relações Internacionais, Denilde Holzhacker.
Para Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM, a questão da popularidade de Biden pode ser resolvido com a escolha do vice. As expectativas é de que o candidato escolha uma mulher, um ponto vulnerável no governo Trump, que não tem um eleitorado feminino expressivo. As opções agora estão entre a senadora Democrata na Califórnia Kamala Harris e a ex-concorrente, a senadora em Massachusetts, Elizabeth Warren.
Segundo ele, as duas têm visões bastante progressistas, algo que pode ter dois resultados: ou a escolha de uma delas pode trazer os votos esperados ou acabar espantando o eleitorado mais moderado e que não vive nas cidades grandes reduto de Democratas, como a cidade de Nova York.
Planos pós-pandemia
Ainda que Biden não tenha um plano de campanha, já se tem uma ideia do que ele poderá focar durante os debates e o que será o foco de um possível governo.
Os Estados Unidos ainda não conseguiram controlar a pandemia do novo coronavírus e o país é o mais afetado pela doença no mundo, tanto em questão de casos e mortes como na questão econômica e de infra-estrutura do sistema de saúde.
Para Denilde, Biden pode usar a “experiência como vice e ter lidado com situações de crise e dizer que pode ser um presidente mais capaz de construir propostas que podem ser aplicadas pós-pandemia”.
Segundo o professor de Direito Internacional do Mackenzie, a questão de saúde será um ponto crucial nas eleições, especialmente a assistência médica na velhice.
“Com a pandemia ficou claro quem pode e quem não pode acessar a saúde nos Estados Unidos”, diz.
A questão de empregos e geração de renda também deve ser prioridade entre os dois candidatos. Desde o começo da pandemia, mais de 42 milhões de americanos pediram o auxílio-desemprego.
Seguindo a base de governo Democrata, mais alinhada à esquerda, Biden incluir políticas que diminuam as desigualdades sociais nos Estados Unidos, como ampliar o acesso à saúde para grupos negros, política de crédito para alunos em universidades e reconectar os Estados Unidos com o mundo, uma vez que Trump, conhecido por seu discurso agressivo, criou tensões nos laços diplomáticos dos EUA com o resto do mundo.
“Existe a ideia de que os Estados Unidos têm sido isolados do mundo na política externa Trump e que o país precisa ser mais ativo e liderar as conversas internacionais de novo”, explica Denilde.
Apoio da comunidade negra
Enquanto não tem o voto e o apoio de uma parte do eleitorado, Biden tenta conquistar outros dois públicos com quem teve afinidade durante a carreira: a comunidade negra e os latinos, as duas comunidades perseguidas por Trump.
Até o começo dos protestos contra racismo nos EUA, na última semana, Biden estava mais recluso e não se pronunciava em público. Agora, com o movimento antirracista, base dos Democratas, Biden passou a aparecer mais e declarou apoio aos manifestantes.
Segundo Trevisan, o candidato tem uma dívida com o eleitorado negro, que deu a maioria dos votos na Carolina do Sul, onde ganhou de Sanders.
“É evidente que ele tinha que se posicionar. Ele saiu e se expôs porque precisava estar próximo de quem o empurrou para a vitória”, disse Trevisan.
Durante os 40 anos como senador, Biden fez vários projetos e se aproximou da comunidade negra, explicou Trevisan, o que o tornou uma escolha um pouco óbvia para ser vice de Barack Obama, que declarou apoio à candidatura do amigo, fato que pode ter ajudado na popularidade de Biden na comunidade.
Segundo Trevisan, os Democratas tiveram que repensar o voto e o eleitorado negro depois que Hillary Clinton perdeu em 2016. Historicamente, a comunidade sempre esteve mais alinhada aos Democratas que aos Republicanos, mas a aproximação não é garantia eterna de que a comunidade negra não vote em candidatos conservadores ou se abstenha em eleições futuras.
A questão da imigração
Outra comunidade importante para os Democratas são os latinos e imigrantes, uma das comunidades mais perseguidas durante o governo Trump. Biden é favorável aos imigrantes e diz que eles são importantes para a sociedade, além de ser contra a lei que tira os direitos do Dreamers, a segunda geração de latinos nascidos e criados nos EUA, de ganharem um visto de permanência.
Porém, mesmo com o apoio aos imigrantes, ele não deixa claro o que pretende fazer para ajudá-los a conseguir a documentação necessária para ficar legalmente no país e o que faria com os imigrantes ilegais.
“Esse é um ponto sensível para os hispânicos, que não se sentem seguros no país”, diz Denilde.