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Superiate de magnata mexicano resgata cem imigrantes no Mediterrâneo

Embarcação avaliada em US$ 175 milhões retirou da água paquistaneses, sírios, palestinos e egípcios 

Internacional|Jason Horowitz e Matina Stevis-Gridneff, do New York Times

Superiate Rainha Maia IV pertence à família de um magnata mexicano
Superiate Rainha Maia IV pertence à família de um magnata mexicano Superiate Rainha Maia IV pertence à família de um magnata mexicano

O superiate Rainha Maia IV navegava tranquilamente as águas escuras e tranquilas do Mediterrâneo, com tempo bom, no início da madrugada de 14 de junho, quando recebeu um chamado reportando um barco de imigrantes com problemas a quase sete quilômetros e meio de onde se encontrava.

Cerca de 20 minutos depois, pouco antes das três da manhã, a embarcação gigantesca de US$ 175 milhões, pertencente à família de um magnata mexicano de mineração de prata, chegou ao local. O barco, avariado, já tinha afundado; a única coisa que os quatro tripulantes conseguiram ver foram as luzes da Guarda Costeira grega esquadrinhando a superfície escura da água, mas conseguiam apenas ouvir os gritos dos sobreviventes. "Não tinha lua, o mar estava escuro feito breu. Foi horrível", resumiu o capitão, Richard Kirkby.

Em questão de horas, o iate de 92 metros (305 pés), mais acostumado a transitar entre Mônaco e a Itália com bilionários e seus amigos a bordo, assumiu um papel inesperado em um dos naufrágios envolvendo imigrantes mais catastróficos dos últimos tempos. No total, resgatou cem estrangeiros, entre paquistaneses, sírios, palestinos e egípcios, desidratados e desesperados. Cerca de 650 homens, mulheres e crianças morreram afogados.

A imagem incongruente dos sobreviventes arrasados desembarcando em um porto de Kalamata, na Grécia, na semana passada, enfatiza o que se tornou a estranha realidade do Mediterrâneo moderno, onde os superiates dos super-ricos, equipados com piscina, banheira de hidromassagem, heliponto e outras mordomias, dividem o mar com os paupérrimos de várias nacionalidades em barcos operados por contrabandistas na rota do norte da África para a Europa.

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Atualmente, as vias navegáveis refletem as desigualdades mundiais. No Atlântico Norte, um bilionário, seu filho e outros ricaços saíram em uma expedição rumo aos restos do Titanic em um submarino (supostamente) luxuoso que desapareceu e acabou mobilizando uma operação internacional gigantesca.

Dias antes, as autoridades gregas se recusaram a ajudar uma traineira de pesca de pouco menos de dez metros de comprimento onde se amontoavam 750 pessoas, fugitivas da fome e da guerra, na área em que são efetuadas ações de busca e resgate. Só quando ela começou a afundar na frente da Guarda Costeira foi que partiram para a ação, chamando o Rainha Maia, um dos cem maiores iates do mundo. "Assim que você é notificado, se estiver nas proximidades e em condições, é obrigado a tentar o resgate. A presença de iates luxuosos naquela área é muito comum. O que não dá para entender é por que os gregos tiveram de acionar uma embarcação dessas, de passagem, para resgatar os passageiros de um barco frágil e superlotado que estavam monitorando e com quem estavam se comunicando havia mais de um dia. Outro ponto incompreensível é o da prática da não assistência, ou da assistência tardia", disse Aphrodite Papachristodoulou, especialista em direito marítimo do Centro Irlandês de Direitos Humanos.

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De fato, a Guarda Costeira já estava no local quando o Rainha Maia chegou, com vários oficiais em um bote retirando as pessoas da água. "Baixamos nosso salva-vidas com três tripulantes e seguimos os gritos de socorro. Conseguimos resgatar 15 homens", afirmou o capitão.

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No relato detalhado dos eventos, feito sob juramento, a que o The New York Times teve acesso, Kirby contou também que nenhum dos passageiros usava colete salva-vidas; alguns se agarravam aos pedaços de madeira. "Procuramos ficar em silêncio, e reduzimos as luzes mais fortes para poder ver e ouvir melhor."

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Os investigadores ainda estão tentando entender o que exatamente aconteceu enquanto a traineira afundava a caminho da Itália – se os contrabandistas recusaram ajuda e o pânico a bordo fez com que o barco virasse, como afirma a Guarda Costeira, ou se o motivo foi a tentativa frustrada de rebocá-lo, como afirmam alguns sobreviventes. De uma forma ou de outra, o fato é que boa parte da operação acabou ficando por conta do Rainha Maia.

O iate reluzente, que saiu da Itália, cuidou do transporte de cem dos 104 sobreviventes e de quatro agentes gregos para o porto – e cerca de 12 corpos também. "Quero crer que fizemos tudo que qualquer pessoa faria. Devido a um acordo de confidencialidade e às circunstâncias controversas do acidente, não posso falar mais nada, mas eu não queria que a Guarda Costeira ficasse em maus lençóis porque o pessoal fez o que pôde", declarou Kirkby, que antes comandava outro superiate, o Le Grand Bleu.

Ele conversou conosco rapidamente em um café no porto grego de Souda, onde o iate estava ancorado perto de um navio de cruzeiro que levava turistas para a cidade de Chania, na ilha de Creta; uma embarcação industrial russa; e um estacionamento cheio de contêineres de caminhão. Enquanto isso, os tripulantes que, como o capitão, usavam camiseta com um desenho da embarcação nas costas e o "B" do sobrenome de Alberto Baillères, proprietário já falecido, no peito, cumpriam as tarefas rotineiras.

Na manhã de quarta-feira, um deles subia com um guarda-sol a mesma rampa pela qual desceram os estrangeiros, passo incerto, alguns inclusive para ser acomodados em macas, outros recepcionados pelos socorristas com cobertores térmicos. Outros trabalhavam ao som da batida techno na popa, onde as letras prateadas dos nomes "Rainha Maia" e "George Town" reluziam sob o sol forte – e onde se amontoaram os imigrantes na chegada ao porto de Kalamata.

Segundo o site de notícias sobre iatismo Boat International, o Rainha Maia, que opera sob a bandeira das Ilhas Cayman, está entre os cem maiores superiates do mundo. Projetado por Tim Heywood, queridinho do setor, foi construído pelo estaleiro Blohm & Voss GmbH, em Hamburgo, em 2008. "Seu deque é em madeira teca, o casco é de aço e a superestrutura é de alumínio, além de ter dois motores a diesel. Conta com 24 tripulantes e acomoda até 26 passageiros", informou o artigo.

O luxo e o cuidado a bordo fazem um contraste gritante com as condições do barco em que centenas de imigrantes, pagando milhares de dólares por cabeça, tiveram de se amontoar ao zarpar da Líbia, na esperança de chegar à Itália.

Em depoimento oficial a que o The New York Times teve acesso, testemunhas afirmaram que os passageiros apanhavam de cinto e passaram fome. Os contrabandistas jogavam a comida na água. Centenas de paquistaneses foram mantidos no porão, tendo se afogado com as mulheres e crianças em uma das áreas mais profundas do Mediterrâneo. Só uns poucos sortudos conseguiram chegar ao deque do Rainha Maia.

Por volta das seis da manhã, horas depois do naufrágio, enquanto o sol nascia, Kirkby recebeu o pedido para transportar todos os cem resgatados pela Guarda Costeira ao porto mais próximo, e lhes ofereceu roupas secas e água. "Alguns estavam em um estado lamentável. Chegamos à Grécia às 11h20, e o tempo todo eles ficaram ali, juntos, enrolados no cobertor, lamentando todas as perdas. Mas fizemos nossa parte, levamos todos", concluiu Kirby.

c. 2023 The New York Times Company

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