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Coveiros do PCC

Organização criminosa mata suas vítimas das maneiras mais cruéis e as autoridades apenas assistem a tudo

Arquivo Vivo|Por Percival de Souza, da Record TV

PCC dá as cartas dentro e fora dos presídios
PCC dá as cartas dentro e fora dos presídios PCC dá as cartas dentro e fora dos presídios

Um novo sistema de punição para os desafetos, a tortura como método de exemplo, está implantada pela poderosa facção criminosa, hoje mafiosa, PCC: sequestram, espancam, matam e enterram os corpos, também mutilados com frequência. Cabeças decepadas. Órgãos arrancados a sangue frio. As autoridades assistem a tudo isso com certa complacência. Virou rotina macabra.

É possível entender, mas preferir nada falar, para explicitar opiniões a respeito. É que as vítimas, nesse caso, são personagens que se digladiam e aplicam a pena de morte entre si. É a escória social, pensam mas não dizem, os lacônicos e indiferentes observadores. Afinal, é bandido matando bandido. Sendo assim, tratar-se-ia de uma espécie nova de profilaxia. Ou seja: esse tipo de mortos não faria falta para ninguém.

Sem entrar no mérito, vamos rigorosamente aos fatos. De vez em sempre, não em quando, covas improvisadas são encontradas em vários pontos de cidade, geralmente lugares ermos, de acesso difícil, por onde ninguém está a fim de andar.

Quando essas covas, na verdade buracos improvisados, são encontradas, lá dentro são encontrados corpos em estado avançado ou recente de putrefação, e ossos – nada mais do que ossos.

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A Polícia, avisada, vai lá (nunca é ela que encontra as sepulturas) e teoricamente dá início às emblemáticas investigações, nas quais o DNA, o código genético, encontra grandes dificuldades na identificação da misteriosa vítima.

Há um significado nisso: ao matar e enterrar, a facção sinistra apaga todos os vestígios da existência, reduzindo os adversários a pó, criando desse modo um imenso vale de ossos secos. Não se sabe, ao menos, quem morreu. E muito menos quem matou. Provavelmente, nunca se saberá.

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Esses cadáveres, ou o que sobrou deles, possuem um significado claro para a facção que domina o crime: o morto fez o que não deveria, falou demais (uma das formas de punição é deixar um cadeado fechando a boca), comportou-se de forma inadequada (as nádegas do finado são pintadas com tinta) e, se for um intolerável estuprador, tem o pênis decepado.

Nada do que você está lendo parece interessar a alguém. Os macabros encontros cadavéricos são precedidos do que os bandidos chamam de “julgamento”. Isso mesmo: procura-se imitar um tribunal, como na sociedade e seu sistema judiciário, para dar sequência a um julgamento formal. Há de tudo: a equivalência a uma equivalente audiência de custódia, onde preliminarmente é avaliada se a acusação contra o “réu” tem procedência. Caso seja confirmada a acusação, um bandido assume o papel de acusador, como se fosse um promotor, e outro tenta atenuar a acusação, atuando como uma espécie de rábula. Outros bandidos, à volta, assistem ao “debate”. Seriam os “jurados”. Eles decidem, como num tribunal do júri.

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A “sentença” somente é aplicada por meio da pena de morte. O chefão do grupo decide a forma. Geralmente, a tiros. Conforme o status do condenado, o “julgamento” tem uma plateia selecionada. Os executores querem usar a morte como exemplo para que não haja dissidência de qualquer tipo dentro do grupo criminoso.

É curioso como esse tipo de sistema punitivo funciona. Não há contestação no interior do bando. Uma vez ou outra, um deles é capturado pela Polícia e revela que exatamente naquele momento está reunido um “tribunal” para “julgar” alguém. Os policiais vão ao local indicado, interrompem a “sessão” e livram um bandido da morte. Os policiais fazem isso por obrigação funcional, mas não gostam de se ver na situação de agente da lei impedindo que o assassinato de um bandido, praticado por outro bandido, seja impedido justamente por eles.

A Justiça de verdade age com burocracia inútil: o crime, planejado, nesse caso, não foi consumado – isto é, a quase vítima não foi executada. Nenhum tiro foi disparado, a Polícia chegou antes. Portanto, diz a lei de verdade, que não expressa o que acontece nas ruas, a rigor técnico-jurídico não houve tentativa de homicídio. Resta então, a alternativa – conforme tipifica a autoridade que está encarregada do caso, de adotar a tese de “associação criminosa” (geralmente com o latim societas sceleris, como manda a boa erudição), ou meros “atos preparatórios”. As sutilezas semânticas são sempre contestadas por advogados de plantão, que com impressionante rapidez comparecem à delegacia.

Em alguns tipos de julgamento, os executores – ao mesmo tempo julgadores e carrascos – documentam as execuções, porque conforme o “condenado”, eles também querem se divertir com o pânico alheio. Ajoelhada, a vítima aguarda a chegada da morte. Não quer morrer e implora pela vida. Súplica por perdão. Jura não fazer nunca mais o que fez. Lembra-se da divindade e clama. Quando a arma da morte é engatilhada, acontecem reações fisiológicas. Alguns urinam. Outros defecam. Os últimos momentos de vida podem ser marcados pelo choro compulsivo. Os assistentes divertem-se sorriem, gargalham, urram de prazer quase erotizado. A humanidade também vai para a cova.

Tudo o que você está lendo agora somente foi possível por uma razão bem simples: conversei, na Polícia, com presos que já participaram de bandos que fizeram isso, ou estiveram no banco dos “réus”, que na verdade pode ser apenas o chão. Curioso: esse interesse por descobrir como são os atos de “julgamento” foi exclusivamente meu. Como se trata de bandidos versus bandidos, predomina o raciocínio de que nesse cenário ninguém faz falta e as execuções por disputas internas somente favorecem a sociedade.

Mas não é bem assim, ou nem tudo é assim. Se esses facínoras são capazes de fazer o que fazem, imagine o que podem fazer com você, caso tenha a desventura de ser atacado por algozes desse tipo. Por isso você vê barbaridades acontecendo todos os dias, com tipos de crime arrepiantes, absurdos, cruéis, repugnantes, dolorosos, chocantes.

Uma constatação paralela: nos lugares onde o tráfico de drogas predomina, a figura do ladrão é considerada absolutamente indesejável. Não se tolera a presença de ladrões no círculo fechado e dominado. Isso provoca três resultados: primeiro, ladrão pode ter a mão decepada. Segundo os moradores do lugar ficam sabendo quem manda no pedaço. Terceiro, como é o traficante que identifica e pune o ladrão, até em delegacias se ouve o conselho de procurar o poderoso chefão da favela – quer dizer “comunidade”, no jargão que se considera politicamente correto, mas não é – para saber quem roubou e onde está o produto desse roubo. O chefão sempre é conhecido pelo apelido. E o roubo por “157”, o artigo do Código Penal da sociedade para classificar esse tipo de crime.

É assim, você ficou sabendo detalhadamente agora, que são estruturados os bastidores do crime. O bas-fonds. O submundo. As práticas à margem da lei. Se presos, chamam a penitenciária de ”faculdade”. Os contatos de dentro para fora, ou de fora para dentro, são feitos por “sintonias”. O produto de roubo é “bagulho”. O assalto em grupos numerosos, o arrastão, é “cavalo doido”. O odiado policial é “gambé”. É preciso um novo tipo de tradutor para conversar com eles nesse dialeto particular.

Moral das histórias: existe um bando organizado, que manda e desmanda, domina e aterroriza, dá as cartas, é chamado de “organizado dentro e fora dos presídios”, infesta regiões que a sociedade admite que são ”dominadas pelo crime”. Os alisadores de cabeça de bandido ficam silenciosos. Falam em “letalidade” policial, mas jamais se referem à letalidade que vitima implacavelmente os cidadãos. Só bandido tem a exclusividade de aplicar a pena de morte.

É isso o que queremos? Tenho as minhas dúvidas. Não como conservador, pecha que não admito, mas como contestador, o que realmente sou. Esse, tenho certeza, é o meu dever.

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