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Insegurança pública: as pessoas que cuidam do assunto admitiram que estamos perdendo feio

O crime organizado, e o desorganizado também, lançam seus tentáculos de longo alcance por todo o país

Arquivo Vivo|Percival de Souza e Percival de Souza


As realidades são parecidas entre mundo do crime e o mundo que a sociedade constrói
As realidades são parecidas entre mundo do crime e o mundo que a sociedade constrói Edilson Rodrigues/Agência Senado

A confissão chega em boa hora. Por unanimidade, as pessoas que cuidam do assunto (autoridades, professores universitários distantes do dia-a-dia e os que se apresentam como se fossem os maiores entendidos no assunto) foram ao confessionário da sociedade e admitiram: estamos perdendo feio.

A confissão, como na obra de Paulo Setúbal, na maioria das vezes é feita a portas fechadas. Um segredo guardado entre o confessor que está ali para purgar os corações de malfeitos que afligem a consciência.

A confissão oferece, ao final, uma redenção, desde que sejam feitas determinadas coisas. Assim, os pecados estariam perdoados. Confessar e ser ouvido por quem a capacidade de relevar, mediante promessa de novos comportamentos, tornou-se necessário para compreender tudo que acontece ao nosso redor, o que se torna cada vez mais difícil.

As realidades são parecidas entre mundo do crime e o mundo que a sociedade constrói. A semelhança entre ambas é que os entendidos, curiosos ou raros especialistas de fato, finalmente confessaram o que a população já sente há muito tempo.

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O crime organizado, e o desorganizado também, lançam seus tentáculos de longo alcance por todo o país. Não é uma constatação, pois o drama nos atormenta e já faz tempo.

Os efeitos, em forma de metástase, se apresentam de várias formas: o receio de andar tranquilamente, pelas ruas, a transformação de casas e apartamentos e condomínios em modernos bunkers protetores, câmeras de vigilância, guardas particulares, segurança acima da estética e cobrança da polícia.

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Em termos de economia, afugenta investidores, mina o turismo e cobra ao exigir reversão da situação.

A barbárie campeia, mas somente é explicitada pelos meios de comunicação sem chapa branca. O bárbaro jeito de ser envolve prisões desumanas, onde primários temerosos são cooptados por facções do crime, o jeito cada vez mais cruel de matar o semelhante (agora também torturados, queimados e enterrados) e uma audácia que afronta e intimida. Mas são esses autores que ganham afagos seletivos, onde eles são vitimizados e quem pratica punições é demonizado.

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Que fazer? Em geral, pretender resultados satisfatórios. Alguns professores, completamente distantes do palco dos acontecimentos, gostam de analisar dados estatísticos e palpitar sobre o que deveria ser feito, com críticas, por vezes ácidas, a quem faz. Não se sabe como eles se autointitulam detentores do saber na área, para criticar e exigir práticas que seriam soluções.

OUSAR MUDAR

Confiteor, confesso em latim, exige penitências. Este é o momento de se penitenciar em face dos pecados cometidos. Pecados porque as consequências que irão produzir certos pensamentos e atitudes podem ser devastadoras, pois o que se apregoa não tem conexão com a realidade das ruas.

Exemplos não faltam. Má administração pode provocar, como acontece em São Paulo, um absurdo déficit de 14,9% no efetivo da Polícia Militar e 35% na Polícia Civil. É muita coisa.

O resultado prático da anomalia é que considerável parte dos crimes que deveriam ser investigados, atividade-fim da polícia judiciária, a Civil, não apresentam bons resultados. A Polícia Militar carece de efetivo compatível com o número de habitantes em determinadas cidades, pois é sua a prerrogativa preventiva e ostensiva.

O que está acontecendo é assustador. O reflexo aparece em número de casos não esclarecidos, porque com poucos policiais não existem condições para investigar. Torna-se preciso tentar adaptar-se a esse fato. Um deles é fechar as portas de uma delegacia todas as noites e feriados. Acontece que ninguém vai a uma delegacia porque quer, e sim porque está precisando.

Adotar esse sistema é perigoso paliativo. Nele se instala, como se fosse uma coisa boa, o boletim de ocorrência registrado de forma a eletrônica. O “está registrado” em forma de boletim de ocorrência não basta. A razão está nas técnicas de investigação: o boletim informatizado, longe do depoimento pessoal, não revela as aparências do autor, seu jeito de andar, sua altura, condições físicas, tatuagens e características físicas, faciais inclusive.

Procurar a quem, se você não tem a menor ideia de quem seja para identificar? Um retrato falado, no caso, se torna inviável. Daí a necessidade formal de especialização severa para investigar furtos, roubos (são eles a maior incidência criminal), homicídios (onde se exige a rigorosa observação de detalhes que podem ser elucidativos), golpes, falcatruas, roubo de cargas e veículos.

Aqui entra a indispensável doutrina das Polícias. Como a Civil não consegue cumprir satisfatoriamente o que lhe compete, resta à Militar preencher o vácuo. Essa história de “após meses de investigação” não existe, porque é simplesmente impossível concentrar-se todo o tempo num só caso.

Aí, então, acontece o lado prático: a PM apresenta na delegacia a maior parte das ocorrências. O delegado de plantão irá tipificar os fatos que lhe são apresentados pelos condutores, ou seja, os policiais militares.

O ritmo da persecução penal torna-se lento, tendo que passar, a posteriori, pelo crivo da promotoria e a decisão judicial. Quer dizer: papéis em forma de inquérito ou flagrante, o que torna o mecanismo deficiente, como as inúteis medidas protetivas concedidas para mulheres em condição de agressões ou ameaças.

Outra parte, necessidade que a sociedade não perdoa, é transformar a sensação de insegurança em segurança. Como esse fator é muito explorado politicamente, catapulta nas eleições, é preciso mostrar serviço. Em campanha, dá para prometer. Mas promessas não revertem a realidade.

Mostrar serviço passa ainda por ideologias, conforme pretendem os detentores do poder partidário, que são efêmeros. A Polícia, porém, institucionalmente, vai continuar.

Quando política e ideologia para ações policiais se misturam, o resultado não pode ser bom. O fundador da Scotland Yard, Robert Peel, pai do policiamento moderno, já alertava sobre isso. A lição foi dada, mas nem sempre é aprendida.

Tivemos enigmático exemplo recente em São Paulo. De súbito, a PM promoveu uma movimentação inédita, substituindo de uma vez só 53 coronéis em seus cargos, o posto mais alto da hierárquica castrense estadual, provocando desse modo uma profunda alteração nos principais postos de comando.

O significado da medida provocou resultados internos e externos. Internamente, foi surpreendente, porque isso nunca havia acontecido. Muitos não gostaram da tacada única, pois foram informados somente pela publicação dos atos no Diário Oficial. Não é a praxe.

Além disso, é corrente entre os detentores das três estrelas gemadas nos ombros, o símbolo do coronelato, que todos eles teriam, teoricamente, condições de assumir o comando geral da corporação, o que é prerrogativa absoluta do governador do Estado.

A reação dos ocupantes dos principais cargos da atividade-fim repete o dogma: missão dada, é missão cumprida. É imperativo. Tem que se fazer sem questionamentos e pronto.

Assim tem quer ser. Por dentro. Por fora, é insondável. Insatisfações, desgostos, incompreensões, decepções. Mas porque tantas mudanças? Porque se considerou, pelos escalões superiores, que era preciso.

O significado é profundo. O governador se mostrou, e declarou, “insatisfeito” com o ritmo de até então. Ele possui pretensões políticas, das mais altas. A segurança pública é uma vitrine que não pode ser estilhaçada. Tarcísio de Freitas não quer parecer vulnerável em nada.

O governador confessou. Viu-se obrigado. Não se sentou no confessionário para ouvir. Determinou, à distância, quais seriam as penitências. Os confidentes estavam em silêncio. Ele nem quis ouvir lamúrias.

Assim foi. Vamos aguardar para ver como será.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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