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O cárcere, sem memórias

A segurança, que deve ser pública, está no rol das prioridades e das preocupações da população. Espera-se mais e melhor para 2023. Seria possível e factível? Vamos ver.

Arquivo Vivo|Percival de Souza, da Record TV


Entre o espelho da realidade e a imagem que ele produz, é constatável a vontade de melhorar performances, a partir de São Paulo, e com pontos ainda erráticos em nível nacional.

Ajustar o espelho pelo que ele reflete, e não simplesmente trocá-lo, por não gostar dele, nunca foi solução.

Vejamos, então, o que o espelho da realidade revela de maneira indiscutível. O Brasil tem hoje por volta de 860 mil prisioneiros. Para abrigá-los, a custódia do Estado, a capacidade é altamente deficitária: são 440 mil as vagas disponíveis. Em São Paulo, por 176 presídios estão distribuídos 216 mil reclusos. Os dados são, respectivamente, do Departamento Penitenciário Nacional, Depen, e a Secretaria de Administração Penitenciária, Sap.

O DNA da massa prisional (massa porque ela se amolda, ajustável ao poder de comando) pode ser feito tecnicamente no bas-fonds ou lúmpen. A rigor, espelha o extrato social mais reduzido, com índices de regeneração tão significantes que essa população carcerária é considerada invisível. Primeiro, porque – como se diz nos presídios – preso só faz falta na hora da contagem, isto é, o momento da constatar se algum prisioneiro está ausente. Segundo, porque enjaulá-los em espaços insuficientes, esse gigantesco depósito de gente não rende dividendos políticos: construir prisões é como obra de esgoto, não aparece. E quando aparece um simples projeto de uma construção, ele provoca repulsa nas cidades. Ninguém quer saber de preso ou presídio por perto. Prefere-se até que ele fique bem longe, a selva ou numa ilha, como já aconteceu em São Paulo, na temível Ilha Anchieta, em Caraguatatuba, ambas símbolo de isolamento total.

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A realidade é nua e crua. Incômoda, desagradável, em alguns casos nojenta. Mas é assim que não funciona. Quem está lá dentro? Aqueles que a Polícia capturou, os denunciados pelos promotores e os sentenciados perla Justiça. A Polícia não manda ninguém diretamente para a cadeia. O juiz, com aval do Ministério Público, o artífice para o início de um processo, que oferece a denúncia. Quem manda mesmo para o cárcere é juiz, que na verdade não sabe para que tipo de lugar está mandando. Mas essa é uma outra história.

ASSIM PODE PARECER, MAS NÃO É

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O que você acabar de ler não é um diagnóstico. É o primado do real. Há 0um fator a ser observado de maneira crítica: quem deveria entender profundamente do assunto, quase sempre não entende. Vive a dar palpites, fazer suposições, construir teses e simplesmente achar o que deveria ser feito – ou seja, acham mas nunca encontram.

A nível federal, as coisas não começaram bem. O Ministério da Justiça escolheu, a princípio, o coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, Nivaldo Restivo, para chefiar o Departamento Penitenciário Nacional. Ele já foi comandante-geral da PM e, por último, secretário da Administração Penitenciária. Ao ser indicado, passou imediatamente a ser alvo de contestações de palpiteiros disfarçados de várias formas, entre elas a de que sua nomeação significaria a “militarização” das prisões, uma “ojeriza à democratização da política penal”. Aborrecido, Nivaldo jogou o boné antes de colocá-lo na cabeça. Alegou “questões familiares de natureza pessoal” e retirou-se antes de ter sido.

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Foi uma grande injustiça em torno de algo que jamais poderia ser politizado, o que sempre é um desastre. O sistema penitenciário paulista, que ele comandou, deixa um saldo sem as rebeliões, que já tinham sido rotineiras. Impôs a disciplina, indispensável em qualquer prisão.

Entretanto, os iluminados sem acender um palito de fósforo, aceitaram passivamente a indicação para o Depen de um policial penal, nova organização nascida por meio de recente emenda constitucional. 

O ungido, Rafael Velasco Brandani, policial penal, foi escolhido pelo novo da Justiça, Flávio Dino, como como diretor do Depen, função que estava exercendo no Maranhão, como assistente do secretário local. Os contestadores de plantão ficaram silentes. Mas qual a diferença entre Nivaldo e Brandani? Entre as origens de cada um, ambos seriam, em tese, um contraste, pois nunca foi função de policial cuidar de preso. Em São Paulo, o responsável passa a ser Marcelo Streifinger, também coronel reformado da PM, ex-chefe do Copom, o Centro de Operações da PM, ex-professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, considerada a casa mãe do oficialato da corporação. Além disso, é próximo ao novo secretário de Segurança, Guilherme Derrite, capitão reformado da PM e deputado federal, circunstância decisiva para ser escolhido politicamente pelo governador Tarcísio de Freitas.

Eis aqui o punctum saliens, o nó da questão. A pretensa “democratização” prisional não se faz com um homem só. Mas como falar assim num sistema onde quem manda é o crime organizado, que dá ordens de dentro para fora e recebe informações de fora para dentro? Como tudo isso é criminoso, não se sabe o que há na cabeça dos palpiteiros, pois não existe democracia alguma entre criminosos internos e externos, a tal ponto que o sistema, hoje, é chamado - de forma unânime - de “Escola do Crime”. Ressalte-se que além dos crimes de assassinato, tráfico de armas e contrabando de munições, os bandidos contemporâneos fazem brincadeiras com o sistema da sociedade: justiceiros são chamados de “disciplina”, escolas do crime de “Faculdade” e os matadores integram um “tribunal do crime”, que tortura, mata e esconde suas vítimas, enterradas em cemitérios clandestinos.

Chega a ser apavorante o fechar de olhos para tais fatos, constatado em ramificações nacionais, interligadas por celulares e pombos correio dos mais variados tipos, violando uma das razões de ser da prisão: disciplina e a neutralização dos contatos externos. Os olhos dos palpiteiros permanecem fechados quando se fala em implantar “políticas penais”, embora autores de crimes graves sejam liberados, recebendo o aritmético benefício de progressão da pena. Ficam pouquíssimo tempo segregados da sociedade e ainda ganham o brinde das “saidinhas” em algumas datas do ano. Foram 37 mil no Estado de São Paulo, durante as festas de fim de ano. Entre eles, muitos que se aproveitam dessa folga para praticar outros crimes. Ou então não retornam, como se vê em alta escala.

LEMBREM-SE DAS VÍTIMAS

O que se percebe claramente, embora os palpiteiros não vejam, ou fazem de conta que não estão olhando, é que já se tornou urgente a interligação de informações entre os órgãos da segurança pública e o sistema das prisional. Muitos fatos que acontecem nas ruas são planejados lá dentro: no cárcere, mandam fazer. Fora das muralhas, executam. Falsos “especialistas”, míopes, passam pano.

Polícia Civil e Militar: a primeira precisa melhorar muito a qualidade da polícia judiciária, que investiga e elucida, ou produz os autos de prisão em flagrante. Os índices de casos não esclarecidos são preocupantes. Existe uma legião de criminosos à solta, não porque permaneçam fora da prisão, mas porque sequer foram identificados.

Na Militar, a polícia ostensiva, principal atividade-fim, pode e deve ser aperfeiçoada em alguns itens, principalmente abordagens, pois ela é acusada irresponsavelmente de sair às ruas somente (!) para capturar pessoas pela cor ou baixa condição social. Os PMs não são caçadores seletivos desse tipo, como demonstram as 45 mil chamadas por dia na Grande São Paulo, em média, ao Copom - o Centro de Operações.

Tudo que que você leu deve ter como foco principal as vítimas. Elas é que sofrem nas mãos de impiedosos e perigosíssimos bandidos, muitas vezes chorados pelos mesmos palpiteiros que não derramam uma lágrima sequer quando um policial é morto por facínoras.

As vítimas gostariam de parar de sentir medo, de andar assustadas pelas ruas, temerosas de um ataque iminente, de recear ter suas casas invadidas. De serem abordadas em seus carros, de terem entes queridos exterminados brutalmente em assaltos. Não importa quem esteja agindo contra isso na repressão legal. Importa que se preocupem com elas e se apiedem de suas dores, das feridas que não cicatrizam em suas almas, da ausência total de um bálsamo consolador.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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