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Tarcísio, preste atenção

Algumas considerações sobre segurança pública para o governador eleito de São Paulo

Arquivo Vivo|Percival de Souza, da Record TV


O governador eleito Tarcísio e Capitão Derrite, novo secretário de segurança pública de São Paulo
O governador eleito Tarcísio e Capitão Derrite, novo secretário de segurança pública de São Paulo

Novo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) assume o cargo em janeiro e tem à sua frente um leque de desafios, entre os quais está a política de Segurança Pública. Sobre isso, permito-me alguns conselhos, feitos por alguém, como eu, com cinquenta anos de vida nessa praia de ondas revoltas.

Primeiro, não se preocupe com os eternos críticos de plantão. Na campanha eleitoral, disseram horrores a seu respeito, pretendendo catalogar como crime o fato de o senhor não ter nascido em São Paulo e nem saber onde fica a Praça da Sé. Bobagens.

Agora, cuidado: como a área de segurança é repleta de neófitos, curiosos, amadores e aventureiros, o senhor ouvirá muitos sussurros, no meio jurídico chamados de “embargos auriculares”, que são conselhos e pedidos feitos bem próximos aos ouvidos. Cabe, então, exclusivamente ao senhor escutar ou não essas vozes. Bem por isso, existe no Judiciário a figura do “desembargador”.

Assim é que, em termos de segurança, precisamos definir uma doutrina, uma prática, uma filosofia para o dia-a-dia policial, aliás bastando pesado. A Polícia Militar, por exemplo, é muito acionada, recebendo cerca de 45 mil chamadas por dia no Copom na Grande São Paulo. É o seu Centro de Operações, pulmão da Polícia. Isso demonstra que ela é acionada para tudo, com destaque para chamados de natureza social, e não policial, sintomas da ausência do Estado em vários pontos nevrálgicos da metrópole.

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A tudo isso, assisto por meio século. Tempo suficiente para que eu diga a mim mesmo que já vi de tudo, ou pelo menos quase, em termos de composição dos quadros, tipos de viaturas adequadas, equipamentos operacionais. Estilos sempre mutantes de prevenção e repressão. Também vi na pasta da Segurança membros do Judiciário, do Ministério Público, advogados, professores - enfim, todo tipo de gestores. Alguns foram bem. Outros mal. Existiram os péssimos.

Assim aconteceu, e pode ainda acontecer, até aqui pelo fato de a instituição policial precisar ser envolta em um papel de celofane, bem colorido, para tentar compor a imagem de uma corporação sob respeitável comando. Alguém de fora.

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Ocorre, porém, que nem sempre isso funciona. Tivemos jurista na pasta quando o “Esquadrão da Morte”, organização paralela de extermínio, florescia. Tivemos professor de Direito Constitucional pretendendo, como constituinte, a extinção da Polícia Militar. Tivemos, como procurador, um homem que estava na Segurança por ocasião da invasão das Casa de Detenção, com 111 mortes. Tivemos coronéis do Exército que pretendiam ter pulso de ferro para mandar nas Polícias. Tivemos um advogado narcisista, outro professor no Largo de São Francisco, mais um professor (este, bom) e um criminalista. O que todos eles tinham em comum? Para o bem de paulistas e paulistanos, nada. Podiam ser impolutos. Blindados contra a corrupção. Excelentes intenções. Mas isso é camuflagem insuficiente. Simplesmente não basta.

Chegamos ao momento de diferenciar 2023 de 2022. Sai um general de quatro estrelas, ex-comandante militar do Sudeste, entra um capitão reformado, deputado federal (PL-SP). A diferença hierárquica é brutal e, queira-se ou não, alimenta um mal-estar na força que é pública. Para um civil, pode ser difícil compreender isso. Para um militar, cuja vida se concentra na caserna, o enfoque é bem diferente.

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Como um coronel, a mais alta patente da PM, pode enquadrar-se diante de um capitão, que tem acima de si, na rígida e dogmática hierarquia, os postos de major, tenente-coronel e coronel? Nada fácil para um capitão dar ordens para um comandante-geral ou um comandante de policiamento de área, ou para comandante de Batalhão ou Companhia.

No atual momento, o capitão-deputado Derrite terá que ser um grande diplomata, para equilibrar as relações diplomáticas com as orientações do governo, no caso Tarcísio de Freitas, para práticas de policiamento. No caso da Polícia Civil, nem se fale: para ela, a situação é um horror e Tarcísio terá que oferecer um bom presente de composição, talvez o atual delegado-geral atual sendo promovido para o cargo de subsecretário de Segurança.

O atual secretário, general Campos, adotou uma estratégia parecida: criou os cargos de “secretários executivos”, um da Policial Civil (delegado aposentado) e outro da Polícia Militar (coronel reformado). Ambos decorativos: quem manda mesmo na PM é o comandante-geral, que escolhe um a um os seus subordinados, e o delegado-geral, que faz a escolha de todos os diretores de departamento, os órgãos operacionais mais importantes da Polícia Civil.

Houve quem questionasse uma das ideias iniciais de Tarcísio: extinguir a Secretário de Segurança e criar duas próprias, uma para a Polícia Civil e outra para a Militar. Segundo os críticos, este seria, porém, um modelo carioca (para Tarcísio, considerou-se uma afronta ele não ser paulista) que não teria dado certo. Não existe bola de cristal para prever resultados futuros.

O fato é que a Segurança Pública nunca teve uma chefia que fosse de qualquer uma das Polícias, um sonho institucional. Com o capitão Derrite, será a primeira vez na História. Lembre-se que a mesma situação foi vivida pela Polícia Federal, que ficou por muitos anos sob tutela militar e, ao adquirir comando próprio, projetou-se velozmente para se tornar, na defesa da União, a melhor do País. Aliás, a PM paulista também é considerada a melhor de todas, na avaliação inquestionável do general Tomás, atual comandante militar do Sudeste.

Cabe, ainda, uma observação sobre algumas cassandras em torno de Tarcísio. Elas dizem, como se isso fosse prioridade absoluta em matéria de segurança pública, que seria imprescindível retirar as câmeras dos uniformes dos policiais militares, que filmam tudo o que eles fazem. Evitam abusos eventuais, argumentam.

Mas quem disse que seria esta a maior preocupação de paulistas e paulistanos?

Não, não se pode dizer que seria isso, em face das realidades das ruas. Que realidade? Não “seria”, mas “é”. Câmeras e colete à prova de balas? Pode ser atacado e morto, mas precisa ser filmado em casos de defesa própria ou de terceiros, cumprindo seu juramento de sangue (a única profissão que exige isto), para defender a sociedade, mesmo com o sacrifício da própria vida?

A resposta para essas questões está naquilo que realmente amedronta, assusta, apavora, cria uma sinistra sensação de insegurança. É ação sistemática de assassinos e ladrões, que matam e banalizam, roubam e furtam, tantas vezes derivando para o latrocínio, matando de maneira impiedosa e implacável. São brutais, desumanos, aterrorizam.

A verdade, caro Tarcísio, é que muitos “analistas”, “pesquisadores” e “especialistas”, que vivem numa bolha desconectada do mundo, pouco se preocupam com as infelizes das vítimas, nunca lembradas por eles. Se morre um bandido, lá estão eles, lacrimejantes no funeral, falando em “letalidade”. A letalidade do bandido, porém, nunca é mencionada. Se morrer um policial, assassinado por bandido, não se dá a menor importância, a não ser as lágrimas isoladas de seus familiares e companheiros. Imagine isso, Tarcísio. É humana e psicologicamente difícil. Traumático. Desolador. Chocante.

Mais uma questão: a necessidade de integrar segurança pública com administração penitenciária. Se, como se admite por todos os cantos, existe facção criminosa que domina presídios, mantém uma escola do crime, dá ordens de dentro e para fora dos estabelecimentos penais e possui um altíssimo índice de reincidência, é claro que a situação exige uma conexão repressiva. As rebeliões já foram cotidianas. Cessaram com as gestões de Lourival Gomes e Antônio Ferreira Pinto numa secretaria própria, criada após a invasão da Casa de Detenção em 1992. Os falsos “especialistas” ignoram o mundo putrefato do cárcere.

Em apertada síntese, é isto, senhor Tarcísio. Cuidado com os maus conselheiros. Ouça quem é do ramo, que sabe o que tem de ser corrigido, não insiste no erro e fazer, realizar, tornar concreto. Isto sim, é o que São Paulo espera do senhor.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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