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Luiz Fara Monteiro
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Instrução Aérea, um ato de amor

Em artigo para o blog, comandante e instrutor Conrado Ibri afirma que a atividade da instrução de voo é um produto da interação humana e, sendo assim, resulta em uma simbiose

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Instrução Aérea: ato de amor Luiz Fara Monteiro

A instrução é, por definição, uma atividade técnica e altamente especializada.

E o instrutor, geralmente, é um profissional competente, respeitado por seus pares e com notório conhecimento.

Apesar disso, o ato de instruir exige habilidades humanas que vão muito além da qualificação técnica, que são complexas e fundamentais para o sucesso da instrução.

Sucesso, nesse caso, para os dois: aluno e instrutor.

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Pois é impossível dissociar um do outro, uma vez que a atividade da instrução é um produto da interação humana e, sendo assim, resulta em uma simbiose.

E para que isso aconteça é fundamental compreender que a instrução deve ser sempre focada no aluno, e não o contrário.

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É ele o ator principal daquele momento. Como em uma performance artística, o instrutor é quem o dirige, quem o conduz, quem guia. Não divide o palco, mas é onipresente por trás das cortinas (que podem esconder inúmeras camadas de ego e vaidade).

Quem brilha é o aluno.

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E esse entendimento é a base para se criar o ambiente que proporcione o desenvolvimento da confiança, tanto para desempenhar nas áreas dos seus pontos fortes como para não ter medo de errar.

Um aluno com medo de errar, seja por medo do instrutor, do sistema ou por se cobrar demais, é alguém que provavelmente terá muita dificuldade de desenvolver suas habilidades e evoluir.

As neurociências têm demonstrado que as emoções desempenham um papel formativo fundamental na cognição e na aprendizagem. Ela está intimamente ligada a como o cérebro se desenvolve ao reagir aos estímulos do ambiente, ativando novas sinapses (conexões neuronais).

As emoções afetam todas as formas de aprendizagens e estar motivado e envolvido cognitiva e continuamente são funções importantes do cérebro emocional para que os processos de aprendizagem ocorram.

Quando os estímulos emocionais são adicionados à experiência da aprendizagem, o cérebro capta e os processa de forma mais significativa e profunda, facilitando a sua retenção e regulação das respostas.

A emoção guia a atenção e esta, por sua vez, guia a memória e a aprendizagem.

Durante situações de estresse que geram medo, impotência e vulnerabilidade, várias são as reações químicas do organismo que afetam o controle das emoções e interferem, entre outros aspectos, na aprendizagem.

As emoções negativas como o medo, portanto, atua sobre as cognições e são barreiras às vezes intransponíveis em um ambiente de instrução aérea.

O erro é e sempre será parte importante do aprendizado e uma oportunidade para que se solidifique a cognição, desde que o ambiente seja emocionalmente favorável e exista um real engajamento entre aluno e instrutor.

E como fazer com que isso aconteça?

Entendendo que instrução aérea é mais do que uma função técnica.

Instrução é um ato de amor. É doação, uma oportunidade única para se servir ao próximo.

E isso não significa ser bonzinho ou permissivo; mas sim ser gentil e, em especial, exercer a empatia.

Empatia no sentido mais profundo da palavra. Pois empatia é saber abraçar a alma do outro, é ter a capacidade de se colocar no seu lugar, buscando agir e pensar da forma como ele pensaria, sentir o que ele sente, para que então seja possível criar um ambiente emocionalmente favorável para que as cognições aconteçam e guiá-lo na direção da evolução da curva de aprendizado.

As vezes firma, as vezes leve, as vezes divertido, outras vezes mais sério, sempre se moldando às necessidades do aluno para que ele se desenvolva e cresça.

Como um filho.

Todos os meus alunos são meus filhos.

Porque eles terão sempre o melhor de mim para que sejam melhores do que eu e cabe a mim me adaptar a quem eles são para tentar extrair deles o melhor potencial que eles possuem.

E esse é um compromisso inegociável, que eu estabeleço comigo antes de tudo, não importa o quanto eu não queira estar ali ou o quão cansado ou estressado eu esteja.

Se eu estou ali, meu aluno terá o meu 100%.

E esse é um desafio mental enorme, que requer foco e muita disciplina e exige muito do controle das minhas próprias emoções.

Mas não é isso o que fazemos (ou deveríamos) quando dedicamos nosso tempo aos nossos filhos?

Por isso eles também são os meus, pelo menos enquanto aquela experiência juntos durar. Pois assim eu faço do meu trabalho também o meu propósito.

Colocando ali os valores e princípios e a energia que eu coloco na minha vida fora dali.

Porque o aluno é um ser-humano em um momento vulnerável, que precisa de uma mão para guiá-lo na direção certa, e tem a expectativa de que aquele momento será transformador.

Cabe a nós o fazer ser!

Portanto, unindo recursos técnicos e habilidades humanas avançadas o instrutor tem as ferramentas para extrair o melhor do aluno, permitindo que ele alcance seu melhor potencial durante o treinamento.

O conhecimento técnico é essencial na consolidação do aprendizado, mas sem acesso à chave dos circuitos neurais relacionados às emoções do aluno o instrutor não consegue atribuir um valor afetivo aos estímulos recebidos por ele e, portanto, seu cérebro não fará as conexões necessárias para a consolidação cognitiva.

Através da empatia e pelo ambiente emocionalmente positivo oferecido pelo instrutor o aluno tem um melhor controle das suas emoções permitindo assim que seu cérebro atinja alto potencial de plasticidade para o aprendizado.

A ciência nos ajuda muito a compreender os processos neurais da consolidação do aprendizado e isso pode ser uma adição valiosa aos recursos de conhecimento de quem desempenha a tarefa nobre da instrução.

Mas ter o conhecimento sem ter a habilidade social de transformá-lo em emoções positivas não terá muito valor.

Mais vale o contrário.

Certa vez ouvi de uma velha águia uma frase que me marcou para sempre (e suspeito que ele não tinha conhecimento profundo das neurociências).

Me disse assim: “eu não sou o cara que vai te ensinar muito dos manuais não. Se você quiser, que estude sozinho. Mas eu vou fazer você aproveitar cada segundo da sua instrução comigo. Um instrutor tem que saber muito mais de gente do que de avião”

Genial.

Nem sempre sou capaz de ajudar meu aluno a ter a melhor performance, às vezes o resultado virá mais à frente. Cada um tem um tempo de aprendizado e resposta aos estímulos.

Mas meço o meu sucesso se ao final daquela experiência, não importa o que tenha ocorrido, meu aluno sentir que aquele foi um momento transformador e se ao final do dia, mesmo exausto, ele dê um sorriso - mesmo tímido - de alívio. Pois ali eu sei que agi positivamente para remover de seus ombros toneladas de peso que criam uma resistência enorme ao seu progresso, pois eu fui capaz de abraçar sua alma.

Instruir é construir, é servir a um propósito através da interação humana, e que essa interação seja intensa e positiva, e frutífera e geradora de alegria!

Por que não, então, fazer da instrução um grande ato de amor?

Conrado Ibri é comandante e instrutor de voo.



Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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