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Trilha do Agro
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Setor de borracha vive crise anunciada

Importação em excesso leva a queda de preços e fuga dos seringais

Trilha do Agro|Do R7 e Valter Puga Jr


Seringal, árvore que produz o látex para a produção de borracha
Seringal, árvore que produz o látex para a produção de borracha Reprodução/ Freepik

O Brasil enfrenta uma crise no setor da borracha. Os baixos preços pagos pelo látex bruto colhido no campo - hoje a R$ 2,40 o quilo - , a concorrência da borracha importada da Ásia e da África, somada a indisfarçável desarticulação da cadeia produtiva da borracha no país, desestimula produtores e trabalhadores rurais e já causa graves problemas sociais nas regiões onde predominam seringais.

É que os sangradores – profissionais treinados para retirar o látex das árvores – deixam o campo e rumam com suas famílias para as cidades em busca de trabalho melhor remunerado.

Não à toa. O sangrador começa seu trabalho perto de 2h00 da madrugada, enfrentando na escuridão os insetos, os animais e principalmente as cobras que habitam essas pequenas florestas -- os seringais. Nos últimos anos, em época de safra, esse esforço não rende mais do que R$ 1.800,00 ao fim de um mês.

A crise atinge principalmente o estado de São Paulo, maior produtor de borracha natural do país, responsável por 63% da produção brasileira de 417 mil toneladas (dados de 2022). Só em São Paulo, estima-se que das 18 mil famílias envolvidas com a colheita nos seringais de São Paulo, cerca de 40% teria abandonado a atividade.

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Inexistem estatísticas confiáveis, mas a dificuldade em contratar sangradores para a colheita do látex, aliada a um aumento nos custos de operação no campo, levam produtores rurais - a maioria de pequeno porte - a reduzirem gastos no manejo dos seringais. E há casos de abandono das áreas de produção e até de substituição de seringais por lavouras de cana, pastagens, cereais e até cacau, hoje com perspectivas mais rentáveis.

Não surpreende se a continuidade dessa crise diminuir a produção paulista e reduzir a produção nacional, com o inevitável crescimento da dependência brasileira de importações de borracha. Dados indicam que atualmente o Brasil compra no Exterior mais de 55% do necessário para suprir o mercado, ou seja, importa cerca de 500 mil toneladas de borracha todos os anos.

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Indícios de crises vieram antes

Indícios de que o Brasil escalava para uma crise no setor de borracha eram previstos já em 2022, o período de pico das importações brasileiras de Borracha Natural, lembra o agrônomo e produtor Mário Miranda. Em uma petição pública em setembro de 2022, produtores e sangradores alertavam publicamente o Governo Federal, e solicitavam aumento nos impostos de importação, denunciavam manipulação dos preços pagos ao produtor e antecipavam um risco de colapso no setor. Nada.

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Em janeiro de 2023, a discussão dos problemas do setor atraia a Palestina (SP) mais de dois mil produtores e sangradores; e um outro em março, na Câmara Municipal de São José do Rio Preto (SP), região onde há muitos seringais, reuniria outras 800 pessoas. A partir daí o Movimento Nacional de Produtores e Sangradores receberia mais de 100 manifestações de apoio de Câmaras Municipais de diferentes regiões do país, chamando a atenção do meio político em Brasília.

Freio de arrumação

Enquanto articulavam com a APOTEX, que reúne produtores de borracha, o Instituto de Economia Agrícola (IEA-SP), a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (FAESP), os produtores e seringueiros ousaram propor ao Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, a suspensão total das importações de borracha natural por 90 dias.

E como as indústrias de beneficiamento alegavam estoques muito altos (sem apontar dados), a FAESP endossou a proposta: defendeu a suspensão por 90 dias de toda importação de borracha feita pelo Brasil. “Precisamos de um freio de arrumação; paramos e vamos ver o que de fato ocorre”, argumentava Claudio Brisolara, gerente do Departamento de Economia da FAESP.

Todavia, a suspensão das importações, como se sabe, criaria maiores dificuldades para o Governo Federal logo no início de um mandato já conturbado. A proposta foi rechaçada pelo Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.

Ainda em 2023, o MNPS e as entidades do setor bateram de novo as portas do Ministério da Agricultura propondo, mais uma vez, o aumento dos impostos de importação de 3,2% para 22%, para encarecer a compra de borracha no exterior. Conseguiram obter elevação para 10,80%. “O que está muito longe do ideal, que é de 29%”, diz a pesquisadora científica Marli Mascarenhas, do Instituto de Economia Agrícola, o IEA-SP, que estuda o setor há mais de três décadas e vê o preço da borracha importada até 30% menor que o da borracha nacional.

Como alternativa, ainda no ano passado, o Governo Federal acionou mais de meia dúzia de vezes o PEPRO – o chamado Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural, que é uma subvenção econômica ao produtor rural ou cooperativa de produtores, utilizado quando o mercado não paga o que o governo considera preço mínimo de um produto.

O Pepro ajudou? Muito pouco. Para evitar fraudes e malversação do dinheiro público, a Companhia Nacional de Abastecimento (a Conab), exige documentação e comprovação que “pequenos produtores e sangradores não conseguem atender”, explica Natalino de Freitas, presidente do MNSP. Poucos obtiveram verba do Governo Federal.

Sem solução a vista, produtores e seringueiros bateram agora as portas do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, com outra proposta de delicada implementação: a criação de cotas obrigatórias de compra de borracha nacional pelas indústrias. Difícil.

Concentração no setor

Encontros, reuniões, discussões e estudos nos últimos 12 meses resultaram em um acordo informal entre sangradores, produtores, industriais e dirigentes da CNA, da FAESP e do IEA-SP. “Conseguimos uma certa harmonia, mas nada no papel”, admite a pesquisadora Marli Mascarenhas, do IEA-SP.

O fato é que há mudanças no mercado de borracha natural e visíveis sinais de concentração na produção e no beneficiamento. Há indústrias beneficiadoras de borracha natural adquirindo ou arrendando seringais, e grandes grupos comprando empresas de beneficiamento para fabricação de seus produtos.

Como cerca de 80% da borracha produzida aqui e importada destina-se à indústria de pneus, não causou surpresa em 2023 a compra da beneficiadora Hevea-Tec, importante indústria do setor, pela gigante Pirelli, por 21 milhões de euros.

Enquanto isso, “crescem os problemas sociais”, alerta Antonio Ginack Jr, produtor rural, presidente do Sindicato Rural de Monte Aprazível, região onde há mais de 20 anos houve forte incentivo governamental para implantação de seringais. "E para evitar que problemas sociais cresçam, precisamos garantir condições para que produtores e trabalhadores se mantenham no campo", diz Tirso Meirelles, vice-presidente da FAESP.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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