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Professora alia empreendedorismo com social em escola de inglês na periferia de São Paulo 

Com passagens por colégios bilíngues, profissional quer ampliar chances de emprego dos membros de sua comunidade

Renda Extra|Mariana Botta, do R7


Eloá Coelho é empreendedora, dona da escola de inglês Having Fun, em São Paulo
Eloá Coelho é empreendedora, dona da escola de inglês Having Fun, em São Paulo

Encontrar sentido no trabalho, ajudar as pessoas excluídas e que passam por dificuldades na comunidade, e fazer a diferença no futuro de dezenas de crianças foram as principais motivações que levaram Eloá Coelho, 33 anos, a deixar uma carreira bem-sucedida como professora de colégios bilíngues e abrir uma escola de inglês, em uma parte da própria casa.

Desde que a empresária passou a se dedicar exclusivamente ao próprio negócio, há um ano e meio, a Having Fun saltou de 15 para 103 alunos, e conseguiu um verdadeiro feito: fechou uma parceria com a Universidade de Cambridge, da Inglaterra, que permite aos alunos obter uma certificação válida em mais de 156 países.

O nome da escola foi escolhido por causa da metodologia usada pela professora, chamada Play and learn, por meio da qual as crianças aprendem com jogos, brincadeiras de interação, teatro, música, etc.. "A gente se diverte! O objetivo é mostrar que a aula de inglês não precisa ser uma coisa chata, maçante, mas pode ser prazerosa e fazer parte da infância, como outras atividades. É possível aprender inglês se divertindo", explica Eloá.

A Having Fun funciona no sobrado onde a professora vive com a família, em São Mateus, na zona Leste de São Paulo. "Eu moro na parte de cima e, na parte de baixo, eu montei a escola. Ainda está longe do ideal. Tenho vários planos, vontades, mas tudo tem um preço, e está muito caro. Vamos trabalhando devagarzinho, para alcançar nossos objetivos", diz a empreendedora.

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Atualmente, a escola funciona das 7h às 23h, mas o horário é flexível e depende da necessidade dos alunos. "Se alguém disser que só consegue fazer aula às 7h da manhã, vou atender às 7h. E se outro falar 'ah eu chego do trabalho às 10h', tudo bem, vai ter aula às 22h. Claro que, dentro desse período, tenho horários vagos e um tempo reservado para planejamento", detalha.

A satisfação de ver seu projeto 'em pé' compensa a rotina puxada, afirma Eloá, que já quis ser advogada. "Estava quase no fim do curso de Direito, mas acabei ficando desempregada. Como tinha muitas contas para pagar, precisei sair da faculdade, que tinha mensalidade e materiais caros. Só que eu não queria parar de estudar", falou.

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Pensando em retomar a carreira de advogada no futuro, ela viu na faculdade de Letras uma boa opção (e mais barata!). "Era algo que iria me ajudar, lá na frente, a escrever boas peças [no Direito]".

Mãe visionária

No novo curso, uma vantagem que a professora teve, desde o início, foi saber bem inglês. "De modo geral, conseguia me comunicar bem, mesmo insegura e sentindo vergonha", comenta Eloá, que estudou o idioma desde cedo, incentivada pela mãe.

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"Ela já era uma mulher visionária, e não me deu a opção de fazer o curso de inglês. Como tinha condição financeira naquela época, falou 'você vai fazer e ponto'. Comecei na infância, não gostava muito no início, mas fui até o fim", conta. "Hoje, eu fico pensando: o que eu estaria fazendo, se eu não tivesse o inglês na minha vida?"

Essa parte da história de Eloá lembra a da cantora Anitta, que também foi obrigada pela mãe a aprender inglês. Assim como a artista, ela também cresceu na periferia de uma cidade grande, com poucas opções de colégios, lazer e cultura.

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Ter aprendido o idioma fez diferença para a professora desde o primeiro semestre da faculdade de Letras, quando ela se candidatou para uma vaga de estágio, depois de ver um anúncio de uma escola nas redes sociais.

"Foi em 2016, e a tendência de escolas bilíngues no Brasil estava no início. A demanda era grande, mas havia uma dificuldade imensa de encontrar profissionais, porque só 5% da população brasileira fala inglês, e naquela época era pior ainda. Só pensei: 'quem sabe essa vaga é para mim?', recorda."

Chamada para fazer a entrevista, Eloá acabou sendo aprovada. "Comecei a trabalhar em uma grande franquia canadense de ensino, que foi meu primeiro contato com escola. Ficava perto da minha casa, também na zona Leste [de São Paulo], mas era como uma realidade paralela, um ambiente muito elitizado. E nunca tinha tido contato com aquilo, era totalmente novo para mim", revela, lembrando-se da sensação de 'choque de realidade'. 

Realidade desigual

Com o tempo, ao invés de se sentir realizada no trabalho, Eloá começou a ficar incomodada. "Era muito legal ter aquela oportunidade, que foi muito importante para o meu crescimento profissional. Aprendi muitas coisas, tive parceiros incríveis. Mas comecei a ver a lacuna que existia no ensino público. As crianças de lá tinham todas as oportunidades e, claro, tinham mesmo que aproveitar ao máximo, não tinham 'culpa' de ter essa condição", diz.

Ao mesmo tempo em que se encantava com a qualidade do ensino e com os recursos que estavam à disposição dos professores e dos estudantes, um pensamento a assombrava: "E as minhas crianças? Tenho dois filhos que ficam em casa, e saio para oferecer uma educação de ponta para os outros", questionava.

Na periferia, fala Eloá, a gente mal tem educação regular, quem dirá ensino bilíngue. Aborrecida com duas realidades tão distintas, que precisava encarar todos os dias, a professora teve vontade de fazer alguma coisa por quem, como ela, cresce na periferia.

"Eu queria dar aula para o público que, de fato, precisa ter acesso ao inglês. Se ninguém pensar em fazer diferente, essa nossa realidade nunca vai mudar", concluiu.

Estava lançada a semente da escola Having Fun. 

Do projeto à ação

"Na periferia estão as pessoas que precisam aprender inglês agora. Pensando no mercado de trabalho globalizado, grande parte das vagas de emprego pedem inglês", refletiu Eloá. "Então, quando é que os nossos vão conseguir estar em altos cargos dentro das grandes empresas? Quando vão chegar aos cargos de direção, e deixar de ser só mão de obra barata, do chão de fábrica?"

Algum tempo depois, a professora soube de algo que a chateou um pouco mais: "Descobri que fui contratada porque havia uma única criança negra na escola, que tinha sido adotada, e ela começou a perguntar para os pais por que todo mundo era branco ali, e só ela era diferente. Ficou claro que eu só tive essa oportunidade por causa daquela criança, e meu incômodo aumentou. Queria saber se alguma outra vez pessoas negras tinham passado por um processo seletivo lá."

Eloá Coelho, com alunos de sua escola de inglês
Eloá Coelho, com alunos de sua escola de inglês

O estágio acabou, e Eloá passou por outras escolas bilíngues, onde pôde atuar como professora, adquirindo mais experiência. Ao mesmo tempo, ela pensava em como viabilizar o projeto de abrir sua escola de inglês.

Trabalhando nos colégios dos bairros nobres de São Paulo, ela começou a dar aulas particulares, "para entender o mercado, ver como era a demanda e quanto dava para ganhar por mês."

A Having Fun saiu do papel e foi inaugurada em 2019, mas a empreendedora manteve seu emprego e os alunos particulares. Com o tempo, a ideia era se manter apenas com o que ganhava com as aulas particulares e com a escola de inglês.

"Minha meta era continuar no colégio enquanto o ganho com a Having Fun ficasse abaixo do salário que eu tinha lá. A partir do momento que ultrapassasse, eu poderia me dedicar exclusivamente à minha escola. Eu precisava ter o mínimo para as despesas da casa garantido. Antes disso de conseguir isso, fiquei com os dois trabalhos", conta.

Inglês para todos

Inicialmente, o projeto era oferecer aulas apenas para crianças, já que "são elas que, talvez, vão poder competir de igual para igual lá na frente, no mercado de trabalho", explica Eloá, feliz com os resultados. "Aqueles 'cotoquinho' não têm medo de falar nada, a evolução das crianças é incrível", comenta.

O comportamento dos moradores do bairro fez a professora e empresária mudar de planos. "Aqui, colocar os filhos no inglês não é uma prioridade, porque a gente precisa se preocupar com muitas outras coisas. Por isso, fica difícil acessar as crianças, e é mais difícil ainda mostrar para os responsáveis como é importante é expor os pequenos ao inglês o quanto antes, como isso facilitar o processo de aprendizagem. Tento mostrar aos poucos, e acho que a mentalidade já está mudando, porque sinto uma maior adesão agora. Mas, para isso, foi preciso abrir aulas para os adultos", justifica.

Com as turmas de adultos, além de aumentar o número de alunos, Eloá consegue viabilizar outro sonho: oferecer de bolsas de estudo para crianças e minorias sociais, que não podem pagar pelo curso. Ela diz que, a cada quatro alunos pagantes, consegue disponibilizar uma bolsa para uma criança da região. "Também temos estudantes gays, trans, brancos, pretos. A nossa escola é para o povo."

Professora e empresária

Mais de um ano depois da abertura da escola, na metade de 2021, os ganhos de Eloá na Having Fun superaram o salário que ela recebia no colégio de classe alta, e ela se sentiu segura para deixar o emprego e se dedicar ao próprio negócio.

Apesar da pandemia da Covid-19, o isolamento social, em vez de atrapalhar, a ajudou. "Até então, eu só pensava em aulas presenciais, mas, com a migração para o digital, nossa capacidade de atendimento aumentou, e passamos a ter alunos espalhados pelo Brasil inteiro. Consegui abrir um leque de oportunidades com o online." 

Eloá conta que a administração é um aprendizado diário, seu maior desafio. Além da estratégia de negócios, outra questão com a qual ainda tem de saber lidar é "a matemática necessária para investir na escola, ter lucro e continuar ajudando as pessoas", resume a professora, que fez um curso de educação financeira, na escola digital No Front, voltada à comunidade negra e periférica.

"Ainda tenho uma certa dificuldade para chegar no preço da mensalidade. Sei que pode até parecer engraçado dizer isso, mas, hoje, a gente não tem um valor fixo estipulado. Funciona assim: quem tem mais, paga mais, quem tem menos, paga menos, e quem não tem, não paga nada", falou, em setembro de 2022.

A professora, durante aula de inglês para jovens
A professora, durante aula de inglês para jovens

Para fazer o cálculo, ela considera o quanto precisa receber pela hora/aula e os preços praticados no mercado para uma aula particular. Daí, em vez de ensinar apenas uma pessoa, dá aulas para um grupo. "Assim, consigo dividir o valor referente à hora/aula pelo número de alunos e, quanto mais gente entra na turma, mais barata a mensalidade vai ficando, o que me permite atender mais pessoas". 

Dessa forma, os estudantes desembolsam valores que vão de zero a R$ 450. "Tem gente que paga R$ 50, outros R$ 150, independentemente da quantidade de aulas por semana. Adotamos alguns critérios de avaliação socioeconômica pois, infelizmente, há pessoas que tentam se aproveitar. Fazemos uma pesquisa para saber se o aluno realmente precisa da bolsa", explica a empreendedora, que já tem três funcionários.

Parceria inusitada

A Having Fun tem uma parceria com a Universidade de Cambridge, do Reino Unido, para a certificação dos estudantes aprovados em um exame, realizado e válido em mais de 156 países. "Não é por ser barato que o curso é ruim. Tem muitas pessoas que ainda têm essa mentalidade, e eu queria que meus alunos pudessem ter um certificado, que não fosse só um diploma de gaveta. Como eu tinha feito a minha certificação, decidi tentar esse acordo para a minha escola, e deu certo."

Entretanto, só para fazer o exame que dá direito ao certificado, no caso de aprovação, o estudante tem de desembolsar cerca de R$ 500. "Quando as crianças entram na escola, eu já vou falando para os pais guardarem R$ 20 por mês, explico sobre a certificação, que precisam juntar esse valor, e eles ficam na maior empolgação", conta.

"Fico muito feliz com os resultados, quando um aluno conta que ouviu uma música e que reconheceu uma palavra. Eu sei que ele só entendeu aquela palavra, mas já foi uma mudança extraordinária. Ver a percepção deles, de que estão entendendo, é muito gratificante, não tem preço. Hoje eu me sinto realizada profissionalmente, sei que é isso que quero fazer para sempre, e não me vejo fazendo outra coisa. Posso dizer que todo dia é incrível, que encontrei sentido no meu trabalho, isso é maravilhoso", finaliza. 

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