O magistrado Andre Felipe Veras de Oliveira, da 32ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, aceitou a denúncia ofertada pelo Ministério Público carioca contra a comerciante chinesa Li Chen, 48 anos, acusada dos crimes de racismo, injúria racial e dano. A decisão é da última sexta-feira (7).
Os crimes teriam acontecido no dia 21 de setembro, quando, de acordo com a acusação, ela expulsou de sua loja a balconista Laura Brito dos Santos Viana, 28, usando palavras e expressões de teor racista. A defesa da comerciante, contudo, afirma que ela mal fala português e que a denúncia é caluniosa.
A decisão de Oliveira concluiu que "a materialidade e a autoria das infrações penais imputadas à denunciada, ao menos em princípio, a partir de um juízo ainda precário de cognição meramente superficial, estão demonstradas".
Para o magistrado, as declarações da testemunha e da vítima são "coerentes e harmônicas entre si", e a comerciante, "em sede policial, não quis prestar declarações, de modo que a sua versão para os fatos ainda é ignorada". Diante disso, Li Chen terá dez dias para apresentação de defesa prévia.
Na denúncia, o Ministério Público diz que a comerciante teria seguido Laura pela loja, tomado a cesta de produtos, dado um tapa em seu braço e lançado o celular da cliente ao chão, danificando-o. Li Chen, de acordo com o que afirma o MP, expulsou a jovem do estabelecimento chamando-a de "preta safada", "neguinha" e "macaca".
As duas teriam se confrontado na saída, momento em que a chinesa teria ameaçado jogar o conteúdo de um vidro de álcool na cliente, afirmando "não quero essas neguices na minha loja" e "não quero ninguém da sua raça na minha loja".
A defesa da comerciante enviou um vídeo ao Estadão, registrado pelas câmeras de segurança da loja, que fica na avenida Siqueira Campos, em Copacabana. O vídeo não tem som e mostra que houve uma discussão entre Laura e Li Chen. O advogado Humberto Adami, que, junto de Wagner Oliveira, representa a vítima no processo, afirma que o vídeo possui cortes que não mostram a totalidade da situação.
No dia da ocorrência, Li Chen chegou a ser presa em flagrante. Como ela foi autuada por injúria racial, crime passível de fiança, ela pagou à Justiça R$ 1.500 e pode permanecer em liberdade enquanto responde ao processo. Sua advogada, Camila Félix, afirma que buscará o trancamento da ação penal e que a comerciante deveria ter sido ouvida na delegacia com o apoio de um tradutor.
O que a defesa da vítima diz
"O MP-RJ denunciou a chinesa Li Chen por injúria racial e vias de fato contra nossa cliente Laura Brito dos Santos Viana, além da denúncia por racismo. A denúncia foi recebida pelo juiz da 32ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, o Dr. André Felipe Veras de Oliveira. Não há nenhuma manifestação da defesa da acusada nos autos, apesar de esta vir distribuindo vídeo editado contendo parte dos fatos — sem som — que comprovam a injusta agressão à Laura, bem como sua legítima defesa. Iremos aguardar a defesa da acusada nos autos."
O que a defesa da chinesa diz
Após contato da reportagem, a defesa da comerciante afirma que ratifica a manifestação já enviada na última quinta-feira (6):
• a denúncia da consumidora destoa dos fatos ocorridos, conforme comprova o vídeo das câmeras de segurança (imagens repassadas ao veículo de comunicação);
• as supostas ofensas informadas à imprensa e à polícia nunca foram proferidas. Trata-se de palavras e expressões que a acusada, de nacionalidade chinesa, desconhece. A lojista não fala português e consegue — apenas — realizar comunicações básicas (como cumprimentos e agradecimentos, entender e responder sobre os valores de produtos);
• a denunciada e o estabelecimento são contrários a qualquer atitude racista, sexista, de xenofobia ou de sinofobia. A defesa também esclarece que a comerciante se aproximou da cliente (em 21/9/2022) com o objetivo de auxiliá-la nas compras (abordagem padrão na loja), apesar de não ter conhecimento pleno do idioma português;
• pontos importantes, que deveriam fazer parte do procedimento policial, não foram realizados: a comerciante nem sequer foi ouvida pela polícia e foi presa com base — unicamente — no relato da consumidora e de testemunha que não presenciou o ocorrido (câmeras de segurança comprovam a afirmação); e
• a prisão em flagrante ocorreu sem a presença de tradutor juramentado, sem a presença de advogado, e o Boletim de Ocorrência foi assinado pela chinesa, que não sabe ler português.
Por fim, a advogada que defende a comerciante, Camila Félix, afirma que a prisão foi arbitrária, que solicitará trancamento da ação penal e ingressará com ação de falso testemunho e denunciação caluniosa.