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'Minha neta desenhou criança no meio das chamas', diz líder do FLM

Coordenadora de ocupação relata como crianças de prédios vizinhos reagiram ao assistir ao desmoronamento do edifício Wilton Paes de Almeida

São Paulo|Fabíola Perez, do R7

Crianças de prédios vizinhos ficaram impactadas com a tragédia
Crianças de prédios vizinhos ficaram impactadas com a tragédia Crianças de prédios vizinhos ficaram impactadas com a tragédia

Quando a imagem das chamas e o som da explosão do edifício Wilton Paes de Almeida refletiram nos imóveis vizinhos da avenida Rio Branco, no centro da cidade, as crianças e adolescentes da ocupação foram os primeiros a descer. A evacuação foi feita não só em função da fumaça que começou a tomar os quartos mas, principalmente, pela mistura de medo e curiosidade sobre o que ocorria na madrugada da terça-feira (2).

Da calçada, as crianças assistiam inertes ao desabamento do prédio. “Tinha uma câmera na portaria e quando a porteira viu a movimentação me chamou para dizer que estava acontecendo alguma coisa estranha”, afirma Jomarina Abreu Pires da Fonseca, 60 anos, uma das coordenadoras do movimento Frente de Luta por Moradia (FLM). “Vi mães puxando crianças por todos os lados.”

Jomarina conta que logo nos primeiros momentos não era possível entender a proporção do incêndio. “Achamos que o fogo ia se apagar, mas percebemos que os bombeiros estavam demorando para chegar”, diz. “Vimos, então, o vidro começar a cair e segundos depois, o prédio desabar por completo.”

A única coisa que passava pela cabeça dos moradores do prédio vizinho, que já possuem certa experiência em ocupações, era descer e aguardar na portaria até que o socorro chegasse. “Ficamos muito apavorados”, diz Jomarina. “No dia seguinte, soube que minha neta de seis anos fez o desenho de uma criança saindo de um prédio pegando fogo.”

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Além das famílias abaladas com o desabamento, as crianças das ocupações vizinhas também não conseguiram dormir na primeira noite depois do incêndio. “Elas ficaram a noite inteira preocupadas. Meus três netos estavam conversando sobre a explosão no quarto. Precisei entrar e mandar eles dormirem”, afirma Jomarina. “Eles queriam ir lá e levar coisas para ajudar.”

De acordo com a pesquisadora que estuda a saúde mental dos moradores de ocupações pela Universidade de São Paulo e pela Unesp, Cássia Felled, as crianças que vivem em situação de vulnerabilidade habitacional possuem entendimento do contexto em que vivem. “Pessoas que vivem essa realidade enfrentam um processo muito desgastante e têm um índice de distúrbios Crianças sofrem impactos e traumas das tragédias”, afirma.

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A especialista explica que as migrações impõem aos jovens e às crianças um processo de aceitação. “Essas crianças têm condições de entender que a tragédia aconteceu porque não houve manutenção dos equipamentos”, diz. Segundo ela, falar sobre uma situação traumática vem da necessidade de confrontar suas versões para entender o que ocorreu de fato e o que é imaginação. “O desenho expressa algo que não se consegue colocar em palavras.”

Ocupações

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Pesquisadora diz que crianças de ocupações conhecem contexto social
Pesquisadora diz que crianças de ocupações conhecem contexto social Pesquisadora diz que crianças de ocupações conhecem contexto social

Após moradores terem acusado líderes do Movimento da Luta Social por Moradia (MLSM), responsável pela ocupação do prédio que desmoronou, de usar o dinheiro das taxas cobradas no edifício em benefício próprio, outros movimentos explicam que cada ocupação tem sua própria lógica de funcionamento. “Nas ocupações da FLM temos todas as condições de segurança, sempre recomendamos a fiscalização”, diz Jomarina.

No caso do edifício Wilton Paes de Almeida, segundo Jomarina, as famílias sabiam das condições precárias do prédio. “Quando fazemos uma ocupação, em geral, os imóveis são completamente detonados, não tem água, nem esgoto. Acertamos o pagamento das contribuições em assembleias.”

Jomarina afirma que na ocupação em que vive, na avenida Rio Branco, a contribuição é cobrada para a manutenção do imóvel. “As taxas servem, por exemplo, para pagar porteiros. No meu prédio, alguns trabalhadores eram moradores que estavam desempregados”, diz. Em relação às vistorias, prometidas pela Prefeitura e pelo Ministério Público, Jomarina não tem esperanças de que resultem em melhorias.

Jomarina vivia na ocupação em frente ao prédio que desabou
Jomarina vivia na ocupação em frente ao prédio que desabou Jomarina vivia na ocupação em frente ao prédio que desabou

Ela, que já passou por um incêndio na ocupação Prestes Maia, em 2003, afirma que com o desmoronamento do prédio no Largo do Paissandu, o déficit habitacional se torna ainda maior. “O poder público demorou muito para se posicionar. Essas pessoas vão acabar fazendo uma nova ocupação”, afirma a coordenadora.

Sobre o movimento que coordenava o prédio que desmoronou, Jomarina diz que conhecia os líderes, porém, não tinha proximidade com eles. “Na hora H, eles não se juntavam muito”, diz. Outros coordenadores de movimentos de luta por moradia ouvidos pela reportagem também declararam que o MLSM tinha uma forma de agir mais isolada.

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