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Skatistas querem espaço e convivência pacífica nas ruas e calçadas da capital

São mais de 950 mil praticantes na cidade; última proibição completa 29 anos e falta diálogo

São Paulo|Juca Guimarães, do R7

Em 1988, "Queremos andar de skate" era a palavra de ordem
Em 1988, "Queremos andar de skate" era a palavra de ordem Em 1988, "Queremos andar de skate" era a palavra de ordem

O skate está presente no cotidiano da cidade de São Paulo há muitas décadas e já superou as barreiras de gênero, idade e classe social. De acordo com a Federação Paulista de Skate, são mais de 950 mil praticantes. Além disso, a pranchinha de madeira compensada com rodinhas de poliuretano é uma velha conhecida da cidade.

Em 1975, o skate ganhou o meigo apelido de "esporte assassino" e foi proibido na cidade, por conta dos inúmeros acidentes causados pela febre iniciada em 1974, quando a modalidade desembarcou em terras paulistanas. A proibição do skate nas ruas e calçadas veio acompanhada pela criação das ruas de lazer, que eram fechadas aos finais de semana para a prática de brincadeiras e esportes, muitas delas viraram, exclusivamente, ruas de skate e o esporte (já alçado naquela época à estilo de vida) cresceu muito levando ao total descrédito a lei de proibição.

A polêmica envolvendo o skate reacendeu mais de uma década depois após um caloroso bate-boca midiático entre o então prefeito Jânio Quadros e os skatistas. O prefeito fez duras críticas ao skate e ao estilo de vida rebelde da garotada e determinou a proibição do esporte no Parque do Ibirapuera, na zona Sul; que naquele momento era o berço de uma geração de skatistas brasileiros que se tornaria famosa no mundo todo nas décadas seguintes.

A resposta ao Jânio foi rápida e barulhenta. Os skatista fizeram passeatas na avenida Paulista, na avenida da Consolação e invadiram o Ibirapuera. O prefeito também radicalizou e proibiu o skate em toda a cidade. Andar na pranchinha virou caso de polícia e escapar das viaturas virou parte da rotina de manobras dos jovens. A maré só virou em janeiro de 1989, quando a prefeita Luiza Erundina, sucessora de Jânio, assumiu e liberou o skate no parque.

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Atualmente, 29 anos depois do levante dos Bira Boys, como ficou conhecida aquela geração, os skatistas e a prefeitura de São Paulo não acertaram os ponteiros sobre um modelo de convivência mais pacífico.

No domingo, 25 de junho, um motorista atropelou um grupo grande de skatistas que participavam Go Skate Day (movimento mundial de visibilidade do skate), que já teve oito edições na cidade.

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"Os skatistas querem respeito. A nossa Go Skate Day é uma das maiores do mundo. Acho que tudo é uma questão de bom senso. Não é preciso criar leis e proibições, precisa é de campanha para incentivar a boa convivência entre as pessoas e os diversos tipos de modais, ou seja, é um questão de educação e de se proteger o lado mais fraco. Se tiver menos carros e mais transportes alternativos, como bike, patins, triciclo, skate e até mesmo a pé, o trânsito vai melhorar ", disse Dan Feitosa. presidente da Associação Go Skate Day.

Feitosa acredita que andar de skate nas calçadas não é uma ameaça aos pedestres. "Tem espaço para todos é só saber compartilhar, principalmente na avenida Paulista", disse.

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Há 15 anos vivendo intensamente o skate, o empresário e skatista William Chou defende uma intervenção inteligente da prefeitura na questão para melhor a relação entre a cidade e os skatistas. 

"Skate, além de um esporte, é uma arte e estilo de vida. Então é complicado ter uma regra formal de convívio. Na minha opinião, o mais apropriado é a regra universal do bom senso. A prefeitura deveria elaborar projetos de pistas novas e adequar áreas e terrenos ociosos para a prática do esporte. O Brasil já é uma potência mundial do skate e com mais incentivo poderia ser ainda maior", disse o sócio da 90'Skateshop e um dos ícones do skate de rua.

Recentemente, a Federação Paulista de Skate vistoriou 170 locais na cidade onde se anda de skate. A federação constatou que a situação é precária em 70% deles. A Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, órgão responsável pela liberação do Go Skate Day, não quis comentar a falta de regulamentação para o uso de skate em São Paulo. A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) informou, por meio de nota, que "pelo Código de Trânsito Brasileiro, skate não é considerado um veículo e, por esse motivo, os agentes de trânsito não têm competência para fiscalizá-los nem criar regras por onde devem circular nas ruas da cidade. A CET, no entanto, afirma que os skatistas podem trafegar pelas ciclovias".

Documento indica que CET deveria ter interditado via 18 minutos antes de atropelamento de skatistas

A história do skate em São Paulo e como uma geração de atletas paulistanos conquistou o mundo ganhando campeonatos e criando manobras como Sandro Dias, Bob Burnquist, Cristiano Mateus, Lincoln Ueda, entre outros, está no filme "Vida Sobre Rodas", do skatista e diretor Daniel Baccaro. O cineasta falou com o R7 sobre a relação entre a cidade e os skatistas.

R7 : Nos anos 80, o skate era meio marginalizado. Hoje, apesar da evolução gigante, continua sendo visto como algo meio marginal. O que mudou (ou o que não mudou) de lá para cá?

Daniel Baccaro: Muita coisa mudou, de lá para cá tivemos avanços expressivos, como o número de pistas construídas pelas instituições públicas por exemplo, o skate passou a ser o segundo esporte mais praticado no Brasil e tivemos campeões mundiais nas modalidades street e vertical, entre outras. Se olharmos mais de perto ainda, temos alguns representantes do skate brasileiro que passaram a ser embaixadores no mundo, como é o caso do decacampeão Bob Burnquist. O que não mudou é a questão do skatista dividir com o público em geral as vias da cidades e com isso a visão marginalizada ainda se mantém por conta dos conflitos.

R7: No seu filme Vida Sobre Rodas, você buscou informações sobre como era a relação dos skatistas com os órgãos oficiais da prefeitura naquela época?

Daniel Baccaro: Não buscamos especificamente informações com os órgãos oficiais da época, o que fizemos foi uma pesquisa no material de acervo e percebemos que já havia algumas iniciativas públicas como a pista de São Bernardo do Campo ou iniciativas privadas como a pista do Itaguará Country Clube. Na década de 80 iniciou-se uma interface entre skatistas e poder público, mas tudo muito embrionário. Foi o ponto de partida de uma conversa que perdura até os dias de hoje.

R7: Na capital, o prefeito Jânio Quadros chegou a proibir o skate. Qual foi o efeito disso na molecada na época?

Daniel Baccaro: Revolta e indignação. Muitos skatistas participaram de uma manifestação contra a proibição. Eu mesmo, morava no centro da cidade na época e não podia andar de skate no Vale do Anhangabaú, era uma palhaçada. Vendo agora, essa proibição até ajudou a trazer mais atenção para o skate de uma forma geral. As pessoas passaram a perceber que não era um grupo pequeno de garotos espalhados pela cidade de São Paulo. O skate deixou claro que não era apenas uma moda e estava ali para ficar.

R7: O que é o skate para você?

Daniel Baccaro: O skate é diversão, locomoção, estilo de vida, uma forma de expressão. Na minha opinião o skate está ligado a prazer e liberdade.

R7: Existe espaço para o skate dentro dos modelos de mobilidade urbana de uma cidade grande como São Paulo?

Daniel Baccaro: Sim, porém falta boa vontade e atitude do poder público. Se notarmos, as vias estão degradadas e com muitos espaços ocupados de maneira ilegal, como por exemplo mesas de bares e restaurantes ao longo das calçadas, o que impede não só o bom trânsito dos skatistas mas também dos pedestres. A mobilidade de uma cidade como São Paulo tem que ser fluída ao máximo e com várias alternativas de transporte, o skate é só mais uma delas.

R7: O que poderia ser feito para melhorar a relação entre skatistas e a cidade?

Daniel Baccaro: Eu começaria com a manutenção das calçadas e vias públicas nos quatro cantos da cidade. Faria também a adaptação de praças públicas para prática do skate. Outra ação seria o fechamento de ruas nos finais de semana e pistas feitas por pessoas que conhecem o skate e andam de skate. Temos muitas pistas feitas com dinheiro público, projetadas por pessoas que não sabem nada sobre o assunto. Isso é um desperdício.

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