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Spam e roubos milionários: estamos todos cercados de golpistas na vida online

Só em 2022, os golpes por SMS roubaram dos americanos US$ 300 milhões, segundo a Comissão Federal do Comércio

Tecnologia e Ciência|Steven Kurutz, do The New York Times

Aparentemente, todas as facetas da vida diária agora vêm acompanhadas de golpes (Toma Vagner/The New York Times)

Você abre os olhos e procura seu celular. Verifica sua caixa de entrada e descobre dezenas de e-mails de spam que passaram pelo filtro.

Ao acessar o Instagram, encontra nas suas mensagens diretas uma solicitação para uma suposta colaboração de marca. Enquanto isso, as notificações do WhatsApp consistem apenas de estranhos pedindo que você invista em uma bolsa de criptomoedas.

Um gerente de recrutamento entrou em contato por meio do LinkedIn para dizer que está “impressionado com sua jornada e seu histórico únicos” e quer discutir “oportunidades de trabalho interessantes” em várias empresas da Fortune 500.

Ao percorrer as redes sociais no horário de almoço, você vê Tom Hanks promovendo um plano odontológico e Taylor Swift vendendo uma oferta de utensílios de cozinha. (Ou pelo menos é o que parece estar se passando.)

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Na volta do trabalho, você recebe uma notificação da FedEx com um número de rastreio e um link para atualizar suas preferências de entrega – só que você não se lembra de estar esperando nenhuma remessa.

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Será que você deveria clicar no link? Atender àquela ligação? Buscar aquela oportunidade de emprego? Será que a pessoa que acabou de lhe enviar uma mensagem de texto com um número que você não reconhece é alguém que você realmente conhece?

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Bem-vindo ao Mundo dos Golpes, a camada sombria logo abaixo do mundo em que vivemos todos os dias, repleto de mensagens de texto falsas, chamadas de spam e tentativas de phishing.

Aparentemente, todas as facetas da vida diária agora vêm acompanhadas de golpes – até mesmo a morte, já que os detalhes dos obituários on-line podem resultar em roubo de identidade. E a perspectiva de que podemos ser enganados a qualquer momento “nos deixa vulneráveis”, disse Pamela Rutledge, diretora do Centro de Pesquisa em Psicologia da Mídia em Boston. “A falta de confiança significa que não podemos aceitar as informações pelo que parecem. Vivemos em um estado extremo de vigilância.”

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Estamos sendo ‘preparados’ para sermos enganados

Nos primeiros anos da cultura digital, havia uma fronteira firme entre o mundo real e a internet. Navegar na rede por uma ou duas horas à noite parecia um hobby separado das atividades da vida cotidiana.

Agora levamos a internet no bolso e dependemos dela para praticamente todos os aspectos do cotidiano. “Estamos dentro do computador”, afirmou Rachel Tobac, CEO da SocialProof Security, empresa de segurança cibernética.

A vida on-line gerou uma confiança equivocada, mas necessária. Seria difícil usar o TikTok, o Uber e o Gmail diariamente e acreditar que isso cria um risco perigoso. “Muita gente desliga o cérebro quando usa esses aplicativos e plataformas, porque é muito estressante considerar que essas interações são potencialmente prejudiciais”, comentou Tobac.

Alguns dos golpes geram prejuízos de milhões e atingem pessoas experientes (Toma Vagner/The New York Times)

Sem dúvida, ainda existem muitos fraudadores e golpistas no mundo real, alguns dos quais – como Anna Delvey e Sam Bankman-Fried – deixam as pessoas fascinadas. “Mas um reino digital cria um funil maior para fraudes, a um custo menor”, observou Cory Doctorow, jornalista e autor de ficção científica que escreve sobre a internet desde seus primórdios.

Doctorow observou que, assim como a internet tornou as tarefas rotineiras menos onerosas, também facilitou muito a aplicação de golpes. Imagine uma sala decrépita, em que vigaristas de fala rápida fazem centenas de telefonemas na tentativa de roubar as economias de estranhos, disse ele. Agora, avance para 2024, quando os golpistas têm meios de enviar milhões de mensagens de texto e e-mails de phishing com a ajuda de bots. “Quando é possível automatizar partes do processo, os golpistas conseguem ampliar muito o número de vítimas potenciais”, disse o jornalista.

Os golpes por SMS roubaram dos americanos US$ 300 milhões em 2022, segundo a Comissão Federal do Comércio (FTC, na sigla em inglês). Nesse mesmo ano, os americanos receberam 225 bilhões de mensagens de SMS de spam, aumento de 157 por cento em relação ao ano anterior, de acordo com um relatório da Robokiller, empresa que vende um aplicativo bloqueador de spam.

Por mais experiente e cauteloso que seja no âmbito digital, Doctorow não é imune ao phishing. Em dezembro, enquanto passava férias com a família em Nova Orleans, ele recebeu uma ligação de seu banco perguntando se havia gastado US$ 1.000 em uma loja da Apple em Nova York. Na verdade, o autor da chamada era um golpista que obtivera o número de telefone de Doctorow e o nome de sua cooperativa de crédito – talvez de um dos muitos corretores de dados que coletam informações pessoais e as vendem a terceiros – e, em seguida, usara um software de falsificação para aparecer como seu banco no identificador de chamadas.

Durante a ligação, o jornalista forneceu os últimos sete dígitos do número de seu cartão de débito – informação suficiente para que o golpista fizesse lançamentos em sua conta.

Um presente distópico

O autor de ficção científica William Gibson, que criou o termo “ciberespaço”, fez de um hacker o protagonista de seu romance de 1984, “Neuromancer”, que se passa na década de 2030. Cerca de 25 anos depois de escrevê-lo, ele começou a ambientar seus livros não em um futuro distante, mas no presente.

O cenário tenso da década de 2020 parece especialmente semelhante ao de Gibson: uma rotina desestabilizadora e exaustiva na qual a própria tecnologia em que confiamos nos faz duvidar da veracidade do que vemos e ouvimos.

Dois incidentes recentes revelam como é fácil ser sugado pelo mundo dos golpes.

Em fevereiro, um funcionário do setor financeiro de Hong Kong foi induzido a transferir US$ 26 milhões do dinheiro de sua empresa para fraudadores que se fizeram passar por seus colegas em uma chamada de vídeo. O golpe utilizou recriações “deepfake” tão sofisticadas que ele pensou que estava falando com seu chefe e outros membros da equipe. (As falsas promoções com Hanks e Swift usaram tecnologia semelhante.)

Dias depois da reportagem da Bloomberg sobre o elaborado golpe em Hong Kong, o “The Cut” publicou um relato em primeira pessoa de Charlotte Cowles com o título “O dia em que coloquei US$ 50 mil em uma caixa de sapatos e os entreguei a um estranho”.

No início da matéria, Cowles, jornalista financeira que já escreveu para o “The New York Times”, escreve: “Uma mulher educada com um sotaque vago me disse que estava ligando do serviço de atendimento ao cliente da Amazon para verificar uma atividade incomum na minha conta.”

O que se seguiu foi um psicodrama saído diretamente de Hitchcock: depois que Cowles foi informada de que havia sido vítima de roubo de identidade, foi transferida para um investigador da FTC e depois para um agente da CIA. Ela ficou sabendo que estava sendo investigada por crimes federais e que seu telefone estava grampeado.

Totalmente fabricada por golpistas, praticada por meio de uma linha telefônica, a experiência angustiante durou horas. Continha todos os ingredientes de um golpe moderno, como explicou Tobac: “Estão forjando o atendimento ao cliente, estabelecendo credibilidade por meio de detalhes confidenciais de sites de corretagem de dados, usando a urgência e o medo e apelando para a autoridade.”

As reações à história não foram todas favoráveis, e Cowles entendeu as reclamações dos críticos que a consideraram ingênua. “Antes que passasse por isso, eu não me considerava uma pessoa vulnerável a golpes”, afirmou ela em entrevista.

No entanto, as estatísticas desmentem essa reação. Mais de 600 mil casos envolvendo golpes de impostores foram relatados nos Estados Unidos no ano passado, custando aos americanos mais de US$ 2 bilhões, de acordo com a FTC. Entre as vítimas estava o apresentador da Bravo TV, Andy Cohen, que foi ao programa “Today”, da NBC, em janeiro, para alertar os telespectadores de como perdera milhares de dólares para uma pessoa que se passava por representante de seu banco.

‘Educadamente paranoica’

As estratégias que as pessoas vinham usando para evitar os riscos do mundo analógico podem não se aplicar à nova realidade digital, afirmou Tobac, que é especialista em segurança cibernética. “Somos presas fáceis para os golpistas, porque não desenvolvemos defesas contra seus ataques.” E acrescentou: “Sou cética em relação a quase todo mundo.” Ela observou que, quando a contatamos para esta matéria, passou o endereço de e-mail do repórter por uma ferramenta de verificação e usou um segundo método de comunicação, entrando em contato pelo X. Só então se sentiu segura o suficiente para concordar com uma entrevista por telefone.

Tobac chama sua abordagem de “educadamente paranoica”. Ela tem de repetir seu processo de verificação em várias etapas dezenas de vezes por semana, se não centenas. Educada ou não, aprendeu a aceitar a paranoia.

Como se quisesse enfatizar o que é necessário para manter a segurança no Mundo dos Golpes, ela disse no meio da entrevista: “Este, aliás, não é meu verdadeiro número de telefone.”

c. 2024 The New York Times Company

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