O Ceará e o Brasil assistiram, no último sábado (27), àquela que é considerada a maior chacina registrada naquele Estado. Um grupo de homens armados invadiu uma festa de um clube privado no bairro de Cajazeiras, subúrbio de Fortaleza, e matou ao menos 14 pessoas. Na maioria, mulheres. O crime é atribuído a uma guerra entre facções crimininosas que buscam consolidar seu poder pelo Estado
Mas a incidência de homicídios não acabou naquela madrugada.
No mesmo fim de semana, 33 pessoas foram mortas na capital e Região Metropolitana (RMS), segundo levantamento extraoficial realizado pela TV Cidade Fortaleza, afiliada da RecordTV no Ceará.
Já nesta segunda-feira (29), outras 10 pessoas morreram em um tiroteio entre presos de grupos rivais dentro de uma cadeia de Itapajé, a 125km da capital cearense.
A Polícia Militar investiga se há alguma ligação entre a série de barbáries.
A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), que apresenta dados diários sobre Crimes Violentos Letais - como são tipificados os homicídios -, ainda não divulgou informações oficiais sobre o último fim de semana.
Está tudo sob controle
Apesar do clima de tensão constante, o atual titular da SSPDS, o delegado André Costa, garantiu, durante coletiva de imprensa no último sábado, que "está tudo sob controle" e que a chacina no subúrbio de Fortaleza foi "uma situação pontual". A declaração, feita diante da tragédia dos crescentes número de homícidios, foi contestada por especialistas.
"Eu acho que o doutor André não contribuiu em nada com esta fala. Ele é esforçado, é um bom delegado, mas precisamos de um secretário que esteja em gabinete, coordenado, pensando e executando estratégias contra o crime organizado", comentou o presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), Cândido Albuquerque.
O secretário tem que ter humildade e reconhecer que a situação do Estado é crítica
"Ele [o secretário] tem que ter humildade e reconhecer que a situação do Estado é crítica. Estamos vulneráveis. Somente no ano passado, foram mais de cinco mil mortos [no Ceará]", comentou o advogado Márcio Victor, presidente da Comissão de Direito Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Ceará (OAB/CE).
Para o sociólogo do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira, "as facilidades e as promessas de realização aliciam os jovens para a entrada no crime organizado".
O presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), Cláudio Justa, concorda com Barreira. "A [facção] Guardiões do Estado tenta se impor pela força, pela crueldade. Eles querem tomar território de outras facções e para isso, usam quem está mais vulnerável, atraindo jovens de periferia. Não precisa pagar taxa mensal, não existe um código de conduta para se diferenciar das outras", disse.
Atos como a chacina são considerados demonstrações de bravura no crime organizado
Ainda segundo o presidente do Copen, crimes como a chacina que deixou ao menos 14 mortos são considerados "atos de bravura que mostra a capacidade de permanência no crime organizado".
"Eles [os jovens] encontram, nas facções, a possibilidade de ascender socialmente na comunidade em que estão inseridos. São pessoas com poucas expectativas e que de repente, são convidadas por traficantes para ganhar o que não ganhariam no mercado formal de trabalho com a pouca capacitação que possuem", completou Cláudio.
O Ceará chegou ao final de dezembro de 2017 com 5.023 assassinatos, segundo a Secretaria da Segurança Pública. Isto é 47,4% a mais do que os 3.407 homicídios registrados em 2016.
A marca é recorde ao menos desde 2013, quando o governo do Ceará passou a divulgar estas estatísticas periodicamente