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Precisamos melhorar o mundo para as crianças haitianas, diz professor

Vítimas de desastres naturais e crise política há décadas vivem uma "diáspora" e Brasil está no mapa para reconstrução de haitianos

Brasil|Kaique Dalapola, do R7

População do Haiti vive sobre destroços causados por terremoto
População do Haiti vive sobre destroços causados por terremoto População do Haiti vive sobre destroços causados por terremoto

O Brasil provavelmente não vai receber uma nova onda imigratória de haitianos, mas o povo brasileiro e de todos outros países têm a responsabilidade de construir um mundo que esteja preparado para receber as crianças do Haiti no futuro. Essa é a avaliação do professor Omar Ribeiro Thomaz, coordenador do departamento de Antropologia do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), da Unicamp (Universidade de Campinas).

Enquanto crises políticas e desastres naturais impedem a construção desse mundo melhor em solo haitiano, a população do país busca reconstruir a vida em territórios estrangeiros. É o caso de Jean Rene Marion, de 53 anos, que veio para o Brasil sozinho há oito para manter a mãe, a mulher e 11 filhos após serem vítimas do terremoto em 2010, e agora vê de longe a família sendo vítima de outra tragédia.

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Desastres consecutivos

Neste mês de agosto, o Haiti passou por dois desastres naturais que devastaram o país, fazendo milhares de vítimas. Primeiro, um terremoto de magnitude 7.2 sacudiu o sudoeste do país, no sábado (14). Apenas dois dias depois, com a população ainda em meio aos destroços, um ciclone tropical causou fortes chuvas e rajadas de vento de até 75 km/h.

“O que sempre nos entristece é como todos nós sabíamos que isso poderia acontecer, mas há uma atuação muito limitada no que diz respeito a uma construção que possa resistir a grandes terremotos, e medidas institucionais que possam dar assistência à população após esses desastres", afirma Thomaz.

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Equipes de resgate no Haiti
Equipes de resgate no Haiti Equipes de resgate no Haiti
O tempo todo tem gente pedindo por ajuda%2C desesperada%2C para mandar apoio para família

(Fedo Bacourt, coordenador da União Social dos Imigrantes Haitianos)

Conforme os dados oficiais, a tragédia matou mais de 2.200 haitianos, e pelo menos outros 12 mil ficaram feridos. Nesse contexto, parte da população do país caribenho, que tem pouco mais de 11 milhões de habitantes, segue a busca por tentar construir uma vida em alguma outra nação do continente americano.

Somente em São Paulo, dezenas de pessoas procuraram a ONG União Social dos Imigrantes Haitianos para relatar a necessidade de trazer familiares para o Brasil, pois estão desabrigados e sem assistência depois do terremoto. "O tempo todo tem gente pedindo por ajuda, desesperada, para mandar apoio para família", diz Fedo Bacourt, coordenador da organização. 

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Esses de agosto não foram os primeiros desastres que fizeram a população haitiana viver, nos últimos anos, uma “diáspora”, conforme explica Thomaz. Esse termo é usando quando um povo se desloca para outras nações em busca de reconstrução e para fugir de problemas existentes em sua terra. No caso dos haitianos, as questões de desastres naturais recorrentes no Caribe se somam à crise política que assola o país há mais de meio século.

Também vale lembrar que, entre os terremotos de 2010 e o deste ano, houve a passagem do furacão Matthew pelo Caribe. Essa catástrofe deixou mais de mil mortos e afetou mais de 2 milhões de pessoas no Haiti, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). Outros países caribenhos também foram afetados, com menos impacto.

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Estragos no Haiti após a passagem do furacão Matthew
Estragos no Haiti após a passagem do furacão Matthew Estragos no Haiti após a passagem do furacão Matthew

Destino: Brasil

Por vezes, os haitianos miram o Brasil como destino após as tragédias, mas Thomaz aponta que esse não é o principal foco dos moradores do país mais pobre das Américas. “O Brasil não oferece condições de acolhimento que seja atraentes, não é um país acolhedor. Nós temos o SUS, que é favorável, mas não existe uma política brasileira agressiva positivamente para chamar atenção dos haitianos. Exemplo disso é que vemos a população boliviana pedindo dinheiro pelas ruas aqui, e os haitianos têm conhecimento dessas informações”, explica o professor.

O Brasil entrou com força no radar do povo haitiano que quer sair do país em 2011, um ano depois do terremoto que matou mais de 250 mil pessoas e deixou mais de 1 milhão de desabrigados. Conforme dados do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), na década seguinte ao desastre, o território brasileiro foi procurado como refúgio para cerca de 100 mil haitianos.

O Brasil não oferece condições de acolhimento que seja atraentes%2C não é um país acolhedor

(Omar Ribeiro Thomaz, professor da Unicamp)

Thomaz destaca, contudo, que o número de haitianos que vive em território brasileiro estacionou em cerca de 60 mil nos últimos anos. Segundo o professor, a “esmagadora maioria” que veio ao Brasil acreditava que conseguiria emprego com facilidade, principalmente por causa dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e da Copa do Mundo de 2014.

No entanto, conforme avalia Thomaz, logo o povo do Haiti percebeu que esse momento com empregos no Brasil era temporário, e os principais centros da diáspora haitiana seguiram sendo Estados Unidos, Canadá, Cuba e até a República Dominicana - país vizinho, com o qual o Haiti divide a ilha de São Domingos.

Jean Marion

Foi na busca por empregos no país que sediaria grandes eventos esportivos que Jean Marion deixou o Haiti em 2013 para trabalhar no Brasil. Marion, sua mulher e os 11 filhos foram vítimas do terremoto de 2010, perderam quase tudo, e ele se mudou para São Paulo na tentativa de tentar auxiliar na reconstrução da família no país caribenho.

Família de Marion foi vítima de dois terremotos no Haiti
Família de Marion foi vítima de dois terremotos no Haiti Família de Marion foi vítima de dois terremotos no Haiti

Desde que chegou ao Brasil, o haitiano trabalhou em diversos lugares, principalmente como auxiliar na construção civil. Segundo ele, nenhum emprego foi com a carteira assinada, mas sempre conseguiu se manter no país e mandar dinheiro para a família.

Com o dinheiro que Marion mandava, a esposa dele comprava mercadorias para trabalhar como vendedora ambulante no Haiti, e também conseguiu usar para o sustento da família, sobretudo na educação dos filhos.

Mas a vida do haitiano voltou a ser impactada com a nova tragédia. “Minha casa [no Haiti] foi destruída, e agora a única coisa que queremos é trazer minha mulher para trabalhar comigo no Brasil e mantermos nossos filhos e minha mãe até a gente ter condições de trazê-los também”, conta. Os filhos de Marion e Marie Rita, de 48 anos, tem idades entre 10 e 28 anos.

Porto Príncipe após terremoto de 2010; Marion, sua mulher e os 11 filhos perderam tudo no tremor
Porto Príncipe após terremoto de 2010; Marion, sua mulher e os 11 filhos perderam tudo no tremor Porto Príncipe após terremoto de 2010; Marion, sua mulher e os 11 filhos perderam tudo no tremor

Além das catástrofes, crises políticas

Para o professor Thomaz, a família de Marion e todos os outros milhares de haitianos não são vítimas apenas de desastres naturais, mas sim de uma consequência de problemas políticos. O coordenador da Unicamp explica que terremotos e furacões fazem parte de toda a região do Caribe por causa das falhas geológicas, e por isso “é necessário construir meios de impedir essas catástrofes”.

“O que fica evidente é que o aparato construído nas últimas décadas, as intervenções internacionais no Haiti que se sucedem pelo menos desde 1993, com atuação de países como Estados Unidos e entidades como a ONU e a OEA, revelam o fracasso dessas grandes organizações e os limites que o Estado haitiano tem para responder a essas condições mesmo depois de tantas intervenções”, explica o professor.

Os novos desastres naturais mostraram ao mundo a população do Haiti sobre destroços, com dificuldade no atendimento e socorros e a fragilidade do país que teve o presidente Jovenel Moïse assassinado em julho deste ano, dentro de casa. Para Thomaz, tudo isso também evidencial como “a comunidade internacional fracassou” na atuação no Haiti.

Incluído nesse fracasso apontado pelo professor está a atuação de tropas brasileiras no país. Mais de 34 mil militares foram enviados do Brasil para o Haiti entre 2004 e 2017, na Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti. A missão de paz, no entanto, foi alvo de diversas denúncias de abusos no país, sendo publicada até na revista norte-americana The New Yorker, noticiada pelo R7 em outubro de 2017.

“O Haiti sofreu essa intervenção da ONU em 2004, e o desafio não era ser uma missão de paz, porque o país não estava em guerra. O grande desafio era o apoio à construção ao que nós confiamos como estado nacional, que tinha limitações naquele momento. Mas o que ocorreu foi uma atuação internacional que acabou se desviando”, explica o professor. 

A missão da ONU chegou no país depois que o presidente Jean-Bertrand Aristide foi deposto. Esse é mais um marco da crise política que se estende no país que entre 1957 e 1986 foi governado apenas por François Duvalier, o Papa Doc (de 1957 a 1971), e seu filho, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc (de 1971 a 1986). Depois, militares assumiram o comando, e as eleições só aconteceram em 1990.

Leia também: Juiz abandona investigação de assassinato de presidente do Haiti

Então, Aristide foi eleito pela primeira vez, mas ficou menos de um ano no cargo, pois o país sofreu nova intervenção militar. O golpe gerou sanções econômicas no Haiti, e o voltou ao comando do país. Depois, teve uma alternância no cargo, e Aristide voltou a governar em 2001, deixando novamente em 2004.

Depois disso, a militarização no país aconteceu com o crivo da Organização das Nações Unidas, com tropas de diversos países, principalmente das Américas. Nesse período, o Haiti também se afunda na crise econômica mundial, tem impacto na relação com países que contribuíam para a sobrevivência do país e vê a população sofrer sem as coisas básicas, como comida e remédios.

Com isso, a população do único país que conquistou a independência com uma revolução das pessoas escravizadas, em 1804, segue a luta cotidiana para tentar resistir aos impactos causados pela política, economia e natureza.

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