"O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus."
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A frase do britânico Lord Acton passou incólume pelo rigor do tempo e continua mais atual do que nunca. O pedido de prisão de João de Deus é o retrato melhor acabado da deturpação moral que o poder pode causar nos que não sabem lidar com ele.
O menino que nasceu nas profundezas do país há 76 anos com o nome de João Teixeira de Faria sucumbiu diante da presença imponente de John of God, paparicado por celebridades nacionais e estrangeiras, reverenciado como um ser iluminado, capaz de proezas dignas da alcunha que ostenta mundo afora.
As cerca de 8 milhões de pessoas que atendeu desde 1976, quando criou a Casa de Dom Inácio de Loyola na minúscula Abadiânia, foram, pouco a pouco, pervertendo o homem e a obra, até que só restasse o monstro que sobressai dos depoimentos lancinantes das mulheres abusadas sexualmente.
A cada dia, mais e mais mulheres, procuram a Justiça para exporem suas mazelas, num roteiro pungente, mas necessário, para que, enfim, tenham um pouco de paz, após tudo o que vivenciaram.
O caso de João de Deus lembra o do médico Roger Abdelmassih, atualmente em prisão domiciliar, após ser condenado a 181 anos por atacar sexualmente 37 mulheres.
Ambos eram o último recurso para quem já tinha perdido a esperança. Ambos eram famosos e amigos de poderosos. Ambos continuaram praticando selvagerias mesmo depois de serem denunciados. Ambos sentiam-se inatingíveis. Ambos foram proditórios, traíram a confiança de suas vítimas quando elas estavam mais alquebradas.
Mas João de Deus foi ainda mais maligno. É acusado pela filha Dalva Teixeira de tê-la abusado continuamente quando ela ainda era uma criança. Nesse aspecto, Abdelmassih e João de Deus também se parecem. Vicente Ghilardi e Soraya Ghilardi, filhos que trabalhavam com o médico na clínica dele, eliminaram o sobrenome do pai para tentarem fugir da mácula que ele carrega.
Nesse momento em que o passado cobra a conta, João de Deus deve estar refletindo como o poder pode ser transitório, por mais que pareça absoluto.