Em dezembro de 2014, a pedagoga Natalia Mello, então com 31 anos e aos sete meses de gravidez, foi assaltada na porta de casa, na Tijuca, zona norte do Rio. Ao puxar sua bolsa com força, o ladrão a empurrou no chão, e Natalia caiu sentada. Assustada, fez uma ultrassonografia de emergência para comprovar que nada tinha acontecido ao bebê.
— Foi ali que cheguei ao meu limite. Eu já tinha medo de morar no Rio, mas cheguei à conclusão de que não queria criar minha filha naquele desespero. Não era mais a minha vida, mas a dela também — contou, por telefone, de Friburgo, cidade de 184 mil habitantes da região serrana, a 2h30 da capital.
Lá, ela e Catarina, hoje com 2 anos e meio, têm uma vida serena. Tomam banho na cachoeira que fica perto da nova casa, alugada por um quarto do preço pago no Rio, e dormem com a porta destrancada. A angústia cessou.
— Saí do Rio em outubro. Já tinha sido assaltada em ônibus várias vezes, andava com um celular vagabundo, mas nunca imaginei que fosse embora. Sempre curti a cidade — disse Natalia.
— Virar mãe me fez mudar. Agora tenho medo de ir ao Rio até a passeio, porque a Catarina fica no banco de trás, na cadeirinha, e tenho medo de um assaltante levar o carro com ela dentro.
O recrudescimento da violência urbana é medido não só pelos relatos sobressaltados, mas pelos dados do ISP (Instituto de Segurança Pública). Segundo eles, a chamada letalidade violenta (homicídios dolosos, roubos seguidos de morte, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de ações policial) aumentou 16,32% no período de janeiro a junho deste ano, ante o mesmo período de 2016. Foram 2.942 casos, ou 19 mortes por dia. Em 2016, somaram-se 2.528 registros, 16 por dia. A deterioração dos índices do Estado se seguiu ao período de euforia com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), entre 2008 e 2012, quando as estatísticas melhoraram.
Mais exemplos
Os episódios dramáticos envolvendo crianças, como as meninas Vanessa Santos, de 11 anos, morta a tiros dentro de casa, e Samara Gonçalves, de 14, alvejada na escola, e o bebê Arthur, baleado dentro do útero da mãe, Claudineia dos Santos Melo, só reforçaram o desejo da psicóloga Beatriz Bihari, de 42 anos, de se mudar. A cidade escolhida foi a praiana Cabo Frio, na região dos lagos, a 2 horas da capital.
— Eu não consigo deixar de pensar que podiam ser minhas filhas [de 8 e 10 anos]. Vou embora até o fim do ano. Minha mãe já foi há mais de 20 anos, pelo mesmo motivo.
Beatriz mora perto do Palácio Guanabara, sede do governo estadual, o que não lhe garante segurança.
— No caminho da escola das minhas filhas, já teve perseguição policial e balearam um senhor. As coisas estão insustentáveis, não vão melhorar. Em Cabo Frio, elas vão poder ir para a escola de bicicleta, teremos tranquilidade.
Os tiroteios em áreas de UPP, como os do fim de junho no Pavão-Pavãozinho, na zona sul, com um morto e cinco feridos, vêm levando à sensação de segurança de volta à estaca zero. Para o coronel Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar, não se pode trocar o otimismo exagerado dos primeiros anos da UPPs por um pessimismo que ignore avanços - a série histórica da taxa da letalidade por 100 mil habitantes mostra que estamos longe do patamar de 20 anos atrás (50,8) ou mesmo de dez anos (49,7): em 2016, o número foi de 37,6 mortes por 100 mil habitantes.
— A polícia não pode mais trabalhar no improviso. Não podemos demandar de um sistema esgoelado uma operação por dia. Esse descontrole, com pessoas indo embora do Rio, só beneficia criminosos e policiais corruptos — disse Rodrigues, que também é pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).