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Feito pelo WhatsApp, reconhecimento irregular leva ambulante à cadeia

Policial enviou imagem para a própria esposa, que havia relatado ter sido vítima de roubo

São Paulo|Do R7*

Ambulante está preso desde 13 de janeiro
Ambulante está preso desde 13 de janeiro Ambulante está preso desde 13 de janeiro

Em depoimento à Polícia Civil, o investigador Carlos Antônio Correia Filho, que atua no 100º DP (Distrito Policial), no Jardim Herculano, declarou que o reconhecimento do vendedor ambulante Wilson Alberto Rosa, de 32 anos, preso em 13 de janeirodeste ano, foi feito por meio de uma foto enviada à esposa do próprio investigador, vítima de um assalto em agosto de 2016.

Correia contou à Polícia Civil que “logrou êxito em localizar um indivíduo com as mesmas características” descritas pela sua esposa sobre o autor do crime. Correia disse, ainda, que abordou Wilson e, “sem o conhecimento do suspeito, enviou uma foto para a vítima, sendo que a mesma o reconheceu”.

Depois que a esposa disse ter reconhecido o suspeito pela imagem, o investigador Correia levou Wilson ao DP onde atua para que a vítima fizesse o reconhecimento formal. Feito o procedimento, o ambulante ficou preso suspeito de ter cometido o crime.

De acordo com o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), o procedimento de reconhecimento de Wilson foi ilegal, porque o envio da foto para esposa "acabou viciando o reconhecimento".

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"O fato do policial ter enviado uma foto à esposa foi um enduzimento para que ela reconhecesse. Isso contraria o artigo 226 do Código de Processo Penal, que trata do procedimento para o reconhecimento", diz Ariel. "Primeiro a vítima na delegacia deve descrever quem é o suspeito. Depois ocorre o processo de reconhecimento, colocando o suspeito no meio de mais dois ou três que não sejam suspeitos. Mas como já havia mandado uma foto, o processo de reconhecimento ficou viciado. Se descumpriu à lei", explica.

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O advogado criminalista José Roberto Leal também vê ilegalidade no processo. Ele diz, no entanto, que é comum a realização de reconhecimentos de forma irregular em São Paulo.

"Eu não conheço nenhuma delegacia em São Paulo que faça o reconhecimento como a lei manda. É muito comum ter esse tipo de reconhecimento que não é previsto em lei", conta Leal.

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Ariel também afirmou que "é bastante suspeito um policial atuar na apuração de um caso que envolve alguém da família". O membro do Condepe diz que o policial deveria se isentar de participar da investigação do caso de assalto à sua esposa, por estar "envolvido emocionalmente diretamente com o caso e deve se buscar pela justiça e não por vingança".

Residência fixa

A prisão preventiva do vendedor ambulante Wilson foi decretada com base no inquérito assinado pelo delegado Alfredo Pinto de Souza, no dia 16 de janeiro. O documento destaca principalmente que o ambulante não possui residência fixa e diz que Wilson é "desconhecido no local" onde mora, por isso "poderá fugir prejudicando a instrução criminal e aplicação da lei penal".

As informações foram fornecidas pelo carcereiro policial Igor André Santos Machado, do 100º Distrito da Polícia Civil, que diz ter ido ao local onde Wilson afirmou que reside, no Jardim Iporã, bairro próximo ao Jardim Herplin, extremo da zona sul de São Paulo. O policial conta que constatou, após entrevistas, que Wilson é desconhecido no local.

Wilson Alberto Rosa foi preso na esquina da av. Ibirapuera com R. Pedro de Toledo, onde vendia balas no farol
Wilson Alberto Rosa foi preso na esquina da av. Ibirapuera com R. Pedro de Toledo, onde vendia balas no farol Wilson Alberto Rosa foi preso na esquina da av. Ibirapuera com R. Pedro de Toledo, onde vendia balas no farol

O policial Machado é parceiro do investigador Correia, marido da vítima do roubo. Em suas declarações à Polícia Civil, os dois policiais dizem que estavam juntos quando abordaram o vendedor ambulante na avenida Ibirapuera.

No dia 27 de janeiro, a reportagem esteve na Viela das Flores, uma entrada da rua Forte de Trindade, no Jardim Iporã, onde o ambulante reside, e conversou com alguns moradores do bairro, que disseram conhecer Wilson e confirmam que ele mora na mesma casa, no final da viela, "há alguns anos".

No inquérito, o policial Machado afirma que esteve na casa 1 da viela, pois seria onde Wilson informou que morava. Na residência, Machado conta ter falado com uma outra pessoa, que teria afirmado ser moradora do local há dois anos e desconhecer o ambulante. A reportagem foi nessa mesma residência, mas não localizou ninguém.

A esposa do vendedor ambulante, Leandra da Silva, explica que eles não moram na casa 1, e sim em uma residência sem número, no fundo da Viela das Flores. Os moradores do local não se importam com a numeração das casas, pois todas correspondências chegam em uma mercearia que fica a alguns metros da entrada da viela.

Na casa onde Wilson mora, construída com tijolos à vista e madeirite, a água e a energia elétrica chegam de forma clandestina. Os três cômodos improvisados acolhem Wilson, Leandra e as três crianças filhas do casal - sendo a do meio, de 11 anos, autista. (veja fotos abaixo)

Uma moradora da rua Forte de Trindade, que não quis se identificar, conta que viu o momento que policiais civis procuraram por Wilson, e tentou, juntamente com o marido, levar as autoridades à casa do ambulante, mas eles recusaram.

"Os policiais vieram aqui, ficaram alguns minutos procurando pelo Wilson. Eu falei que conhecia e podia levar lá na casa dele. Mas eles [policiais] disseram que não precisava, e foram embora".

Familiares dizem que Wilson foi preso porque é negro
Familiares dizem que Wilson foi preso porque é negro Familiares dizem que Wilson foi preso porque é negro

A dona da mercearia ponto referência do local, onde chegam as correspondências das casas da Viela das Flores, Rosemeire Rodrigues, de 36 anos, conta não ter visto nenhum policial pelo bairro e afirma desconhecer as duas pessoas citadas no inquérito como moradoras do bairro. Em 10 minutos que a reportagem estava na mercearia, pelo menos três pessoas perguntaram à Leandra sobre a situação do ambulante.

A reportagem também esteve, na última quinta-feira (2), no cruzamento da avenida Ibirapuera com a Rua Pedro de Toledo, e conversou com um funcionário de um estacionamento no local, que afirmou que o ambulante trabalhava há anos no mesmo ponto e nunca deixou de ir.

"Ele tava aí todo dia. Chegava cedinho. Passava nos carros oferecendo bala e sempre pedia para eu deixar um real".

Outro lado

Em contato telefônico, a assessoria de impresa da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), administrada pela empresa CDN Comunicação, disse que "não há nada de ilegal em enviar fotos pelo WhatsApp. Ele [o Wilson] não foi exposto. Foi só um recurso encontrado pelos policiais no momento". A pasta disse que não vai emitir uma nota oficial sobre os questionamentos da reportagem acerca da visita dos policiais ao bairro onde Wilson mora e das foto tira do ambulante. A assessoria informou que matém à segunte nota, enviada em 23 de janeiro:

"A Polícia Civil informa que Wilson Alberto Rosa foi preso após cumprimento de prisão temporária por investigação feita pela equipe do 100º DP. A equipe localizou o homem, que cometeu um roubo na Av. Ibirapuera em agosto do ano passado. A Seccional da área afirma que o procurado foi algemado enquanto aguardava a chegada da viatura, mas não foi preso à grade da avenida. Na delegacia, ele foi reconhecido pela vítima. Wilson foi encaminhado à carceragem do 77º DP. O inquérito foi encaminhado à Justiça, que acatou o pedido de conversão em prisão preventiva."

*Com colaboração de Kaique Dalapola, estagiário do R7

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