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Instituições criticam ações de Covas e Doria aos moradores de rua

Organizações ouvidas pelo R7 dizem que falta humanidade no tratamento dessa população; frio já pode ter provocado a morte de sete pessoas

São Paulo|Juliana Moraes, do R7

Instituições criticam falta de ações do poder público aos moradores de rua
Instituições criticam falta de ações do poder público aos moradores de rua Instituições criticam falta de ações do poder público aos moradores de rua

A chegada da frente fria a São Paulo na última sexta-feira (5) pode ter provocado a morte de pelo menos sete pessoas em situação de rua até o momento. No fim de semana, a capital paulista registrou a temperatura mais baixa de 2019por dois dias consecutivos. No interior, por sua vez, o frio bateu recorde de oito anos em alguns locais, de acordo com informações do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

LEIA TAMBÉM: Mortes de moradores de rua por frio no Estado de São Paulo chegam a sete

Devido às temperaturas perto de 0°C, o cuidado com essa população deve ser redobrado para que eles não morram de hipotermia (quando a temperatura do corpo cai em decorrência de frio extremo). Ao R7, associações que ajudam pessoas que moram nas ruas falaram sobre a falta de eficiência dos abrigos e albergues de acolhimento.

Kaká Ferreira, fundador da ONG Anjos da Noite, que realiza trabalho social desde agosto de 1989, contou que o cenário se deve muito à ausência de ações do poder público. “O aumento da população de rua é em função da falta do Estado mesmo. Essas pessoas são um retrato da crise”, explica. “Quando aumenta o número de pessoas na rua, aumentam também o número de albergues. Mas por que eles não vão para esses lugares? É fácil de entender: o problema é a forma como eles são recebidos”, completa.

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Ainda de acordo com Kaká, a queixa mais recorrente dos moradores em situação de rua é a “falta de humanidade” como são atendidos. “A maioria deles não é bem-recebida. Você não pode colocar para trabalhar num lugar desses uma pessoa que não tem o mínimo de humanidade. Tem que ter comprometimento, empatia. A pessoa já está fragilizada, sem autoestima, por estar na rua. Não pode ser tratada de qualquer maneira.”

Barbara Mello, fundadora da ONG Amor + Ação = Doação, que faz ações desde 2015, concorda com Kaká. “Eles falam bastante que nos abrigos existe muita violência, desorganização. Alguns se queixam até de estupro, de roubos. Geralmente, quem vai para os abrigos são as mulheres com crianças pequenas. Os homens não vão porque acaba tendo roubo entre si, porque eles não podem levar praticamente nada, só vão com a roupa do corpo”, detalha. “É uma situação muito triste”, desabafa.

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Kaká ainda faz outra denúncia: a falta de manutenção e de higiene. Segundo ele, a população em situação de rua também se queixa da imundície e da quantidade de bichos. “Tenho acompanhado bastante essa situação. A sujeira é real. Tem lugar até com percevejo. Eles até falam que para ir para lá e pegar mais uma doença, é melhor ficar na rua mesmo.”

Barbara também fez mais denúncias. Segundo ela, as doações das roupas de frio e de cobertores não podem ser feitas em todos os lugares. “A gente já chegou em alguns lugares e falaram que as entregas não poderiam ser feitas naquele local porque a prefeitura estava retirando”, garante.

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Moradores em situação de rua 'precisam de humanidade'
Moradores em situação de rua 'precisam de humanidade' Moradores em situação de rua 'precisam de humanidade'

A reportagem do R7 entrou em contato com a Prefeitura de São Paulo e com o Governo do Estado de São Paulo para saber quais as providências eles estão tomando em relação à população em situação de rua e quais as ações efetivas para evitar novas mortes.

A Prefeitura – que reconhece três mortes na capital, não quatro - informa que faz “acompanhamentos diários durante a madrugada e que intensificou, há duas semanas, a operação baixa temperatura” devido à frente fria do último fim de semana. Ainda de acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura, o número de vagas para a população em situação de rua passa das 18 mil e, segundo o último censo, essa população gira em torno de 15 mil.

Ainda segundo a comunicação, a Prefeitura realiza um trabalho integrado com secretarias e que algumas pessoas optam pelo não atendimento e preferem ficar sem ir para os abrigos.

Até o momento, a assessoria de imprensa do Governo não respondeu a solicitação da reportagem, feita por telefone e via e-mail.

Ações insuficientes

Um dos meios oficiais de ajuda da Prefeitura é pela Central 156. Ao ver uma pessoa em situação de rua, basta fazer uma ligação para que a denúncia seja registrada e equipes são deslocadas para atender a ocorrência.

No entanto, Kaká diz que a ação é insuficiente. “Você já tentou ligar no 156? É um serviço de deboche com a sociedade. Você liga para tudo quanto é lugar, mas não tem retorno em nada. Tem que esperar muito. Não resolve de imediato”, avalia.

Além disso, Barbara reclama da falta de ambientes seguros. “O Governo tem que se preparar para essa situação. Já vinha sendo dito sobre a frente fria e veio muito forte. Eles deveriam preparar algum lugar que realmente fosse seguro para eles. Eles estão em situação extrema, mas são seres humanos e precisam de dignidade. Precisa de fiscalização, ambientes limpos, seguros. Se o poder público fizesse a parte dele, não precisaríamos fazer trabalho voluntário.”

Acolhimentos na região central

A ONG Anjos da Noite ajuda, em média 800 pessoas em situação de rua por fim de semana. A população recebe alimentação, água, roupas de frio e cobertores. As assistências são feitas aos sábados e contam com ajudas de voluntários.

Já a ONG Amor + Ação = Doação atende cerca de 500 pessoas apenas no inverno, por ainda estar no começo e ter um alcance de doações menor. Segundo Barbara, as visitas são feitas pelo período da manhã e os sem-teto recebem café da manhã, uma das refeições mais negligenciadas para essa população.

Tanto Kaká quanto Barbara criticam o fato de os locais de acolhida não ficarem na região central de São Paulo, em que se concentra a maioria da população que está na rua.

“O acolhimento não poder ser no fim do mundo. O cara está aqui no centro da cidade. Lógico que tem que ter atendimento na periferia, mas só lá é meio suspeito. Me parece que é para tirar o pessoal do centro, como se fosse para transferir o problema. Tem que trabalhar numa direção contrária, a da inclusão”, avalia Kaká. “Você tira eles da visão da sociedade e coloca o cara lá no fim do mundo? No meu entendimento, desde os anos 2000, quando começou com a história de revitalizar o centro, me parece uma política higienista. E é algo recorrente nos governos. Todos fazem a mesma coisa: querem a cidade linda, não acolhe e esconde nas periferias.”

“Com os abrigos fora do centro, eles não conseguem nem chegar. Eles não têm dinheiro para pegar ônibus, metrô. O próprio aspecto de morador de rua o impede de entrar no transporte público. O poder público o impede de chegar até lá, a rejeição é total. A minha leitura é: se você faz um centro de acolhida longe da região central, é para o cara não ter nem como voltar. Isso eu percebo já faz muito tempo.”

Barbara concorda com as denúncias. “O morador de rua é visto como a sujeira. O poder público só quer tirar a galera das praças”, afirma.

Kaká diz ainda que “o poder público perde tempo” com esse movimento de revitalizar. “Eles querem fazer bares noturnos, onde era o centro financeiro, enchem de viatura da GCM (Guarda Civil Metropolitana) para não permitir nosso acesso. Eles querem proteger uma área para construir boteco. Para isso tem policiamento. Mas para dar assistência social, não tem”, desabafa. “Eles querem expulsar o povo de lá”, acrescenta.

ONGs ajudam levando alimentos e roupas de frio
ONGs ajudam levando alimentos e roupas de frio ONGs ajudam levando alimentos e roupas de frio

A solução

Além de melhorar a qualidade de atendimento e a limpeza dos centros de acolhimento, Kaká diz acreditar que a solução para dar dignidade às pessoas em situação de rua é a integração deles com a sociedade. “A política certa seria integrar, encaminhar para tratamento. Nem todos precisam de tratamento, mas precisa ser feito um programa de reintegração, com ajuda de assistente social, psicólogo, com gente de boa vontade trabalhando. Precisa fazer algo para resgatar a autoestima”, diz Kaká.

“Quando a pessoa vai para a rua, perde a autoestima. A missão é resgatar essa autoestima para possibilitar a vida social. Tudo o que a gente faz é para criar um processo de reintegração. É assistência”, conclui.

Como ajudar

Pela Central 156, da Prefeitura: você pode ligar para o número e solicitar ajuda social a um morador de rua. O pedido pode ser anônimo, mas é necessário ter informações precisar para facilitar o atendimento: endereço, características físicas e detalhe da roupa que a pessoa está usando;

ONG Anjos da Noite: o trabalho social é realizado em São Paulo desde 22 de agosto de 1989. A instituição entrega alimentos, roupas, calçados, cobertores, entre outros. As ajudas são feitas por meio de voluntários e os atendimentos feitos aos sábados. Para ajudar, basta entrar em contato pelo site ou pelo e-mail anjos@anjosdanoite.org.br.

ONG Amor + Ação = Doação: o projeto foi criado em 2015 e arrecada alimentos, roupas e cobertores para os moradores de rua. A instituição só faz doações no inverno e, para ajudar, basta ir à página do Facebook ou entrar em contato pelo e-mail amormaisacao@gmail.com.

Outro lado

Além de falar ao telefone com o R7, a assessoria de comunicação da Prefeitura enviou uma nota oficial, por e-mail, sobre os moradores em situação de rua. Confira, na íntegra, o posicionamento oficial da Prefeitura.

“Cara,

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) informa que tem atuado com reforço de oferta de serviços e estrutura adequada para a população em situação de rua, em especial neste período de inverno intenso. Importante salientar que, em caráter emergencial, foram disponibilizados mais alojamentos temporários neste final de semana, em regiões estratégicas da Capital. Essas instalações contam com camas, colchões, lençóis e serviços de zeladoria e limpeza.

Importante salientar que, durante a Operação Baixas Temperaturas desta noite e madrugada (9) foram realizados 160 acolhimentos de pessoas em situação de rua, encaminhadas aos centros de acolhidas municipais, com 60 recusas. Para a operação foram aditadas vagas emergenciais, sendo 20 para SAICAs e 260 para a população de rua.

Atualmente, a SMADS possui 148 serviços para população em situação de rua e aproximadamente 22 mil vagas, sendo 18.411 de acolhimento. A rede também conta com 128 Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICAs), que juntos disponibilizam 2.335 vagas.

A Operação baixas temperaturas tem sido acompanhada pelo prefeito municipal, Bruno Covas, em diferentes pontos da Capital.

SOBRE OPERAÇÃO BAIXAS TEMPERATURAS

O Plano de Contingência para Situação de Baixas Temperaturas está em operação desde 22 de maio e irá até 20 de setembro. A ação consiste no reforço de oferta ao acolhimento na rede socioassistencial pela equipe de orientadores socioeducativos para a população vulnerável. Desde o início até 02/07 foram efetuados mais de 6.500 acolhimentos nas madrugadas atendidas pela Coordenação de Pronto Atendimento Social (CPAS).

A ação intersecretarial conta com as pastas municipais de Assistência e Desenvolvimento Social, Direitos Humanos e Cidadania, Saúde e Segurança Urbana.

Conforme a Portaria 310 da Prefeitura de São Paulo, que estabelece o Plano de Contingência para Situações de Baixas Temperaturas – 2019, que vai até setembro, a Guarda Civil Metropolitana atua em apoio aos agentes de assistência social e da saúde, durante aatendimentos às pessoas em situação de rua.

Também, por meio do Programa "Anjos da Guarda", as equipes operacionais da GCM, auxiliam no convencimento às pessoas nesta situação de vulnerabilidade a irem para locais de acolhimento. Àqueles que aceitam, são acionadas equipes da Prefeitura para levá-los aos abrigos. Quando não aceitam, são oferecidos cobertores.

Equipes da Defesa Civil também realizam a entrega de cobertores, assim que visualizam moradores nas ruas e avenidas da cidade.

Desde o início da operação, a GCM já realizou a entrega de 269 cobertores. E, a Defesa Civil, fez a entrega para 136 moradores abordados.

O cidadão também pode ligar para a Prefeitura, pelo telefone 156 para que equipes sejam deslocadas e possam ajudá-los.

Att.”

A assessoria de comunicação do Governo do Estado de São Paulo, por sua vez, não enviou retorno ao R7 até o momento.

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