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5G pode ampliar desigualdade social no Brasil, dizem especialistas

Nova geração de telefonia móvel não será disponibilizada em todos os municípios e apenas os mais privilegiados terão acesso

Tecnologia e Ciência|Sofia Pilagallo*, do R7

Atualmente, com o 4G, acesso à internet de qualidade ainda é algo a que poucos têm acesso
Atualmente, com o 4G, acesso à internet de qualidade ainda é algo a que poucos têm acesso Atualmente, com o 4G, acesso à internet de qualidade ainda é algo a que poucos têm acesso

Em artigo publicado no início deste ano pelo Fórum Econômico Mundial (FEM), a organização afirmou que o 5G, a nova tecnologia de conexão de telefonia móvel, poderia ampliar o acesso digital e, assim, reduzir a desigualdade social no Brasil e no mundo.

O argumento do FEM é que o uso de soluções de armazenamento e processamento baseadas em nuvem poderia reduzir significativamente o custo dos dispositivos, graças à nova velocidade de acesso à internet proporcionado pelo 5G, de 10gb/s — até 33 vezes maior que a velocidade máxima proporcionada pelo 4G, 300mb/s.

"Alguns podem esperar que a tecnologia seja o último lugar para procurar avanços significativos na igualdade social, mas a chegada de 5G e tecnologias relacionadas oferece uma oportunidade única em uma geração para precisamente esses avanços, precisamente de tal lugar", diz o texto. No entanto, a posição do Fórum é contestada por especialistas.

Segundo a advogada especializada em telecomunicações Flávia Lefèvre, integrante da Coalizão Direitos na Rede, do coletivo Intervozes, por um lado, o 5G poderia reduzir a desigualdade social na medida em que a tecnologia, infinitamente mais rápida e com aplicações sobretudo na indústria, poderia promover o desenvolvimento da economia e, consequentemente, a geração de emprego no Brasil. Entretanto, é preciso levar em conta o contexto socioeconômico em que o país está inserido, isto é, o fosso de desigualdade social e digital que separa ricos e pobres.

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Flávia explica que o leilão do 5G, realizado no último dia 4 de novembro, foi do tipo chamado "não-arrecadatório". Isso quer dizer que as empresas pagam apenas uma parte do valor para arrematar as frequências, enquanto a outra parte é "paga" em investimentos em infraestrutura para a implementação do serviço.

Toda vez que o poder público coloca um determinado bem em licitação para ser explorado pela iniciativa privada, há duas alternativas possíveis: ou as empresas pagam o valor total e não têm tantas obrigações ou pagam parte do valor e têm mais obrigações. Desta vez, no entanto, apesar de as empresas terem ganhado o direito de explorar as principais faixas de frequência por 20 anos a um baixíssimo custo, não há contrapartidas que garantam a redução das desigualdades regionais e sociais no acesso à internet.

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"Para se ter uma ideia, a Anatel considerou que somente 60 municípios brasileiros seriam economicamente viáveis, em termos de investimento, para as empresas vencedoras do leilão. Ficaram de fora dessa lista cidades como Brasília, Porto Alegre e Salvador. Mas não para por aí. Dentro das grandes metrópoles, como São Paulo, também haveria uma enorme disparidade no que diz respeito ao acesso ao 5G. A tecnologia seria restrita a locais como as avenidas Paulista e Berrini e o bairro do Itaim Bibi", afirma.

A advogada ressalta que, nos moldes em que o sistema de telecomunicações opera atualmente, o acesso à internet de qualidade é restrito aos mais ricos e àqueles que moram nas áreas centrais das grandes cidades, onde há uma grande concentração de antenas.

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De acordo com uma pesquisa da Rede Nossa São Paulo, no Itaim Bibi, um dos bairros mais nobres da capital, há 48,3 antenas por quilômetro quadrado. Já no bairro periférico Engenheiro Marsilac, por exemplo, há 0,02 antenas por quilômetro quadrado.

"As empresas não querem fazer investimento em fibra ótica nesses locais porque custa mais caro e a população não tem dinheiro para pagar pelo serviço", diz. Como consequência, cerca de 90% dos usuários de internet no Brasil só acessam a web por meio do 3G e 4G.

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"A grande maioria dessas pessoas tem planos por franquia, isto é, o consumidor tem uma determinada quantidade mensal de dados para trafegar durante o mês e, a partir do momento em que aquela quantidade se esgota, só é possível acessar Facebook e WhatsApp. A média de dados dessas franquias é de até 2GB por mês, o que não é o suficiente nem para assistir uma aula de duas horas. E, como sabemos, a falta de educação de qualidade é o principal fator que segrega ainda mais os pobres dos ricos", afirma.

Para Flávia, em um cenário onde o 5G é a geração de telefonia móvel predominante, a situação seria ainda mais dramática. Pelo fato de a tecnologia propiciar uma velocidade de dados imensa, seriam necessárias muitas antenas para operar o serviço. Ela explica que, quanto maior a capacidade de banda, menor é o raio de alcance geográfico. Consequentemente, o 5G seria consideravelmente mais caro que o 4G, e um privilégio para poucos.

"Primeiramente porque não vai haver investimento em 5G nas áreas periféricas. E, em segundo lugar, porque para acessar o serviço, será preciso trocar de celular, e um smartphone 5G custa, no mínimo, R$ 3 mil", diz.

O diretor de educação da ABRADI (Associação Brasileira de Agentes Digitais), Luiz Tibiriçá, partilha da mesma opinião.

"A situação tende a ficar ainda mais segregatória quando, em um futuro não distante, as tecnologias disponíveis para a imersão no chamado metaverso estiverem disponíveis. Trata-se de um espaço virtual coletivo que une internet e realidade aumentada, acessado por meio de um óculos inteligente", afirma.

"Se a grande maioria da população não tem dinheiro nem para comprar um celular 5G, que dirá um óculos inteligente, ou qualquer outro objeto do gênero. Afinal, o 5G passa também pela questão de conectar todas as coisas e, inclusive, dar origem a cidades inteligentes totalmente interconectadas", completa.

Contrapartidas

Diante de um cenário de desigualdade de acesso à internet no Brasil, Flávia acredita que há uma série de medidas que a Anatel poderia ter proposto, em termos de contrapartida, para democratizar o acesso ao 4G, antes de pensar em colocar em prática uma tecnologia tão robusta como o 5G.

Ela ressalta que, apesar de acreditar que o Brasil deva, sim, entrar nesse mercado, e que a tecnologia seja fundamental para alavancar algumas áreas da sociedade, é preciso, em primeiro lugar, corrigir a desigualdade digital.

Uma dessas medidas, por exemplo, seria colocar pontos de wifi em locais públicos, como praças, bibliotecas e escolas. Outra é estabelecer de forma clara e específica que os novos investimentos em infraestrutura deverão ser compartilhados com as políticas públicas de inclusão digital.

Ela critica ainda que pequenas empresas não tenham conseguido participar do edital, uma vez que a Anatel privilegiou as grandes empresas, como Claro, Vivo e TIM. Para efeito de comparação, enquanto nos Estados Unidos, mais de 40 empresas ganharam o leilão, no Brasil apenas nove saíram vencedoras, e para atuar em áreas locais.

"A única empresa que conseguiu ganhar a licitação para atuar em um bloco nacional foi a Winity, que arrematou a frequência dos 700 megahertz. A companhia deixou claro, no entanto, que não tem interesse em prestar serviço diretamente ao consumidor e que vai compartilhar seu investimento com empresas, indústrias e agronegócio. Agora, nossa única esperança é que ela reserve também uma parte desses investimentos para ajudar pequenos provedores que queiram prestar serviço em cidades menores, onde as grandes empresas não têm interesse", diz.

*Estagiária do R7 sob supervisão de Fábio Fleury

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