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Boate Kiss: dez anos de impunidade e agressão à dignidade das famílias

Nas reportagens sobre o caso que fiz para o R7 em Santa Maria (RS), percebi o quanto o adiamento da punição dos responsáveis é cruel para parentes das vítimas, amigos e, de resto, toda a cidade

Cidades|Eduardo Marini, do R7

Restos do incêndio sem solução há dez anos
Restos do incêndio sem solução há dez anos Restos do incêndio sem solução há dez anos

Nesta sexta-feira (27), o trecho da rua dos Andradas entre a avenida Rio Branco e a rua André Marques, no centro de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, estará fechado ao trânsito.

Painéis de debate, atividades coletivas, homenagens e manifestações no trecho da rua dos Andradas, e também na praça Saldanha Marinho, uma das principais da cidade, começaram a ser realizados às 18h45 da véspera, quinta-feira (26).

O Brasil e o mundo conhecem bem o motivo de tanta mobilização: esta sexta-feira (27) marca o décimo aniversário do incêndio na boate Kiss, naquele trecho da rua dos Andradas, que deixou 242 pessoas mortas e 630 feridas, na maior tragédia da história em território gaúcho.

Dez anos.

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Sem nenhuma condenação confirmada, sem nenhum responsável preso atualmente.

Em novembro de 2021, fiz uma série de reportagens em Santa Maria sobre o caso, ao lado do repórter fotográfico Gabriel Haesbaert. Entramos na Kiss e mostramos a situação do interior da boate, entrevistamos Luciano Bonilha Leão, um dos quatro acusados, e mostramos como a tragédia incomoda e provoca dor no coletivo da cidade mesmo após tanto tempo.

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Fizemos as reportagens poucos dias antes do julgamento dos quatro acusados, iniciado em 1º de dezembro de 2021, em Porto Alegre. Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, donos da boate, Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, e o produtor musical Luciano Bonilha Leão foram condenados a penas que variavam de 18 anos a 22 anos e seis meses, mas a decisão foi anulada oito meses depois. Os recursos contra a anulação ainda não foram julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STF).

A cada entrevista feita%2C a cada reportagem concluída%2C uma certeza ficava mais evidente%3A em maior ou menor grau de sofrimento e adesão à causa%2C os cerca de 300 mil habitantes da agradável cidade gaúcha desejavam — e ainda desejam — pôr um ponto-final no caso para amenizar o desconforto%2C virar a página e tocar com menos peso a vida que segue

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A cada entrevista feita, a cada reportagem concluída, uma certeza ficava mais evidente: em maior ou menor grau de sofrimento e adesão à causa, os cerca de 300 mil habitantes da agradável cidade gaúcha desejavam — e ainda desejam — pôr um ponto-final no caso para amenizar o desconforto, virar a página e tocar com menos peso a vida que segue.

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Apesar das críticas à Justiça por não ter incluído outros supostamente responsáveis, sobretudo do poder público, fiscalização, polícia e Corpo de Bombeiros, o julgamento e a condenação trouxeram parte dessa resposta — mas a anulação, em agosto de 2022, evidentemente anulou todos os sintomas dela, com a devida licença da repetição de termos.

Dez anos.

Cada dia sem punição dos responsáveis é mais um dia de pancadas psicológicas e emocionais nos santa-marienses.

Em todos eles: nos parentes e amigos dos mortos e feridos, pelos motivos óbvios, e no restante da população, ansiosa para se livrar do desgaste gerado pela pressão pública e seguir a vida em paz.

Sim, porque, para os próximos, a única forma de evitar a impunidade é a pressão pública. E, para pressionar, os envolvidos diretamente na causa precisam, logicamente, da compreensão e da paciência dos santa-marienses não tão envolvidos assim.

Condenação de Bonilha (com a camisa do dia da tragédia) e de mais três réus foi anulada
Condenação de Bonilha (com a camisa do dia da tragédia) e de mais três réus foi anulada Condenação de Bonilha (com a camisa do dia da tragédia) e de mais três réus foi anulada

Em uma dessas reportagens anteriores ao julgamento, em Santa Maria, citei, a propósito de um familiar que deixa intacto até hoje o quarto do filho morto na tragédia, um trecho da música Pedaço de Mim, clássico do compositor Chico Buarque.

Diz assim: “Oh, pedaço de mim/Oh, metade arrancada de mim/Leva o vulto teu/Que a saudade é o revés de um parto/A saudade é arrumar o quarto/Do filho que já morreu”. Na sentença de condenação dos quatro acusados no julgamento da boate Kiss, o juiz citou o mesmo trecho da música.

A série de reportagens em Santa Maria rendeu a mim e Gabriel Haesbaert uma menção honrosa na primeira edição do Prêmio Nacional Domingos Fraga de Jornalismo Multiplataforma, organizado pela Record TV. Honra total, com nova licença para repetição.

Que a Justiça dê%2C o mais rapidamente possível%2C satisfação concreta às pessoas que amavam os 242 mortos e não ouvem respostas das paredes

O nome do prêmio é uma homenagem a Domingos Fraga, amigo por décadas e um diretor de jornalismo perdido para a Covid pela Record e por todos nós em 12 de junho de 2022.

A saudade, a propósito, também é se pegar, várias vezes, “conversando” sozinho com o amigo/irmão.

Que a Justiça dê, o mais rapidamente possível, satisfação concreta às pessoas que amavam os 242 mortos e não ouvem respostas das paredes.

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