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'Colômbia protesta porque PIB em alta não melhora cesta básica'

Segundo especialista, governo Duque falhou em seguir acordos de paz e com estudantes, o que gerou insatisfação nos mais diversos setores da sociedade

Internacional|Giovanna Orlando, do R7

Crescimento econômico na Colômbia não significa menor desigualdade social
Crescimento econômico na Colômbia não significa menor desigualdade social Crescimento econômico na Colômbia não significa menor desigualdade social

Milhares de pessoas tomaram as ruas da Colômbia nos últimos dias de novembro em protestos massivos contra o presidente Ivan Duque.

Por mais acesso à educação, melhoria na economia, cumprimento dos acordos de paz e da votação contra corrupção, os colombianos se uniram para mostrar o desagrado com a gestão de Duque, que tem 69% de desaprovação.

Mesmo com um crescimento econômico de de 2,7% em 2018 e um confronto armado que durou 6 décadas “sob controle“, a imagem de paz que a Colômbia passava não reflete a realidade da desigualdade social e diminuição de direitos dentro do país sob a nova gestão.

Em entrevista ao R7, o professor de Direito da PUC em São Paulo e representante do Comitê Permanente de Colômbia pela Defesa dos Direitos Humanos e membro da Comissão Internacional da União Patriótica de Colômbia, Pietro Alarcon, explica como as mudanças no governo geraram crises gerais e manifestações pelo país.

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R7 - Por que um país bem-sucedido e com crescimento estável pode ser palco de manifestações que mostram tanto desagrado?

Pietro Alarcon - Porque, primeiro, o fato de que exista crescimento econômico não significa necessariamente distribuição da riqueza produzida. O Ministro da Fazenda [Alberto Carrasquilla] diz que houve crescimento de 5,6% no trimestre passado, porém isso não se reflete na cesta básica dos colombianos. O mesmo ministro diz que a Colômbia tem um déficit de US$ 14 bilhões e que por isso é imperativa uma reforma tributária, que o governo chama de Lei de Financiamento. Agora, observe: a proposta de reforma diminui a cobrança de impostos às empresas na expectativa que, supostamente, gerem mais emprego e crescimento. O desemprego supera 12 % no país — e lembremos que essa cifra não constata o mais de 40% da informalidade laboral. 

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O que o governo sugeriu nesta nova gestão?

O governo de Duque envia propostas ao Congresso com tom de favorecimento social, mas facilmente são desmascaradas. Por exemplo: uma proposta em debate no Congresso, apresentada pelo ex-presidente Uribe, consiste em reduzir a jornada de trabalho, de 48 horas para 45. No entanto não se discute a qualidade do emprego, nem o aumento significativo do salário mínimo para que se atenda minimamente à população. Somado à reforma previdenciária que obriga a trabalhar mais e ter benefício menor, a ideia de reduzir a jornada é inócua e populista. Além disso há uma proposta de que os jovens aprendizes ganhem 75% do salário mínimo.

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Mas isso vale para todos os trabalhadores colombianos?

A ideia de reduzir as horas é dirigida especialmente ao setor público, porque isso aliviaria os cofres públicos e vai aliada à proposta de fusionar empresas públicas. O impacto que isso tem na estruturação do Estado para atender aos mais carentes é enorme. O governo postula uma reforma integral, para os “bem-sucedidos” do país, mas não é uma medida social para aplaudir. Lhe falta mais que sensibilidade ao governo de Duque, lhe falta caráter, e não em vão tem mais de 60% de desaprovação.

O professor colombiano de Direito, Pietro Alarcon
O professor colombiano de Direito, Pietro Alarcon O professor colombiano de Direito, Pietro Alarcon

O que motivaram os protestos na Colômbia?

Os protestos, a greve geral, as mobilizações que neste momento tem curso no país, apresentam várias motivações. Não é apenas uma ou se reduzem a um aspecto econômico ou social. Na verdade, trata-se de um movimento muito amplo.

Em que sentido?

Isso é claramente notado quando se observa a enorme representatividade que tem o Comando da greve, que conta com participação de vários setores, os operários, os indígenas, os afrodescendentes, professores, os estudantes, entidades de defesa dos direitos humanos, organizações de mulheres, trabalhadores da judiciário, organizações de base, locais, regionais, nacionais e por isso a extensão, qualidade e impacto destes protestos. Vale também dizer que se somaram pequenos e médios empresários, e que as mobilizações têm respaldo de vários partidos políticos e da Igreja Católica.

Quais as principais mudanças no cenário político e social da Colômbia que causaram esses protestos?

O fato mais transcendental na história recente da Colômbia é, sem dúvida, o acordo de paz. Ele retrata grande parte das causas da violência estrutural e da natureza histórica do regime político colombiano e oferece um plano de ação. É um estatuto dirigente, que deveria ter força normativa suficiente porque está incorporado à Constituição e é um acordo internacional.

Que soluções o acordo pede?

Se você analisa o acordo, poderá verificar que bastaria implementar questões como a democratização da propriedade sobre a terra, a devolução das terras para os deslocados que fugiram da guerra nas suas regiões, promover um amplo programa de substituição de cultivos, reorientar o gasto público para saúde e educação, garantir um espaço de tolerância política para que a oposição possa trabalhar eleitoralmente, considerar os direitos da vítimas da guerra na Colômbia e fora dela... bastaria essas medidas para que o país avançasse a uma abertura à democracia e a uma paz estável e duradoura. 

E por que isso ainda não aconteceu?

Para avançar são necessárias mudanças concretas e possíveis, mas precisamos de maior pressão para vencer as resistências a essas mudanças. E te reitero o mais grave, os assassinatos não param, o para militarismo atua impunemente.

O governo de Duque quer dialogar com os manifestantes, mas os dois lados não conseguem entrar em um acordo. O que pode ser feito para que as reivindicações sejam ouvidas e respeitadas?

É fundamental continuar dialogando. Porém o presidente não tem liderança suficiente, não unifica seu partido e o governo. As diretrizes continuam sendo dadas pela presença constante de Uribe. Duque tem uma imagem muito negativa. E as mobilizações continuam. Mesmo assim, a saída para os problemas de Colômbia é democracia. Democracia social e econômica, democracia política. A solução está em avançar na implementação da paz. E para isso as sociedades têm que começar e continuar dialogando. Algo que infelizmente o Estado colombiano sempre relutou em fazer a escala nacional.

Como o governo de Duque está lidando com os protestos?

A greve na Colômbia é um sucesso, como movimento organizado, legítimo. Porém, ainda o governo não resolveu em concreto nenhuma das razões da greve. E enquanto isso, a força pública faz uso desproporcional do que seriam suas atribuições constitucionais e legais. A força pública, a polícia, deveria estar guardando e protegendo a população dos vândalos, que semeiam o pânico nas grandes cidades. [Essa é] uma questão que depois vai ter que ser investigada pelo Ministério público. Duque precisa entender que, militarizar não soluciona os problemas e a verdade é que o país ficou grande demais

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