Ano Novo com segurança antiga
Em 2024, será que os cidadãos se sentirão menos ameaçados?
Arquivo Vivo|Do R7 e Percival de Souza
O drama da segurança, mesclado com a sensação perturbadora do contraste insegurança, entra em 2024 com as inquietações e preocupações de sempre.
De qualquer modo, alguns acenos começaram a ser feitos. Se darão resultado, é outra história. Você vai conferir comigo, sem pendores, ilusões, politicagem, ideologias e palpites inconsequentes. Não há fórmula que não esteja dentro da realidade enfrentando a própria realidade.
Traduzindo do achismo para a prática: a polícia e a origem etimológica da palavra. Pólis, a guarda da cidade, como já se dizia na Grécia antiga. Guardar a cidade é justamente a função da Polícia. É possível detestá-la, como fazem alguns, mas prescindir dela é impossível. Não existe nada para colocar sem seu lugar.
No caso das câmeras nos uniformes, que se discute à exaustão, vemos o encarregado de guardar a cidade sendo vigiado. Ser vigiado pragmaticamente quer dizer: não é merecedor paradoxalmente de plena confiança, como se faz com a tornozeleira eletrônica nos pés de sentenciado colocado em liberdade provisória.
Se isso é bom ou ruim, que se avalie. A propósito, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio do desembargador Ricardo Anafe, presidente da Corte, já decidira que o governador Tarcísio de Freitas tinha razão ao recorrer da decisão do juiz da 11ª Vara da Fazenda Pública, que havia concedido liminar obrigando os policiais a usar as câmeras. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, volatizou a decisão do Judiciário Paulista. Entendeu que as câmeras devem ser usadas, queiram ou não. O Supremo possui até o direito de errar por último, como já disse Rui Barbosa, nosso jurisconsulto maior. Quem não se conformar com a decisão, pode desistir. Será mesmo assim.
Você, como cidadão, poderia optar, se consultado, entre uma coisa ou outra. A propósito, cabe esclarecer: longe de qualquer esfera de ordem constitucional, não é o uso ou não de câmera um dos grandes problemas da segurança pública. Pelo contrário: um dos principais problemas é a letalidade por parte dos bandidos, cada vez mais violentos, impunes e audaciosos. Pior: são muitas vezes contemplados com benesses por quem deveria vigiar e punir, mas que os colocam em inexplicável liberdade.
Constatação final: essa Polícia, a Militar que se pretende vigiar, é exatamente a primeira a chegar primeiro ao local de uma ocorrência. É desse modo, na maioria das vezes, que nascem os boletins de ocorrência, os inquéritos, as denúncias, as decisões judiciais. Todos comem, observe, no prato feito da Polícia Militar.
Há malfeitos? Evidentemente. O que é a letalidade? É matar desnecessariamente, admitindo-se, nesse caso, que não haveria confrontos por causa do estrito cumprimento legal e tão pouco na defesa de terceiros, como prevê a lei, numa verdadeira teatralização da morte. É ofensiva a generalização. Exatamente para isso existem as Corregedorias e Ouvidorias.
A sociedade quer ação, providências, patrulhamento, prevenção eficaz, prisão de marginais, um mínimo de tranquilidade. Ministério Público e Poder Judiciário fazendo as suas respectivas partes. Mas estão devendo.
A situação, que alguns consideram controvertida, chega ao paradoxo: se achar que aquele que deve guardar a cidade precisa ser permanentemente vigiado, estaríamos à beira do abismo da falência do sistema.
Voltando à letalidade: não se pode esquecer, em hipótese alguma: os bandidos contemporâneos são extremamente violentos, demonstrando cruel letalidade quando praticam o latrocínio, roubo seguido de morte, ou a morte seguida de roubo. São igualmente impiedosos nos traumáticos crimes de estupro, cujo número absurdo se aproxima do número contabilizado de homicídios.
Mata-se por banalidades. Corpos são esquartejados e partes são jogadas em lugares diferentes. É macabro. As invasões de residências são assustadoras. Quem passou por isso sabe como é. Fica explicitamente demostrado porque há pânico diante da situação com metástase própria, nexo direito insegurança, já pública.
Não é possível assistir em silêncio aos criminosos atos de violência que atingem diretamente a nós mesmos e entes queridos. É angustiante.
NOVA FASE?
Promete o Governo Federal, em campanha publicitária a se desencadeada em fevereiro, que teremos um programa que vai se chamar “Brasil unido contra o crime”. Entende-se, aqui, combate ao crime organizado, mobilizando Polícia Federal, a Rodoviária Federal, Forças Armadas nas fronteiras, portos e aeroportos, e a pretensão de chegar a agir contra a violência que vitima mulheres e a pedofilia.
Seria maravilhoso juntar todos esses ingredientes dentro de um pacote de segurança, com a pretensão ambiciosa de fazer parcerias com estados e municípios. Por quê? Os estados são absolutamente autônomos em matéria de segurança, definindo qual é a política de governo a ser adotada e escolhendo quem vai chefiar as Polícias Civil Militar. Além disso, existem as divergências políticas e ideológicas, que vão mais longe do que se pensa, pois provocam diferenças de estilo, opção de práticas e objetivos eleitoreiros. A segurança pública pode ser, e tem sido, catapulta de projeção pessoal para galgar postos dos Legislativos no futuro.
Exemplo catastrófico recente: em Minas Gerais, um sargento da PM foi morto com um tiro na cabeça. O autor, segundo a Associação dos Magistrados mineiros, foi um assaltante beneficiado com as irresponsáveis “saidinhas”. Saiu, mas não voltou, como tem sido comum. Mas agiu assim, coitadinho, como vítima da perversa engrenagem da “desigualdade social”.
Traduzindo: um tiro e uma morte seriam justificáveis, socialmente falando, para transformar magicamente autor em vítima social. O PM vítima, no caso, não recebeu apoio algum dos defensores de direitos e neofariseus meramente contemplativos, inimigos ferozes da persecução penal em qualquer uma de suas etapas.
Quem paga o preço do descompasso? A população.
Não se pode ocultar mais tais fatos com o manto fantasioso de nociva ignorância. Não pense que se trata de um caso mineiro isolado, pois no Brasil muita gente que pensa desse moldo, definindo os crimes em geral como – dizem - consequência do capitalismo, da burguesia dominante e das elites que comandariam os órgãos encarregados de cumprir o dever de Estado e a responsabilidade de todos, como está escrito (artigo 144) na Carta Magna.
Pensar limitadamente exige que a população, apavorada e abandonada, fique conformada diante do que acontece todos os dias. Deve ficar quieta, enquanto o Estado não faz o que deveria. Objetivamente, é obrigatório perceber o mínimo: os responsáveis pela segurança pública são o Estado e as Prefeituras municipais, com suas guardas civis.
É preciso perceber, ainda, que direitos humanos são para todos, incluindo as vítimas dos bandidos que violam criminosamente tais direitos. Portanto, não se pode continuar olhando vítimas com indiferença. A ideologia pode ser repleta de idealismos, boas intenções e utopias, mas não há como fugir da realidade que obriga a enfrentar a bandidagem, organizada ou não, em todas as escalas.
A impunidade é proveta dos crimes, cujos autores apostam na forte possibilidade de não serem descobertos e sequer identificados. É fácil desfilar teorias e desconfianças dentro de uma faculdade, num escritório ou consultório clínico, ou abrigado em organização governamental. Insistem em falar da necessidade do uso da “inteligência”, mas é burrice pura achar que essa palavra signifique bola de cristal. Essa bola não existe e, na verdade, é uma somatória de elementos não convencionais para se antecipar à realização de determinado fato.
Outra coisa para se perceber: nessa matéria, complexa, existem causas e fatores. As primeiras fazem que uma determinada coisa exista. As segundas, mostram que há contribuições para que algo possa existir. É preciso distinguir, senão estaremos cogitando qual poderia ser o gênero dos anjos e pelas ruas transitassem apenas querubins perseguidos por órgãos repressivos. Falemos sério: assim não é possível fazer nada do que a sociedade almeja.
Essa decepção foi a reação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Ele disse, falando sobre o balanço do seu governo ao longo de 2023: não está satisfeito com o que acontece na área de segurança. “Estamos devendo”, admitiu.
Verdade. Fez bem em admitir. Estar devendo pode exigir pagamento de juros, altos. Atingem vidas humanas cujos direitos são cada vez mais desrespeitados.
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