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Eduardo Olimpio

Fetiche da valentia e do poder no gatilho de uma arma de fogo

Abomináveis, homens armados da Antiguidade à Modernidade conquistaram pequenas coisas matando semelhantes com humana maestria

Eduardo Olimpio|Do R7

Crianças aprendem a manusear AK-47 na Ucrânia: sofrimento dos baleadas
Crianças aprendem a manusear AK-47 na Ucrânia: sofrimento dos baleadas

Muitos dos que escrevem periodicamente, seja para consumo próprio, dividir agruras cotidianas com interlocutores ou buscar sentido em tópicos inquietantes e movediços, reclamam para si quando lhes faltam justamente os temas, que parecem escapar aos neurônios quando eram para serem paridos por eles.

O que não dá para alegar, nos dias de hoje, é a ausência de assuntos que nos inquietam e nos fazem mover o cérebro atrás de explicações, nem que sejam parciais, mas o bastante para nos aquietar um pouco diante de uma interminável balbúrdia que insiste em nos ter por perto como companheira inseparável na vida.

O que está acontecendo no mundo, em matéria de extermínio de seres humanos por outros seres humanos, não é novo na raça nem tampouco sobrenatural. Há tempos que damos porradas uns nos outros, degolamos pescoços quando não os enforcamos, esfaqueamos vísceras abdominais e peitorais ao milhões, flechamos dorsos, torturamos, castramos, esquartejamos membros e envenenamos estômagos. Não é de hoje, e sabemos que isso não vai parar enquanto existirmos.

Do surgimento da pólvora ao fabrico de qualquer .40 ou Ak 47, também acrescentamos ao cardápio de formas de extermínio o tiro, que além de alvejar corpos humanos em suas cabeças e demais partes, servem para abater animais de quaisquer portes. Ah, claro, como esporte para treinar a mira também. Não falo do olímpico, que fique claro.


Pois bem. E chegamos ao assombro de usar armas de caça para caçar gente.

O jornalista britânico e o indigenista brasileiro, mesmo que fossem de outras nacionalidades, foram mortos no Brasil e se juntam a outras tantas pessoas que também foram assassinadas em circunstâncias análogas nestas terras descobertas em 1500 depois de Cristo - aquele que teria uma arma caso existisse em sua época tal artefato para sua ‘proteção’, segundo tese recém tornada pública.


Mas isso não é o pior, por incrível que pareça. Neste mesmo Brasil de teses e antíteses, a morte ‘matada’, ou seja, o assassinato de pessoas, infelizmente para a nossa pátria mãe gentil, normalizou-se.

Quando daqui lemos que em logradouros africanos desprovidos de estado e de infraestrutura física, institucional e social, uma aldeia qualquer fora invadida e crianças, mulheres, homens, adolescentes, homossexuais e idosos foram dizimados pelo apertar de um dedo em um gatilho de metralhadora e fuzil, dá logo na gente uma dor de empatia. Rapidamente imaginamos o sofrimento dessas pessoas que foram baleadas por armas, legalizadas ou não, pouco importa, e que morreram não no instante da carne perfurada pelo metal a mil por hora nela rasgando, mas segundos, minutos depois...o que viram, ouviram ou cheiraram nos instantes finais, o que a imaginação e a razão impuseram à rápida reflexão da vida que se esvaia além da incredulidade da despedida precoce dela, do retrospecto, da dor da dilaceração do tecido, da clemência a qualquer deus para que não as levassem...


Por mais que seja duro de aceitar, o fato é que naturalizamos o extermínio de semelhantes patrocinado por semelhantes. O assassinato está banalizado desde sempre entre nós. A impunidade, ou sua percepção mais acentuada, somada ao espalhamento do ‘valor’ de que ter armas de fogo para sua segurança e a de sua família é um direito, resulta em um vórtice de violência sangrenta. No liquidificador, entra também a discussão de que bandido tem armas e os ‘homens de bem’ não. Outro resultado desse mix de ingredientes vazios é o choro, a orfandade, a materialização do machismo, da valentia, da hombridade. E percebemos que toda essa orientação é masculina, para o mundo e o universo do homem com ‘h’. Sim, minúsculo que é em sua autoestima e leitura de si.

Pobre, mas pobre mesmo, é a sociedade que nunca rompeu com o passado inglório e com cheiro de sangue e pólvora nas mãos, mas uniu-se em nó com a pobre, mas pobre mesmo, educação, barbárie e primitivismo, que tem na dor alheia a marca e a memória das suas ‘conquistas’.

Normalizamos, há milênios, o extermínio da raça pelos raçudos.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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