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Passados mil dias, promessas de Guedes ainda não andaram

No comando da Economia, Paulo Guedes não conseguiu implantar sua prometida agenda liberal no governo federal

Brasília|Isabella Macedo, do R7, em Brasília

Há quase três anos no cargo, Guedes não conseguiu cumprir metas estabelecidas no início do governo
Há quase três anos no cargo, Guedes não conseguiu cumprir metas estabelecidas no início do governo Há quase três anos no cargo, Guedes não conseguiu cumprir metas estabelecidas no início do governo

Ao chegar à marca de 1.000 dias à frente do Ministério da Economia, Paulo Guedes se notabilizou por uma série de frases com críticas ao Congresso e servidores públicos e a insistência na criação de um novo imposto nos moldes da CPMF, extinta em 2007. Ao lado do então candidato Jair Bolsonaro, Guedes prometeu a implementação de uma cartilha liberal no governo, que previa reformas estruturais, eliminação do déficit primário e privatição de estatais. Nenhuma delas foi cumprida em três anos de governo.

Apesar de Guedes ter dito que seria possível levar a dívida pública a zero no fim de 2019, a realidade foi diferente nos anos que se seguiram. Naquele ano, quando a pandemia ainda não era um fator de maior dificuldade para as economias mundiais, as contas públicas brasileiras continuaram com resultado negativo, fechando 2019 com déficit primário de mais de R$ 95 bilhões. No ano passado, já afetado pela pandemia, o tamanho do rombo fiscal saltou para R$ 743 bilhões.

O professor de Direito Econômico da Universidade de Brasília (UnB) Othon Lopes explicou ao R7 que dentro da expectativa criada por Guedes de adotar políticas liberais, as reformas como a da Previdência, a administrativa e a tributária eram de grande importância para atrair investimentos para o país.

“O governo precisaria ter feito todas essas reformas. Infelizmente, em função de atritos com o Legislativo e depois um Legislativo que não se atrita com o governo mas que tem uma pauta marcada pelo centrão, com o controle dos gastos públicos, que é algo importantíssimo, e com o ‘acidente’ da pandemia, os gastos públicos acabaram ficando totalmente desorganizados”, aponta ele.

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“Ele provavelmente não vai conseguir cumprir todas as reformas que prometeu, das reformas que ainda faltam. A tributária, se houver algo, vai ser um resultado pífio, até porque já estamos em outubro e é a reforma tem que ser concluída este ano. Nada indica que vai haver uma conclusão significativa”, completa o professor da UnB.

Também professor na UnB e diretor da faculdade de Direito da universidade, Mamede Said também aponta que Guedes não conseguiu entregar reformas e a venda de diversas estatais por não ter conseguido articular com o Congresso e por sua pouca experiência no setor público. O ministro havia prometido privatizar 17 empresas públicas, mas até o momento apenas a desestatização da Eletrobras passou no Congresso. A venda da maioria dessas empresas precisa de autorização do poder Legislativo para sair do papel.

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“Ele tinha uma grande confiança em si mesmo, só que esqueceu que é preciso a parte política para que isso seja realizado. Eu acho que isso existiu, mas tem outro aspecto que não pode ser deixado de lado. O Paulo Guedes tem muito pouca experiência no setor público. Então, aquela fama que ele adquiriu de um economista brilhante, de um sujeito que entende de todos os problemas, isso não se confirmou. Tanto que muitos nomes da equipe econômica dele, com o passar do tempo, foram saindo. Então eu penso que ele é um cara muito pouco vocacionado para a esfera pública, de maneira que não dá pra dizer que ele tenha sido brilhante em nenhum aspecto relevante ”, destaca Said.

Sem conseguir cumprir a promessa nos anos anteriores, agora Guedes afirma que é possível zerar o déficit primário até 2022. O ministro fez a afirmação em evento no início deste mês, tendo um rombo de quase R$ 20 bilhões no resultado de agosto de 2021.

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O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes durante videoconferência da XIII Cúpula do Brics
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes durante videoconferência da XIII Cúpula do Brics O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes durante videoconferência da XIII Cúpula do Brics

Para o professor de Direito Econômico, Guedes não pode culpar apenas a pandemia para justificar não ter alcançado a meta pregada por ele. Contudo, Lopes também destaca que o modelo econômico liberal não tem o perfil de planejamento exigido em um momento como o atual.

“Acho que culpar a pandemia pura e simplesmente é uma postura muito comodista. O que acho que aconteceu diante da pandemia, e de uma certa forma seria até esperado com o perfil dos economistas do governo, é que para enfrentar a pandemia seria necessário economistas com um perfil mais interventivo, mais planejador. O governo teria que ter feito um plano econômico de enfrentamento da pandemia e esse perfil de economistas liberais que temos no momento atual no Brasil não tem o perfil de fazer grandes planos, planejar intervenções mais intensas do Estado”, explica Othon Lopes.

O professor também ressalta que para que uma agenda de reformas fosse adiante, era necessário também um empenho enfático do próprio presidente Bolsonaro. “Seria necessário ter o próprio presidente capitaneando as negociações para essa reforma. Deixá-las pura e simplesmente para um ministro da Economia é muito pouco”, completou.

Inflação baixa, geração de empregos

Além das promessas, os objetivos expressos no programa de governo de Bolsonaro na área econômica também não foram alcançados. Uma das primeiras metas citadas era a de fazer ajustes para “garantir crescimento com inflação baixa e geração de empregos." A realidade, três anos depois da apresentação do programa de governo, é de inflação encostando nos dois dígitos no acumulado do ano pela primeira vez desde fevereiro de 2016 e 14,4 milhões de desempregados no segundo trimestre de 2021, de acordo com dados do IBGE. No total dos últimos 12 meses, a inflação já soma 9,68% e segue em trajetória de alta.

Questionado se os apoiadores de Guedes em 2018 poderiam ter se decepcionado com as promessas não cumpridas, Lopes lembra que a manutenção do apoio de parte da elite econômica e do mercado ao ministro se dá mais por falta de opção do que por seus feitos. “O problema desses apoiadores do Guedes é que eles não têm muitas opções, então eles acabam mantendo todo ou boa parte do apoio ao próprio governo Bolsonaro e ao Guedes por medo da solução oposta, que é a volta da política econômica dos governos PT. Então, eu acho que há um certo apoio ao Guedes não pelo que ele fez, mas pelo medo do que pode vir em substituição.”

Reforma Tributária: ministro tenta reviver imposto similar à CPMF
Reforma Tributária: ministro tenta reviver imposto similar à CPMF Reforma Tributária: ministro tenta reviver imposto similar à CPMF

Nova CPMF

Outra marca de Guedes durante sua gestão tem sido a tentativa de criar um novo imposto nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF. O tributo existiu entre 1997 e 2007 e era aplicado sobre as transações bancárias, como saques e transferências. Originalmente, a justificativa para sua criação era para que os recursos arrecadados fossem para a área da Saúde.

A primeira vez que a criação da nova CPMF se deu ainda no primeiro ano de governo, quando Guedes começou a defender um “imposto sobre transações digitais” para compensar a desoneração da folha de pagamento de 17 setores. A ideia era tributar operações como transferências bancárias, transações com aplicativos de transporte, entrega de comida e semelhantes.

Entretanto, a primeira sinalização nesse sentido veio por meio do então secretário da Fazenda, Marcos Cintra, que acabou demitido após a ideia repercutir mal. Em abril de 2019, apenas três meses após o início do governo, Cintra deu os moldes em entrevista, falando em um imposto sobre operações financeiras de 0,9% a ser pago nas duas pontas. Bolsonaro chegou a fazer um vídeo negando a possibilidade, que foi resgatada pelo próprio Guedes no fim daquele ano. Na época, o ministro alegou que não se tratava de uma “nova CPFM”, apesar da similaridade entre os impostos.

A ofensiva do ministro passou a ser mais intensa após a chegada da pandemia, conseguindo convencer Bolsonaro a aceitar a ideia, dando aval para que Guedes construísse um entendimento com o Congresso a partir de julho de 2020. A proposta era incluir o tributo na reforma administrativa à época em discussão. Já naquele mês o ministro passou a defender a taxa abertamente, que teria alíquota de 0,2%.

A ideia foi barrada no Congresso, o que fez com que Guedes dissesse que, de seu ponto de vista, o imposto estava “morto", ao falar na comissão mista para acompanhamento das ações no combate à Covid-19. Apesar disso, o ministro voltou a defender o imposto, dessa vez incluindo também o Pix, no mês seguinte, após o período eleitoral.

O professor Othon Lopes diz já ter criticado a ideia de impostos sobre movimentações financeiras por considerá-los problemáticos, mas aponta que a administração tributária no país de modo geral é “deficiente e com uma série de limitações em termos de capacidade arrecadatória”.

Além de considerar o imposto impopular, Guedes não soube explicar as vantagens em relação aos impostos em vigor atualmente. “Até entendo a insistência do ministro Guedes, mas ele também não soube explicar quais seriam as vantagens desse tributo, que na minha opinião tem vantagens quando você compara o nosso sistema tributário atual, que é péssimo. E um tributo como esse é só um. Então, é decidir entre o péssimo e o ruim. E o ruim não é o fim do mundo”, explicou.

O tributo também seria de arrecadação e fiscalização mais simples e faria sentido para compensar a desoneração da folha de pagamentos, diz o professor, além de preencher “buracos” no Orçamento da União. Com a intenção de criar um Bolsa Família, mas sem ter de onde tirar recursos, o imposto poderia solucionar a questão para o governo.

“Ele preenche vários buracos que nós temos e ele não é muito pior, e uma série de medidas desse tipo teriam que ser ter sido feitas de forma coordenada e articulada. Porque em uma economia que passa por um tsunami como foi a pandemia, o governo tem que agir como um ator principal, como protagonista. Não pode simplesmente esperar que o mercado resolva com as próprias forças.” ressaltou o professor.

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