Com seca no Amazonas, navios deixam de levar cargas a Manaus e fábricas podem parar
As maiores embarcações não conseguem mais acessar o porto de Manaus devido à redução do nível de água em trechos críticos
Cidades|Do R7
A seca histórica no Amazonas ameaça parar a partir da semana que vem fábricas do polo industrial de Manaus (AM), onde está concentrada a produção nacional de eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos e motocicletas. As condições do transporte de cargas pelo rio Amazonas e seus afluentes pioraram drasticamente nos últimos dias, provocando atrasos na entrega de material assim como um acúmulo de produtos acabados no estoque das fábricas.
Até aqui, a situação foi administrada com rearranjos de produção que vêm evitando a paralisação completa das linhas. Porém, com o estresse logístico aproximando-se do limite, sem a perspectiva de normalização da navegabilidade no curto prazo, algumas empresas convocaram reuniões para discutir a adoção de férias coletivas nos próximos dias.
A informação foi confirmada tanto pela Eletros, a associação que representa fabricantes de eletrodomésticos, quanto pelo sindicato dos metalúrgicos da região.
As maiores embarcações não conseguem mais acessar o porto de Manaus devido à redução do nível de água em trechos críticos para abaixo da profundidade mínima necessária para a passagem com segurança dos navios de grande calado. A alternativa é transportar as cargas por balsas entre Manaus e o porto Vila do Conde, no município de Barcarena, no Pará, onde os navios estão transferindo a carga.
As balsas, a depender do peso carregado, conseguem passar por trechos com profundidade inferior a 2 m — os navios precisam de pelo menos 8 m. Só que as balsas transportam apenas 10% da carga de um navio e não conseguem desenvolver muita velocidade, em razão das restrições atuais de navegabilidade, o que eleva o tempo do percurso.
As soluções alternativas também implicam custo maior de transporte, dadas as despesas adicionais com a armazenagem dos materiais por mais tempo nos portos e as transferências imprevistas de contêineres. Conforme Augusto César Rocha, coordenador da comissão de logística do Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas), os contratempos elevaram entre 25% e 50%, a depender do contrato, o custo de frete na região.
Presidente da Eletros, Jorge Nascimento afirma que a entidade já recebeu dos associados informações de que sindicatos foram chamados para discutir a adoção de férias coletivas nas fábricas. Ele explica que as fábricas estão com dificuldade para receber insumos e também precisam equilibrar os estoques, que estão aumentando em seus pátios porque as mercadorias não estão sendo despachadas regularmente.
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Valdemir de Souza Santana, presidente do sindicato dos metalúrgicos do Amazonas, diz que, de fato, chegaram à entidade avisos sobre planos de paradas de produção não apenas na indústria de eletroeletrônicos mas também na de motocicletas. "Algumas empresas só vão ter matérias-primas daqui a 15 dias", relata.
Por ora, está descartado na indústria o risco de faltarem produtos nas lojas durante a Black Friday, a última sexta-feira de novembro. Por outro lado, o rio precisa voltar a subir para assegurar a normalidade das entregas de Natal, que acontecem a partir do fim deste mês.
Como a estiagem no Norte do país é um fenômeno sazonal, a indústria antecipou a produção e as entregas nos últimos meses para evitar o desabastecimento. Ainda assim, a seca de 2023, agravada pelo El Niño, superou as expectativas e pode ser a maior da história, atingindo uma área ainda maior e prolongando-se até o fim do primeiro semestre de 2024.
Operadores logísticos advertiram clientes ao longo desta semana que não há previsão de quando os grandes navios voltarão a entrar em Manaus.
Segundo Rocha, do Cieam, uma reunião foi marcada para a próxima sexta-feira, 20, com a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Também foram convidados representantes do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), a quem cabe executar a dragagem — isto é, a escavação do fundo dos rios. O objetivo é formar um comitê de crise.
O coordenador da comissão de logística do Cieam diz que um levantamento interno identificou algum impacto da estiagem na produção de apenas 4% das indústrias da região. O percentual baixo mostra que a preparação do setor para a seca está, por enquanto, funcionando. Rocha pondera, no entanto, que os rios podem continuar perdendo nível e a situação piorar até o fim do mês que vem caso os trabalhos de dragagem não comecem logo. "Temos o início de um problema histórico. A preocupação é como a situação vai estar em 30 de novembro. Se garantir 8 m [profundidade mínima para a passagem dos navios], a crise passa" comenta Rocha.