Morador do RS que resgatou 30 antes de ir a velório: ‘Prefiro perder minha vida salvando uma’
Confira relato em vídeo de três barqueiros da mesma família que estão colaborando nas operações de salvamento em São Leopoldo
Cidades|Bruna Lima, enviada especial do R7 a São Leopoldo (RS), e Emerson Fonseca Fraga, do R7, em Brasília
As enchentes que devastaram cidades inteiras do Rio Grande do Sul desde a última semana de abril e deixaram pelo menos 149 mortos e 538.126 desalojados teriam vitimado ainda mais pessoas sem ajuda da população local para resgatar quem ficou preso com a subida da água. O pintor Jardel Grubert, de 33 anos, é um desses voluntários. A repórter Bruna Lima, do R7, que está em São Leopoldo (RS), encontrou ele navegando de canoa em uma rua alagada junto com o primo Cristiano Grubert, de 38 anos, e o tio Josué Grubert, de 60 anos. “Desde o começo a gente tava”, conta. “Prefiro perder minha vida salvando uma vida do que morrer como um covarde e não salvar vidas”, diz Jardel (veja os relatos completos no vídeo acima).
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“Salvei mais de 22 do asilo aqui de cima, do lado da casa nova, ali. [...] Eram 5 horas da manhã a hora que a gente saiu ali do Mercado Redentor, com nosso sobrinho e as crianças todas em cima do colo. Fiquei ali embaixo, ajudei os bombeiros”, afirma Jardel Grubert.
Ele relata que também auxiliou no salvamento de animais ilhados. “Alimentei cachorro, alimentei gato. Em cima do prédio do meu tio, a gente encheu de cachorros. Quando apareceu umas ONGs aqui, eu trouxe para as ONGs, para levarem, porque não tinha como ficar lá.”
“Nessa casa aqui, eu tirei uma mulher, uma criança e mais uma criança, e ficou mais um rapaz aqui, que daí veio os bombeiros salvarem. Aqui adiante tem uma laje, e a gente entrou debaixo da laje para salvar vidas. Nós estávamos no pico, no pico da água. Sabe? Tava debaixo da laje ali salvando vidas.”
“Naquele portãozinho ali, eu e meu primo Alex, a gente entrou para debaixo, lá naquela altura da água, lá onde tava, a gente desceu na água e estourou o cadeado. (...) A gente salvou, se eu não me engano, uns quatro idosos e umas três crianças.”
Nesses resgates, Jardel Grubert viu e ficou sabendo de situações trágicas. “Escutei, e pelo olhar da mulher, eu acho que devia ser verdade. Tava a mãezinha, a mãe, agarradinha, assim... As duas... Pelo jeito que a moça me falou, a menininha, a criancinha, tava agarrada por baixo dela, e a mãe dela por cima. A gente fez o que a gente pode, sabe?”, lamenta.
Além de salvar vidas de animais e pessoas, os três ainda estão fazendo rondas para coibir a ação de criminosos que se aproveitam da falta de energia e das casas desocupadas. “Os caras começaram a roubar agora, e daí a gente tá dando... Fico dando uma volta por aí de noite”, afirma.
“Se você for levar adiante esse vídeo [gravado pela repórter do R7], que todos não abaixem a cabeça com esse desespero todo. Que todo mundo tenha fé, porque tudo isso a gente perdeu aí. (...) Todo mundo tem a fé para recomeçar de novo, porque a gente veio ao mundo sem nada, e tudo isso a gente conquistou no braço, na conquista. E a gente vai conquistar de volta.”
“Sabe o que é gratificante? Quando a pessoa chega ali em cima, ali no desespero, e a única coisa que ela pode falar é ‘muito obrigado por salvar minha vida’, e eu poder falar para ela ‘acalma teu coração, que tudo vai dar certo e vocês estão me inspirando’. Só isso... O restante, só Deus para controlar.”
Josué Grubert diz que eles usaram um carro para ajudar nos salvamentos. “A nossa sorte é que o meu genro trabalha na prefeitura de São Leopoldo, e conseguimos salvar aquela viatura que tá ali, um Fiat Uno, né? E com esse Fiat Uno a gente tirou muita gente, levou muita gente para casa. Foi a nossa sorte. É uma das viaturas que sobrou da prefeitura”, afirmou.
“Deus abençoe o trabalho de vocês [da imprensa] e a coragem de vocês de estar junto com a gente aqui, tá? Obrigado! Deus abençoe vocês”, se despediu Josué, indo de canoa com Jardel e Cristiano ao velório do pai, salvo da enchente, mas morto por causas naturais durante a tragédia.