Logo R7.com
Logo do PlayPlus

Clima eleitoral esquenta nos EUA, mas ainda há indecisos

No Arizona, estado onde cerca de um em cada quatro eleitores é latino, a eleição de 2024 está dividida como nenhuma outra

Internacional|Jack Healy e Robert Gebeloff, do The New York Times

Miguel Gomez vive conflito com os pais em casa, refletindo as ferozes divisões entre os eleitores latinos no Arizona Anna Watts/The New York Times

Phoenix – Miguel Gomez, de 21 anos, nunca sequer sonhou em respaldar um republicano – até esta eleição. Filho mais velho de pai mexicano naturalizado e mãe que colocou uma placa de apoio a Kamala Harris no jardim de casa, ele cresceu em uma família de classe média de convicções democratas sólidas de Phoenix. “Sou democrata desde que me entendo por gente. Foi uma coisa que nunca questionei”, disse.

Mas, com os republicanos brigando feio para conquistar o voto latino nos estados-pêndulo, o jovem chocou os pais e os amigos mais chegados ao anunciar que estava pensando em votar em Donald Trump. Com planos de não cursar faculdade e se tornar soldador, e com o hábito constante de ouvir podcasts de direita, Gomez já não se identificava com o Partido Democrata.

Seus pais não podem nem pensar na ideia. Para eles, votar contra o ex-presidente é uma questão de identidade, e não só uma decisão comercial sobre os preços dos alimentos e dos combustíveis. “Crescemos na nossa cultura; já com ele é diferente”, contou o pai, Miguel Gomez, que chegou aos EUA vindo da Cidade do México quando mal sabia andar.

Quando a cédula do rapaz chegou pelo correio, na semana passada, ele se viu agoniado, sem saber que quadradinho preencher. “Será que estou pensando demais?”, questionou.


No Arizona, onde os latinos respondem por 25% do eleitorado, o pleito de 2024 está dividindo a comunidade como nunca se viu. Muitas famílias e amigos, antes democratas ferrenhos, agora se veem do outro lado do abismo político norte-americano cada vez mais amplo.

Há 20 anos, metade dos latinos adultos que viviam no estado tinha nascido fora e a maioria não estava em situação legalizada, ou seja, não podia votar; hoje, dois terços são nascidos nos EUA e mais de 40% são naturalizados. Embora a população de imigrantes continue a crescer, a de seus descendentes vem aumentando cada vez mais depressa – o que reflete uma tendência que já é nacional, ou seja, os filhos dos estrangeiros estão chegando à idade de votar, e sua fidelidade política é menos previsível que a dos pais.


Jovens distribuem panfletos em uma comunidade predominantemente latina em Phoenix, no Arizona Anna Watts/The New York Times

Em 2020, o apoio do eleitor latino a Joe Biden em âmbito nacional foi maciço; desta vez, porém, com o medo e a insatisfação pesando bastante, muitos estão deixando em segundo plano os laços familiares e a antiga lealdade política. Cada vez mais, estão divididos segundo os mesmos critérios que separam o resto do eleitorado – homens e mulheres, diploma universitário e educação básica, rural e urbano.

Até a questão da imigração tem um peso diferente este ano. Nas entrevistas, mais de 25 eleitores latinos de Phoenix confessaram sentimentos contraditórios em relação à retórica anti-imigração de Trump e seus planos de deportação em massa: alguns revelaram repulsa, outros apoiaram a intenção de repressão aos recém-chegados.


O fato é que uma mudança mínima a favor dos republicanos pode comprometer as chances democratas no Arizona. Quatro anos atrás, os latinos apoiaram Biden por uma margem de aproximadamente 30%, ajudando-o a conquistar 10.500 votos em um estado tradicionalmente republicano, mas as pesquisas recentes mostram que Harris está com dificuldade em alcançar esse mesmo patamar. Segundo a enquete feita em setembro pelo “The New York Times” e o Siena College, sua vantagem no eleitorado hispânico era de apenas 11 pontos, com os eleitores mais jovens afirmando que as políticas de Trump os ajudaram, ao contrário das do atual presidente.

A porcentagem de eleitores democratas registrados no estado caiu de 32% para 29% nos últimos quatro anos, ao mesmo tempo que aumentou o número de registros independentes. A marca republicana permanece estável, a 35%, e as sondagens recentes mostram que o partido está conquistando os homens latinos como Gomez – jovens da classe trabalhadora. Harris, porém, tem grande apoio entre as mulheres. Uma pesquisa recente do The New York Times concluiu que, nacionalmente, ela lidera entre as hispânicas com uma vantagem de 30 pontos, mas praticamente não fez progressos entre os homens desse grupo demográfico.

Em dezembro passado, os democratas abriram uma sucursal em uma rua comercial de Maryvale, aonde volta e meia os voluntários se reúnem para se espalhar pelo bairro, de porta em porta, na tentativa de conquistar eleitores. Na barbearia logo ao lado do escritório, porém, os funcionários já disseram que não pretendem votar; nas ruas residenciais, há poucos cartazes nos jardins.

A casa de Robert Fernandez, a algumas quadras da dos Martinez, é exceção, exibindo uma bandeira da chapa Harris-Walz na entrada. Mas, lá dentro, também há conflito: segundo o decorador de 38 anos, todos os seus familiares eram democratas. Sua mãe votou em Barack Obama e em Biden, e apoiou o filho quando este lhe contou que era gay.

Entretanto, no início da pandemia e ao longo do governo Biden, as opiniões políticas da mãe começaram a se alinhar mais com a dos amigos e vizinhos da região conservadora onde mora em Phoenix, e este ano ela está apoiando Trump. Lucy, funcionária aposentada do varejo, repete algumas teorias da conspiração já familiares, e agora vê os democratas como fantoches da empresa de investimentos BlackRock, dos “idiotas de Hollywood” e do financista liberal George Soros. “O trabalho de Harris não me impressiona muito, não; esse negócio de querer reconquistar o voto de gente como eu, sem curso superior, não convenceu. Não tenho diploma, mas não sou burra.”

Quando foi visitar o filho para ajudar a preparar a decoração do Dia das Bruxas, os dois passaram praticamente o tempo todo brigando por causa da eleição. “Eu me afastei”, confessou Fernandez, referindo-se à facção trumpista da família. “Gosto deles, mas me sinto traído.” Já sua mãe afirmou que o filho simplesmente não quer entender o outro lado. “Amo meu filho e faria qualquer coisa por ele, mas quando nos reunimos tenho de lhe pedir que não fale de política.”

O dissidente Miguel Gomez, por outro lado, não teve tanta sorte. “Tento não falar sobre a eleição com meus pais, e cheguei a reclamar da oposição ferrenha da minha mãe a Trump.” “Estou tentando fazê-lo entender nossa história, o caminho que percorremos para chegar até aqui”, justificou Elizabeth Pedraza-Gomez, cuja família vive no Arizona há seis gerações.

Enquanto preenchiam a cédula juntos – naquela que é a primeira eleição presidencial de Miguel –, Elizabeth deixou claro que o filho era livre para tomar a própria decisão e o deixou sozinho na cozinha para terminar, esperando para levar ambas à caixa do correio. Não muito convencido, ele acabou votando em Harris. “Só para acabar com esse negócio de uma vez.”

c. 2024 The New York Times Company

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.