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Como as eleições espanholas ameaçam reconhecimento e recuperação das vítimas de Franco

Pesquisas prevendo vitória da direita deixam familiares de desaparecidos na guerra civil com medo de que buscas parem 

Internacional|Do R7

Agustín e Maria Gómez seguram porta-retrato do avô executado em 1936
Agustín e Maria Gómez seguram porta-retrato do avô executado em 1936 Agustín e Maria Gómez seguram porta-retrato do avô executado em 1936

Quando Ángela Raya Fernández ficou sabendo do projeto de exumação e identificação dos restos mortais de centenas de vítimas da guerra civil – possivelmente incluindo seu avô –, ela se encheu de esperança.

Afinal, desde menina ouvia histórias sobre o pai de seu pai, José Raya Hurtado, que tinha sido executado durante o conflito que castigou a Espanha, o corpo sumariamente jogado em uma ravina pelos homens do general Francisco Franco.

Apesar disso, só o conhecia por fotos em preto e branco: óculos redondos, entradas altas, olhar firme. "Sempre torcemos para que fosse encontrado e pudéssemos lhe dar um enterro digno", afirmou a bibliotecária de 62 anos e fala mansa.

Entretanto, com as eleições de domingo, 23 de julho, e as pesquisas prevendo uma vitória da direita, Raya, sua família e milhares de outras pessoas temem que o esforço de anos para encontrar os entes queridos possa parar de repente.

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O Partido Popular, conservador e vindo de uma base franquista, já prometeu revogar a lei aprovada no ano passado sob o atual primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, com o objetivo de acelerar as exumações.

Uma possível coligação entre seus integrantes e os do Vox, de extrema-direita, que há tempos também se opõe à investigação e à solução dos crimes do passado, só reforçou essa preocupação. "Seria uma catástrofe, um retrocesso descomunal", disse Raya.

As idas e vindas da legislação refletem bem como os traumas da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a ditadura imposta por Franco que se seguiu, encerrada em 1975, continuam dividindo o país até hoje.

Para alguns, o nacionalista consolidou o crescimento econômico espanhol do pós-guerra, e foi inimigo visceral do comunismo; já para tantos outros, seu governo foi repressivo, marcado por execuções em massa, pelo exílio de milhares e pelo sequestro de crianças.

Calcula-se que até 100 mil pessoas tenham sido executadas por seus apoiadores durante a guerra civil e depois dela, e enterradas em mais de duas mil valas comuns espalhadas pelo país.

Em um país onde o legado franquista passou décadas sem análise ou investigação, durante muito tempo ninguém ousou mexer nelas – principalmente os conservadores, que alegavam que as exumações serviriam apenas para "abrir velhas feridas".

Para a esquerda, o silêncio foi tudo, menos terapêutico; revoltante até. Durante a ditadura, os espanhóis eram proibidos de falar desses massacres.

Uma lei de anistia foi aprovada em 1977, com a intenção de pôr uma pedra sobre os crimes do passado, mas, na verdade, fez do esquecimento um elemento crucial de reparação da nação, tão dividida, durante o período de transição para a democracia.

"Havia uma cultura do silêncio", descreveu Agustín Gómez Jiménez, profissional da saúde de 49 anos que também contou que durante muito tempo seu pai se recusou até a mostrar fotos do próprio pai, seu avô, executado em 1936.

Segundo ele, foi a irmã que, mexendo nos guardados paternos, há cinco anos, finalmente encontrou alguns retratos. Em um deles, o avô aparece na praia, de mãos dadas com o filho pequeno, prestes a se tornar órfão. "Até me arrepio de pensar que ele ficou tão traumatizado que simplesmente escondeu as fotos", lamentou.

As primeiras iniciativas de lidar com a questão das valas comuns começaram em 2007, quando o então primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero, de centro-esquerda, aprovou uma "lei de memória histórica", que garantiu apoio ao governo para a execução das exumações. Entretanto, a legislação demorou para ser posta em prática e, quando o Partido Popular assumiu o poder, em 2011, os conservadores imediatamente a esvaziaram.

Levou outra década para a iniciativa finalmente ganhar impulso, graças ao compromisso das regiões controladas pela esquerda e à lei aprovada em 2022, que criou um censo e um banco nacional de DNA para ajudar a localizar e a identificar as ossadas.

Tais esforços são evidentes em Viznar, vilarejo de casas caiadas encarapitado nas montanhas com vista para Granada: há três anos, uma equipe de arqueólogos vem explorando a ravina onde os avôs de Raya e Gómez foram enterrados com pelo menos 280 outras vítimas, entre elas possivelmente o poeta Federico García Lorca.

Um representante do Partido Popular sugeriu que as exumações podem continuar depois das eleições, afirmando que "reivindicar os restos mortais dos familiares é um direito". Muita gente, porém, diz se lembrar de Mariano Rajoy, último premiê conservador, se gabando de zerar a verba pública da lei da memória, em 2007.

A possibilidade de uma coalizão entre os conservadores do Popular e os linhas-duras do Vox – que, segundo as pesquisas sugerem, será a única maneira de a direita garantir a maioria no Parlamento – só serviu para aumentar o medo e a preocupação das famílias.

Ansiosas, há várias semanas elas vêm procurando os representantes das ligas municipais criadas pelos dois partidos depois das eleições regionais, em maio, e praticamente todas têm planos de reduzir o projeto.

"O governo central é nossa esperança, nossa última proteção; se cair, já era", resumiu Matías Alonso Blasco, representante dos familiares da região de Valência, onde recentemente a direita assumiu o controle político.

Vários representantes do Vox se recusaram a falar conosco, mas o porta-voz da nova coalizão de direita da área confirmou que "as normas que prejudicam a reconciliação em questões históricas serão revogadas". Para muitos, é uma referência à legislação de 2017, graças à qual 400 das 600 valas comuns locais foram escavadas.

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