Em outubro de 2019, a Bolívia passou pelas eleições mais conturbadas da história recente do país. Evo Morales, disputando um quarto mandato, foi reeleito, mas teve que renunciar depois que protestos organizados pela oposição se espalharam pelo país após a divulgação de um relatório da OEA (Organização dos Estados Americanos) apontar fraudes na eleição.
Oito meses depois, esse relatório da OEA é contestado pela segunda vez, agora por um grupo de pesquisadores independentes que analisaram material obtido pelo jornal norte-americano The New York Times com as autoridades eleitorais da Bolívia.
Segundo a publicação, a contagem de votos da OEA e a conclusão de que o número de votos de Morales subiu inexplicavelmente no final se baseou em dados incorretos e técnicas inapropriadas. Esta afirmação da organização em 10 de novembro serviu de combustível para a oposição reforçar manifestações que pressionaram o ex-presidente primeiro a convocar novas eleições e, depois, renunciar.
“Quando nós corrigimos os problemas [com métodos diferentes], o resultado da OEA some sem deixar qualquer evidência estatística de fraude”, explica um dos analistas, Francisco Rodríguez.
O estudo foi conduzido por Rodríguez, um economista e professor de América Latina na Universidade de Tulane; Dorothy Kronick, especialista em política da América Latina na Universidade da Pennsylvania; e Nicolás Idrobo, autor de um livro sobre métodos avançados de estatística.
Antes disso, em fevereiro, um estudo conduzido por especialistas do MIT (Massachussets Institute of Technology, também nos EUA) já havia chegado a conclusão semelhante sobre o documento da OEA, que deveria atuar como uma observadora externa e neutra das eleições.
Manipulação da fraude
Os analistas independentes questionam o que chamam de "evidência-chave" do relatório da OEA: uma suposta discrepância na chamada contagem rápida ou TRAP, feita preliminarmente com fotografias e reprodução digital dos votos por sugestão da própria organização.
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Em dado momento da apuração, esta contagem rápida foi suspensa por uma noite, com 84% dos votos apurados, e retomada no dia seguinte. A OEA alegou no seu relatório que o resultado final pró Evo Morales não refletia a tendência de votos antes da suspensão.
Os autores do estudo disseram que não conseguiram reproduzir a contagem de votos com a mesma técnica usada pela organização. Segundo os analistas ouvidos pelo NYT, a única maneira de se chegar à conclusão da OEA é descartando 1.500 urnas que chegaram tardiamente para contagem rápida.
Isso sugere que a OEA simplesmente ignorou dados para chegar às suas conclusões. Além disso, também usou métodos estatísticos para tratar estes dados incompletos, de forma a compor um resultado que indicasse uma fraude.
Os autores se basearam na análise e contagem de votos da OEA e ressaltam que o estudo não se propõe a provar que as eleições foram “justas e livres”, sem qualquer outro tipo de fraude.
Bolívia pós-Evo
Depois da renúncia, Evo deixou o país, que agora é comandado pela presidente interina Jeanine Añéz, apoiada por partidos políticos de direita e grupos de ultradireita. Ela afirma que ficará no poder até organizar novas eleições, que podem ser disputadas por Carlos Mesa, rival de Morales em outubro, e Luis Fernando Camacho, principal líder dos protestos e alinhado à extrema-direita.
Evo Morales, no entanto, está impedido de participar das novas eleições. Ele vive no exílio na Argentina.