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Jornalista que expôs a corrupção na Guatemala está preso

Ativistas denunciam que governo do país tenta impedir a imprensa de trabalhar e chamam de condenação ataque à democracia

Internacional|Emiliano Rodríguez Mega e Jody García, The New York Times

Jornalista José Rubén Zamora foi preso e condenado na Guatemala
Jornalista José Rubén Zamora foi preso e condenado na Guatemala

Um dos jornalistas mais famosos da Guatemala foi condenado na quarta-feira (14), por lavagem de dinheiro e corre o risco de pegar até seis anos de cadeia em um julgamento que, segundo denúncias de defensores dos direitos humanos e da liberdade de expressão, é mais um sinal da deterioração do Estado de direito no país.

Fundador e editor do "elPeriódico', um dos principais jornais nacionais, focado na investigação assídua da corrupção governamental – incluindo acusações envolvendo o presidente, Alejandro Giammattei, e a procuradora-geral, María Consuelo Porras –, José Rubén Zamora, de 66 anos, foi sentenciado por irregularidades financeiras que, segundo a acusação, se resumem a seus negócios pessoais, e não a seu jornalismo, e inocentado pelas denúncias de chantagem e tráfico de influência, pagando uma multa de US$ 40 mil.

Para os ativistas, a deliberação foi mais um golpe na democracia local, fragilizada pelos ataques constantes do governo e de seus aliados às instituições e às agências de comunicação independentes. De fato, Zamora poderia ter sofrido uma condenação ainda mais longa, mas o júri concluiu que não havia embasamento para tais indiciamentos. "Não fiz nada de errado; o governo é que está tentando silenciar os críticos. Temos uma ditadura neste país – velada, multipartidária e tirânica", disse ele aos repórteres durante o breve intervalo antes da leitura da sentença no fórum da Cidade da Guatemala.

Rafael Curruchiche, líder da procuradoria especial que cuida do caso, anunciou à imprensa, na quarta, que apelaria, pedindo uma condenação de 40 anos. "Ele disse que combatia a corrupção, mas agora se vê que faz parte dela. É corrupto também."


Os grupos de defesa da liberdade de imprensa lamentaram a decisão. "A condenação de Zamora é uma prova cabal do desgaste da liberdade de expressão no país e das tentativas desesperadas do governo Giammattei de criminalizar o jornalismo", afirmou Carlos Martínez de la Serna, diretor de programa do Comitê de Proteção aos Jornalistas em Nova York.

O julgamento foi efetuado enquanto a Guatemala se prepara para o pleito presidencial, já marcado por irregularidades, com quatro candidatos da oposição desqualificados pela justiça eleitoral. "É um caso do Estado de direito deficiente. O caso Zamora representa mais um passo rumo à consolidação da ditadura. Mas, ao contrário de outros países centro-americanos, como Nicarágua e El Salvador, cuja democracia também está fragilizada, o poder não se concentra em uma família ou um indivíduo. Aqui, o autoritarismo é exercido por redes ilícitas de membros da elite econômica e militar, e pelo crime organizado em conluio com a classe política", declarou Ana María Méndez, diretora para a América Central do Wola, instituto de pesquisa sediado em Washington.


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Durante o período em que administrou o "elPeriódico", Zamora foi processado várias vezes pelo governo, quase sempre por difamação, como resultado das coberturas do jornal, mas o confronto legal mais sério com as autoridades teve início em julho, quando foi preso preventivamente, depois de ter sido oficialmente acusado de cometer crimes. Como resultado, as contas bancárias do jornal foram congeladas, agravando suas finanças antes do fechamento definitivo, no mês passado.

A principal testemunha do caso foi um ex-bancário, Ronald Giovanni García Navarijo, que acusou Zamora de lhe pedir que lavasse 300 mil quetzales, ou quase US$ 40 mil, e de forçá-lo a colocar anúncios de pagamento anual no jornal para evitar ser alvo de publicidade negativa. Só que a acusação não apresentou nenhuma prova de que o dinheiro do jornalista fora obtido ilegalmente; a maior parte, que segundo o acusado estava destinada ao pagamento dos funcionários do diário, vinha de um empresário que preferiu se manter anônimo por medo de represálias.


Sua defesa foi prejudicada por várias medidas adotadas pelos promotores e por uma organização de extrema-direita, a Fundação contra o Terrorismo, que defende o procurador-geral, e, segundo os críticos, tentou intimidar os advogados de Zamora – que passou por nove profissionais, com pelo menos quatro acusados de obstrução de justiça pela posição que ocupavam no caso. "A defesa de Zamora já começou prejudicada pela alta rotatividade, sendo que, em alguns casos, a impressão é que o advogado nem recebeu o material do antecessor", explicou Stephen Townley, diretor legal da iniciativa TrialWatch do grupo de defesa de direitos Fundação Clooney por Justiça.

Um dos primeiros juízes responsáveis pelo caso não permitiu que Zamora apresentasse testemunhas e rejeitou a maior parte das provas que tentou submeter, classificando-as como "irrelevantes". Para José Carlos Zamora, filho do acusado que também é jornalista, o julgamento foi um exemplo de "perseguição política".

Já Giammattei, referindo-se ao caso, afirmou que o fato de ser jornalista não dá à pessoa "o direito de cometer crimes". Entretanto, seu governo vem sendo acusado por grupos ativistas de usar o Judiciário para atacar quem o critica. Segundo um relatório da Wola, os casos de corrupção e violação dos direitos humanos estão parados, e a justiça foi "sequestrada" por uma rede de corruptos. Desde 2021, mais de 30 juízes, procuradores anticorrupção e seus advogados fugiram do país, como também 22 jornalistas que se disseram ameaçados por causa do trabalho.

Quando o "elPeriódico" foi fundado, em 1996, a Guatemala estava entrando em um período de otimismo depois de uma guerra civil brutal que durou quase 40 anos e resultou na morte e no desaparecimento de milhares. Os guatemaltecos, exaustos, tinham a sensação de que a democracia estava se estabelecendo e o governo trabalharia com transparência.

Um painel internacional apoiado pela ONU passou 12 anos trabalhando em parceria com membros do sistema legal local para expor a corrupção da elite nacional, incluindo integrantes do alto escalão governamental e empresarial, mas foi expulso em 2019 pelo presidente anterior, que estava sendo investigado. "O que vemos atualmente é um sistema que quer continuar protegendo o comportamento criminoso", avaliou Daniel Haering, analista político da Cidade da Guatemala. Segundo Méndez, do Wola, com o caso de Zamora e o fechamento do jornal, fica mais difícil responsabilizar o governo por seus atos: "Quem vai dizer a verdade na Guatemala agora? Não há ninguém para ocupar esse lugar."

O país se prepara para as eleições nacionais, marcadas para o dia 25, que, de acordo com os grupos de direitos civis, já foram corrompidas. Entre os candidatos da oposição proibidos de concorrer está o conservador populista Carlos Pineda, que prometeu combater a corrupção e, segundo uma pesquisa recente, encabeçava a lista de preferências populares. Apesar disso, o tribunal superior o tirou da disputa, denunciando os métodos que o partido usou para nomeá-lo, alegando que violaram a lei eleitoral.

O caso Zamora complicou a vida de muitos jornalistas simplesmente por cobri-lo. Oito repórteres, editores e colunistas estão sendo investigados, acusados de obstrução da justiça, depois de ter escrito sobre o processo do "elPeriódico". A maioria saiu do país.

Desde que Giammattei assumiu a presidência, em janeiro de 2020, a Associação de Jornalistas da Guatemala registrou 472 casos de assédio, ataques físicos, intimidação e censura contra a imprensa.

Na quarta, Zamora deixou claro que vai apelar da sentença e levar seu caso para o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, que faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA). "Todos os meus direitos foram violados", afirmou durante as declarações finais no tribunal.

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